O surto do coronavírus oriundo da China vem causando preocupação entre os brasileiros, mas não deve tirar o foco de outras doenças infecciosas, às vezes até mais contagiosas e letais, que circulam no Brasil, alertaram infectologistas.
Entre essas doenças estão dengue, febre amarela e sarampo, por exemplo. As duas primeiras são transmitidas por mosquitos, enquanto a transmissão da terceira é entre humanos.
“Estamos preocupados com o coronavírus porque é um vírus novo. Ninguém tem imunidade, então, a chance de ele infectar um número muito grande de pessoas é muito alta se ele se alastrar. Agora, temos outras doenças no Brasil com as quais temos que nos preocupar — e até mais. A cada ano, temos uma epidemia de dengue. Parece que nos acostumamos que várias pessoas vão ficar doentes e algumas delas, morrer e entrar nas estatísticas. E essas mortes são teoricamente evitáveis”, diz à BBC News Brasil Alberto Chebabo, infectologista do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias (DIP) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Rosana Richtmann, infectologista do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo, concorda. Ela ainda alerta sobre a crescente circulação de informações falsas sobre a nova doença.
“Todo mundo só se interessa por coronavírus, porque é um vírus novo e gera insegurança. Já temos dúvidas suficientes sobre essa doença. Não estou tirando a importância do coronavírus. Mas o pior que pode acontecer agora é que circulem informações falsas que só atrapalham a população e desviam atenção de doenças muito mais importantes e cientificamente comprovadas, como o sarampo ou a febre amarela”, diz Richtmann.
O novo coronavírus que surgiu na província chinesa de Wuhan já infectou mais de 20 mil pessoas na China e se espalhou para outros países. Ao todo, 425 dos infectados morreram.
Até a conclusão dessa reportagem, não haviam sido confirmados casos da doença no Brasil.
Apesar disso, o governo federal anunciou, na segunda-feira (03/02), ter decidido decretar uma situação de emergência.
A decisão ocorre uma semana depois que a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou uma situação de emergência de saúde pública internacional.
O novo coronavírus tem sinais e sintomas clínicos principalmente respiratórios, como febre, tosse e dificuldade para respirar. Ele é da mesma “família” dos vírus que provocaram epidemias anteriores como as de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), de 2002, e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), de 2012.
Por outro lado, a taxa de letalidade do coronavírus de Wuhan é menor, por enquanto: em torno de 2%, comparada com 10% da Sars e 37% da Mers, considerando apenas os casos confirmados em laboratório, segundo as autoridades.
Também é inferior, por exemplo, à da versão mais grave da dengue ou da febre amarela silvestre.
Dengue
No ano passado, segundo dados do Ministério da Saúde, foram notificados 1.544.987 casos prováveis de dengue no país, aumento de 525% em relação a 2018.
Desse total, foram confirmados 1.419 casos de dengue grave (DG) e 18.740 casos de dengue com sinais de alarme (DSA). As mortes totalizaram 782. Ou seja, a taxa de letalidade da versão mais grave da doença, 3,8%, supera a do coronavírus.
Segundo o Ministério da Saúde, “os casos de dengue grave, dengue com sinais de alarme e óbitos por dengue” são confirmados “por critério laboratorial ou clínico-epidemiológico”.
Além disso, cresce o temor de que o Estado de São Paulo enfrente neste ano uma epidemia retardada de dengue. Os casos da doença, que estavam caindo em janeiro, frente ao mesmo período do ano passado, começaram a subir. Já são 24.888 registros, com uma morte.
O transmissor da dengue é o mosquito Aedes aegypti, que precisa de água parada para proliferar. A dengue, na maioria dos casos, tem cura espontânea depois de 10 dias.
Seus principais sintomas são febre alta, dores musculares intensas, mal estar, falta de apetite, dor de cabeça e manchas vermelhas no corpo.
Febre Amarela
Já a febre amarela, cujo último grande surto aconteceu na temporada 2017/2018, mata mais de três de cada dez pessoas infectadas.
O vírus é transmitido pela picada dos mosquitos transmissores infectados e não há transmissão direta de pessoa a pessoa.
Entre 1º de julho de 2017 a 30 de junho de 2018, foram confirmados 1.376 casos no país e 483 óbitos. Ou seja, uma taxa de letalidade de 35%.
Desde aquele ano, houve redução significativa do número de casos de febre amarela. Durante o monitoramento 2019/2020, apenas um caso humano, que veio a óbito, foi confirmado, no Pará.
Mas, no início de janeiro, o Ministério da Saúde fez um alerta à população, especialmente do Sul e do Sudeste, que não eram áreas de risco para a doença, para tomar a vacina, uma vez que o verão costuma ser o período de maior ocorrência de doenças transmitidas por mosquitos.
O governo também decidiu ampliar a cobertura da vacina contra a febre amarela. Neste ano, 1.101 municípios localizados na região Nordeste vão passar a ser considerados ACRV (áreas com recomendação de vacinação), incluindo Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, parte do Estado do Piauí, Alagoas (município de Delmiro Gouveia) e Sergipe (município de Canindé de São Francisco).
A isso se deve o fato de que, em 2016, o vírus da febre amarela surgiu no extremo leste brasileiro, causando o maior surto de febre amarela silvestre observado nas últimas décadas, envolvendo principalmente os estados de Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.
Atualmente, o Brasil tem registros apenas de febre amarela silvestre, ou seja, transmitida por mosquitos que vivem no campo e florestas. Os últimos casos de febre amarela urbana (transmitida pelo Aedes aegypti) foram registrados em 1942, no Acre.
Seus sintomas iniciais são febre com calafrios, dor de cabeça intensa, dores nas costas, dores musculares, vômitos e fraqueza.
“Não quero comparar a febre amarela com o coronavírus, mas a febre amarela está no nosso país, temos como nos proteger, efetivamente através de uma vacina, e às vezes temos que suar a camisa para termos cobertura vacinal adequada”, diz Richtmann, do Instituto Emílio Ribas.
Sarampo
Apesar de ser menos letal que o coronavírus, o sarampo é muito mais contagioso.
Seu “número reprodutivo” varia de 12 a 18, dependendo da metodologia usada. No jargão científico, isso significa para quantas pessoas uma pessoa infectada pode transmitir o vírus.
No caso do novo coronavírus, esse número foi recém-calculado entre 2,2 e 3,3, também muito contagioso, mas bem inferior ao do sarampo.
No Brasil, foram 16 mil casos no ano passado, 10,3 mil em 2018 e nenhum em 2016 e 2017. Do total de infectados em 2019, apenas 15 morreram, 14 em São Paulo e um em Pernambuco.
Especialistas acreditam que o surto, que começou em 2018, está ligado, em grande parte, à desinformação sobre vacinação.
Em 2016, o Brasil havia recebido o certificado de eliminação da circulação do vírus do sarampo pela OMS, e a região das Américas, declarada livre do sarampo.
Doença viral aguda que se parece a uma infecção do trato respiratório superior, o sarampo é uma doença potencialmente grave, principalmente em crianças menores de cinco anos de idade, indivíduos desnutridos ou imunodeprimidos.
A transmissão do vírus ocorre a partir de gotículas de pessoas doentes ao espirrar, tossir, falar ou respirar próximo de pessoas sem imunidade contra o vírus.
“Temos muitos outros problemas de saúde pública, de doenças infecciosas que são imunopreveníveis, diferente do coronavírus. Mas não necessariamente a população adere à precaução”, conclui Richtmann.
Coronavírus não deve tirar foco de doenças que já circulam no Brasil, alertam especialistas
fev 05, 2020RedaçãoSaúdeComentários desativados em Coronavírus não deve tirar foco de doenças que já circulam no Brasil, alertam especialistasLike
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