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quinta-feira 14 novembro 2024
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“Crônicas e Contos do Escritor” – Cirurgia

Uma hérnia sem graça resolveu se instalar em meu abdômen. Uma bolota incômoda e indesejada que me perturbou por um bom tempo. Porém, até que convivíamos razoavelmente bem, mas a filha da mãe (pra não dizer outra coisa) resolveu começar a doer…e como doía.
De tanta dor, começou até a provocar vômitos (até em um local público, Jesus, que vergonha), ai, ai, ai. A coisa chegou em uma situação tal que me comprometeu a qualidade de vida, não dava mais pra segurar, então, vamos ao médico. Oh, minha Nossa Senhora como detesto ir ao médico. Bom, lá fui eu e, conforme esperava, encaminhado com certa urgência para cirurgia.
Mas, antes, vem aquela parte…exame de sangue (horrível, até contei na coluna anterior) visita ao anestesista (porque as pernas ficam bambas?), visita ao cardiologista (e a gente ouve cada bronca, eita), visita ao endocrinologista (que nome) e vamos que vamos.
O bisturi me espera, ai meu Deus!
Você conta as horas para a cirurgia e deseja que o relógio ande para trás, mas ele nunca se deu bem comigo e só andava pra frente. Chega um momento que você começa a pensar, Oh, meu Deus, última pizza antes da cirurgia, último lanche antes da cirurgia, último almoço, último café da tarde, última…ops…último jantar e seja o que Deus quiser, chega a noite anterior e penso…a cirurgia é amanhã de manhã. Como vou conseguir dormir essa noite?
Dormia, acordava, dormia, acordava, e cada vez que dormia sonhava, ou melhor, tinha pesadelos com a cirurgia. Noite difícil e, enfim, amanheceu. Ferrou. Penso em pegar o trem azul, fugir para o mar ou, quem sabe, pegar as asas de Ícaro e voar em direção ao sol.
Tremendo inteiro, chego ao hospital e sou recebido por uma sorridente atendente. Ela está sorrindo assim porque não é ela que vai fazer a cirurgia.
Acertos burocráticos realizados e sou encaminhado para o quarto. A tremedeira aumenta e à vontade de sumir dali também. No quarto, aguardo, com o coração apertado.
Se já não bastasse toda aquela desgraça e sofrimento, vem uma enfermeira e fala que é para tirar a roupa e colocar um ridículo avental verde claro. Até agora não entendi porque a parte aberta fica nas costas se a cirurgia é na barriga.
Com a desagradável e ridícula bunda de fora, sento na maca de novo e para f….de vez a situação, outra enfermeira entra no quarto e traz uma bandeja de aço inox com aquilo que mais me apavora…uma injeção. Ela me faz virar e mostrar a bunda gorda e ridícula e, sem qualquer piedade, me agride com aquele instrumento do demônio e doeu pra cacete.
Ela sai com um sorrisinho irônico (ainda não entendi aquele sorrisinho) e eu me arrumo na cama. Alguns segundos depois, tudo começa a ficar engraçado, o sono chega e me vejo sendo levado para a sala de cirurgia e quando vejo aquela lâmpada imensa, parecendo um holofote, penso em uma nave espacial e o cirurgião, o anestesista, enfermeira, sei lá quem, me bota algo no rosto que me cobre o nariz e a boca, respiro e…e…, tudo desaparece.
E, graças a Deus, aqui estou me torcendo de dor na recuperação. Oh desgraça, dói deitado, dói sentado, dói em pé, dói para deitar, dói para sentar, dói para levantar, resumindo… o pós-cirúrgico dói mais que a hérnia. Para completar a desgraça, o intestino prende, tomar banho é uma tortura. Café da manhã, almoço e janta é um desespero…, caraca, como isso dói.
A família pergunta se está tudo bem, se você melhorou, se dormiu bem a noite (como? se não dá para se mexer), se está com fome, se está com sede e os amigos passam whats, ligam, perguntam e assim vai.
Os dias vão passando e não sei se é impressão minha, mas a dor parece estar passando.
Sim, é isso mesmo, está melhorando.
E me lembrei…, oh, meu Deus o tempo passou e preciso mandar o texto para a coluna do jornal, mas o melhor é que sem a maldita bolota incômoda.
Vamos em frente, sobrevivi e a hérnia é passado.