Fradinho
Sou um fradinho, também conhecido como papagaio do mar. O meu corpo tem penas pretas, brancas, laranjas. O meu bico costuma brilhar sobre a escuridão, as minhas penas alaranjadas recebem, nas noites de poesias gritadas, um feição fluorescente. Há muito tempo, não consigo afirmar exatamente quanto, bebi água na fonte da deusa Mama Cocha; por esse motivo tão simples tornei-me imortal como o personagem Fantasma dos quadrinhos.
Fradinho, contador de história.
Presenciei, num dia determinado, pós-tempestade, o batismo de um marinheiro que atravessava, pela primeira vez, a linha do Equador. O capitão caracterizou-se de deus Netuno; exigiu que o marinheiro pronunciasse um juramento e, após esse ato, batizou-o com as águas salgadas de um mar banhador do mundo. Aconteceu festa no convés, dança imitando o movimento das ondas; a marinhagem bebeu, sonhou, dormiu. Estou contando um fato acontecido antes de Cristo, em comemoração ao navegador que se aventurou pelo Oceano Atlântico, filho de Atlas.
Atlântico, século XIX e início do século XX.
Eu vi a hora exata em que o século XX nasceu para a vida neste mundo. Acompanhando esse aparecimento de um novo estágio na Terra, a ciência, a tecnologia, o conhecimento deram um salto para à frente. Esse salto despertou as grandes navegações novamente; as indústrias apostaram no futuro; os grandes investimentos puseram os pés na certeza, arrastando consigo os especuladores. O sonho desses homens sedentos, eufóricos, desbravadores de novos caminhos condutores à posse da riqueza, enfocava a conquista das bravas águas do Atlântico Norte.
Os países, agindo do mesmo jeito que as crianças brincam, diante dos jogos de quebra-cabeças, resolveram montar navios gigantes, monstros deslizadores nas superfícies dos mares, sonhando com navios maiores que os oceanos.
Homens de negócio, reis, industriais, especuladores, lotaram as primeiras classes desses navios. Americanos milionários levaram suas mulheres para conhecer a moda europeia, a gastronomia do velho mundo.
Ao lado dessa riqueza, desse luxo, as nações produziram, em mesma escala, o aumento da pobreza, dos marginalizados do universo dos magnatas. Esses homens pobres, mas donos de sonhos embarcaram nos grandes navios, na terceira classe, em busca de novos dias e vida possível de ser modificada na América, terra de sorte e magia.
Uma história
Num estaleiro em Belfast, Irlanda, investidores resolveram construir o maior e mais seguro navio até então idealizado. O projeto desse navio saiu da cabeça do engenheiro naval Willian Pierre. Centenas de operários trabalharam dia e noite para executar o projeto. Muitos morreram durante as operações. O navio tinha 269 metros de comprimento, 53 metros de altura, 28 metros de largura, pesando 46 toneladas. Os olhares do mundo estavam no estaleiro de Belfast. O navio em construção podia transportar até 3.500 passageiros; o luxo e o bom gosto seguiram o desenvolvimento do projeto; a primeira classe, no centro do navio, apresentava largas janelas, biblioteca, gabinete para leitura, salas de visita, sala para fumantes, bar, varanda, jardins, escadas para o tombadilho, quadras de tênis, salas de banho turco, cabelereiros, academia de ginástica, cozinha, chefs. O navio pronto ficou em 7 milhões e 500 mil dólares, mais ou menos, meio bilhão de dólares atuais.
A vaidade – a loucura
Eu, um pássaro fradinho navegador dos mares, acompanhei a feitura do navio. Houve discussões quanto ao nome da embarcação, mas, no final batizaram com o nome de Titanic, rival dos deuses do Olimpo. O financiador do projeto, olhos lacrimosos ao ver a grandiosidade da embarcação, disse: “nem Deus afundaria o meu Titanic”. E, nessa continuidade de fatos, o Titanic partiu para sua viagem inaugural, saindo do Porto de Southampton, às 12 horas e 15 minutos, de dez de abril de 1912, embalado pelos desejos de conquistar a glória. O navio deslizou lentamente, como seda ao vento; desceu o canal, contornou a Ilha Wigh, penetrou no Canal da Mancha, ganhou o mar.
Eu, nesse momento, estava no topo de uma bandeirola hasteada perto da cabine de comando. Um quarteto de cordas se apresentava ao lado da torrinha; um maitre, elegantíssimo, anunciava o menu da primeira refeição do Titanic: “Consomê, salmão, cordeiro, sweetbread, roast chicken, spring lamb, ment sauce, braaisead ham a spinach braised, green peas, cauleflower, bovin e boeled potatoes, goden plover on toast, pudiling sans souci, peaches imperial, partry, dessert, coffee”.
As mulheres aplaudiram, os homens apoiaram-se na fumaça dos charutos, sonhando com a realização de grandes negócios. Na terceira classe, agrupados, os imigrantes engoliam saliva e medo. O Titanic atravessava as águas escuras, geladas até para os peixes, do Atlântico Norte. No céu estrelado, até não mais poder, a movimentação dos astros indicava ás 10 horas de uma noite descaminhada quando, vindo das entranhas do mar, um Iceberg chocou-se com o navio. O Titanic sofreu um corte de 100 metros no casco, levando o navio, o orgulho humano, a disputa pelo poder, o capitalismo para o fundo do mar. Eu, um fradinho, levantei voo pelo espaço aturdido e, lá de cima, testemunhei a morte de 1.500 pessoas.
O cinema
James Cameron, cineasta por vocação aderida à pele; físico por interesses intelectuais e apaixonado pelos mistérios escondidos no fundo do mar escreveu, dirigiu, colaborou com a produção do filme Titanic lançado em 1997. O projeto fílmico consumiu 200 milhões de dólares, um réplica do Titanic, perfeita, foi construída num estúdio no México. O filme conquistou 11 Oscars e foi uma das maiores bilheterias da história do cinema.
Eu, o fradinho narrador, levei meus filhotes ao cinema Plumas de Maio, para assistir ao filme Titanic. No início do filme, um caçador de tesouros, meio Indiana Jones, comanda uma exploração aos destroços do navio Titanic , no fundo do mar. Esse explorador, chamado Block Lovett, procura um colar de diamante, denominado “coração do oceano”, sonho de milhares de reis e poderosos. A equipe localiza o cofre de Caledon Cal Hockley, proprietário do colar e um dos passageiros do navio. Dentro desse cofre havia o desenho de uma mulher nua usando o colar de diamante azul, somente esse desenho encontrava-se no cofre.
Uma mulher idosa chamada Rose Dawson Calvert aparece na embarcação dos pesquisadores, apresentando-se como a mulher que, na época do Titanic, fora pintada nua, em sua cabine. Essa senhora, como “Em algum lugar do passado” é a narradora de sua história, da história do Titanic e do amor que renasceu dos destroços do navio. Era uma vez, no Titanic, um rapaz muito pobre, um imigrante sonhando com a América, que a encontra no convés do navio. Eles se conhecem, confessam suas vidas e suas histórias, e se apaixonam. Ela, narradora, era noiva de Caledon Hockley, um milionário que, de certa forma representa o perfil do capitalista desumano do período. Esse noivo a presenteara com o colar “diamante do oceano”. No entanto, no movimento do mar, no giro que a natureza dá, Rose abandona o milionário para ficar ao lado do desenhista Jack Dawson, que a desenhara nua usando o diamante azul.
Jack salva a vida de Rose, mas morre nas águas geladas do Atlântico,
Eu não sei escrever,
Sei voar na direção do vento,
Sei amar com as forças das minhas penas.
As minhas cores brilham o meu nome,
Sou um fradinho,
Um pássaro que tentou contar uma história
No último dia do Titanic, nas mesas tão decoradas, havia antepastos e ostras, O consomme Olga e Creme de Cevada vestiam roupas lindas, frango refogado com molho iyonnaise cheirava mostarda, filé mignom Lili usando um capote de alcachofras e trufas, o pato assado com molho de maça cruzara as pernas, filé chateubriand com batatas chateaux, passeando no centro do prato, arroz e parmentier, linda de se ver; punche romaine velado para os olhos, pudim waldorf, cheiro gostoso de maça verde; pêssegos com geleia verde, folha de hortelã olhando na janela; éclair de chocolate, bombeando lábios calorosos, sorvete francês, cerejas amando o gosto.
A passageira Gloria Stuart levantou o dedo, pondo em prática uma educação aprendida na evolução da vida, solicitou que lhe preparassem um prato denominado “Linguado à Meuniere”, uma receita de sua juventude, um retorno aos tempos em que a poesia era escrita na fronha de seu travesseiro. Durante esse pedido inusitado, o Iceberg aproximou-se do Titanic. O Iceberg também tinha um sonho: “navegar livremente”.
Receita
Linguado à meuniere
Ingredientes: 2 linguados (ou 4 , se forem pequenos); farinha de trigo para empanar; azeite para fritar; 4 colheres de sopa de manteiga; sumo de um limão; salsa finamente picada; gomos de limão para decorar.
Modo de fazer: Comece por preparar o peixe. É necessário, em primeiro lugar, retirar a pela escura que o cobre de um dos lados. Para isso raspe com uma faca junto à barbatana do rabo para conseguir soltar a pele, agarre-a e vá esfolando ao longo do peixe até retirar toda a pele. Com uma tesoura, corte as espinhas ao longo das laterais do peixe. Passe o peixe por farinha e sacuda-o um pouco para retirar o excesso de farinha. Aqueça um pouco de azeite ou manteiga, se preferir, numa frigideira e, depois de bem quente, coloque lá o linguado. Frite-o de ambos os lados.
Uma dica: para evitar que o linguado fique demasiado cozido na zona do rabo, que é mais fina, pode a meio da fritura colocar uma rodela de limão na frigideira debaixo do rabo do peixe. Quando estiver pronto, acrescente alguns cubos de manteiga, para o sabor desta ser absorvido pelo peixe. Repita o processo até todos os linguados estarem fritos e crocantes. Tempere o peixe com sal e pimenta e reserve, enquanto prepara o molho. Pode usar mesma frigideira ou adiantar o processo que se segue à parte, enquanto cozinha o peixe. Derreta a manteiga até ficar dourada (manteiga noisette). Quando esta estiver dourada introduza o sumo de um limão e envolva.
Para o empratamento coloque o peixe numa travessa e derrame abundantemente o molho por cima. Decorre com salsa finamente picada e os gomos de limão. Acompanhe com batatinhas cozidas ou purê de batata.
Por Adriana Padoan