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sexta-feira 8 novembro 2024
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Covid-19 já mata no Brasil mais que qualquer doença, agressão ou acidente

O crescimento no número de mortes levou a covid-19 a causar, nos últimos dez dias de abril, uma média de óbitos diárias maior do que qualquer doença ou causas externas do país, segundo dados do SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade), do Ministério da Saúde, consultados ontem. O UOL consultou o banco de dados do sistema que faz a contagem oficial de óbitos no país — que especifica o número de mortes por causa — e os comparou com o do Portal da Transparência da Arpen (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais) Brasil, que tem divulgado em tempo real as causas inseridas nos registros de óbito.

Os dados mais recentes do SIM são referentes a 2018. Além desse ano, a reportagem consultou também todas as causas de morte a partir de 2015. Nos últimos dez dias de abril, a covid-19 matou ao menos 365 pessoas por dia, em média — os dados finais ainda serão acrescidos com novas ocorrências a serem inseridas no portal.

Segundo os dados mais recentes do SIM, a principal causa de morte no país são as doenças cerebrovasculares — grupo que engloba as disfunções relacionadas a vasos sanguíneos que irrigam o cérebro, como AVC (Acidente Vascular Cerebral) —. com 99 mil registros em 2018. Uma média 273 óbitos por dia. Se levarmos em conta todas as causas nos últimos cinco anos com dados disponíveis, as doenças cerebrovasculares historicamente têm os maiores números, e tiveram seu ápice em 2016, com taxa de mortalidade diária de 282 por dia.

Outras causas de mortes com números altos já foram superadas com folga pela covid-19. É o caso de infarto, pneumonia, diabetes, hipertensão e qualquer tipo ou agrupamento de câncer. Mortes por acidentes ou agressões (que inclui assassinatos e suicídios), em 2018, também não chegam nem sequer à metade da média diária da covid-19 no final de abril.

Atraso e subnotificação

Apesar de já superar a média de todas as outras causas, dois fatores ainda pesam a favor da letalidade da covid-19. O primeiro é que, como os cartórios têm até 13 dias — cinco para efetuar o registro de óbito, e depois até oito para enviar o ato à Central Nacional de Informações do Registro Civil — para atualizar os dados, os números ainda são parciais e têm atualizações constantes até o fim desse prazo. Além disso, há uma série de mortes registradas apenas com causas genéricas — SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave), pneumonia ou insuficiência respiratória — que podem ter por trás, como agente infeccioso, o novo coronavírus.

Os dados dos cartórios são mais atualizados que os informados diariamente em boletim pelo Ministério da Saúde — que recebe os dados das secretarias estaduais, que por sua vez são abastecidos pelas secretarias municipais de saúde.

Um exemplo do atraso é o fato o pico de mortes por dia que, segundo os dados do ministério, teria ocorrido no dia 20 de abril, quando eram computadas 255 óbitos. No caso dos cartórios, esse número já é de 305. No dia 28, temos o ápice das mortes, segundo os cartórios, quando já são 410 mortes diagnosticadas pelos médicos como covid-19.

Volta ao século passado A vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Bernadete Peres, explica que as mortes por causas infecciosas vinham caindo no Brasil ao longo dos anos, e cita que a curva foi bruscamente alterada com a chegada do novo coronavírus.

“O Brasil, ao longo de décadas, vem passando pela transição epidemiológica onde as doenças crônicas não transmissíveis superaram as doenças infecciosas. Com esse cenário atual, voltamos ao início do século passado”, diz.

Apesar de já ser a causa principal de morte no país hoje, Bernadete assegura que os dados reais são muito maiores que os divulgados oficialmente — e que dificilmente saberemos o número exato um dia.

“O Ministério da Saúde não divulga suspeitos, só define como caso confirmado com teste. Como estamos entre os países que menos testam, e não tem fechamento de caso por critério clínico-epidemiológico, provavelmente vários óbitos por SRAG estão sendo fechados como pneumonia atípica”, explica.

Um dos exemplos citado por ela está nas mortes ocorridas em Manaus, onde o mês de abril registrou um aumento de 578% no número de mortes por causas respiratórias, sendo apenas um quarto delas registrada como covid-19.

“Nosso problema é que não testamos, então não sabemos a dimensão real do problema. A gente só olha quem está grave, como se a epidemia fosse de SRAG. Só que a doença é a covid-19, e é fundamental sabermos sobre todos os infectados, não só a ponta do iceberg. Muita gente que morre em casa não está entrando nas estatísticas”, completa Bernadete. A vice-presidente da Abrasco também lembra que o Brasil ainda não enfrenta o período de pico da doença, e acredita que a superlotação hospitalar deve elevar ainda mais o número absoluto e a taxa de mortalidade da doença.

“Além desse colapso aumentar a letalidade, temos que encarar ainda a dificuldade de insumos, ambulâncias e até de transferência segura”, finaliza.