I – Porto de Veneza
A noite dominava o mar, as matas, as cidades, os homens e a existência. O século XIV comandava os acontecimentos históricos registrados pelo tempo. No porto de Veneza, os navios com seus corpos abertos descarregavam os produtos nascidos e criados na outra face do mundo. Marinheiros disputavam os estreitos caminhos na largura do cais; carregadores, levando seus gemidos abafados empurravam os carros de cargas de um lado a outro; as prostitutas estavam atentas a sofreguidão da vida no porto.
Sentado na elevação da rampa portuária, com um malote de roupa ao lado dos pés, o jovem Marco Pollo, de 17 anos, observava o movimento do porto. Alto, magro, barba denotando cuidado, sonhava com o horário em que embarcaria num navio mercante. O seus sonhos eram simples, ou seja, viajar de porto em porto até a China, em busca de aventuras, conhecimento, cultura, novos costumes e buscar grandes amores. Embarcou as duas horas da madrugada, sentindo o cheiro forte das ondas do mar.
Na Malásia, terra famosa pelo comércio, viu uma fruta chamada coco, fruta com cara de gente, na sua casca havia dois olhos e boca, tinha água saborosa, refrescante e a carne branca como leite que gera a vida. Na China viveu aventuras indescritíveis, lutou, enfrentou conflitos, trabalhou por 24 anos. Depois desse tempo retornou a Veneza.
Participou de uma guerra civil, foi preso. Na pequena cela, identificada com a solidão, narrou a seu companheiro de prisão, o escritor italiano Rustchello, as suas aventuras vividas em terras novas e sedutoras. Rustchello escreveu e publicou o “Livro da Maravilhas”, levando Marco Pollo ao caminho da fama e sucesso. Foi assim, pelo quixotismo de Marco Pollo que o coco foi apresentado ao mundo pela primeira vez.
II – Coco no Brasil
No século XVI, tempo bem alucinado e delirante, momento em que o homem abriu a cortina dos oceanos, e o mundo nunca mais foi o mesmo; as descobertas marítimas ergueram um palco no meio dos mares, e o drama humano passou a ser teatralizado. Nesse tempo havia um privilégio destinado aos heróis do novo mundo, que consistia na doação de terras recém-descobertas, como prêmio e reconhecimento. Foi dessa maneira que Duarte Coelho, filho bastardo na sociedade portuguesa, recebeu como recompensa por serviços prestados à coroa, a Capitania de Pernambuco, 60 léguas da costa brasileira, abrangendo Pernambuco e Alagoas.
Duarte Coelho trouxe ao Brasil, segundo relatório, confiança, fé, esperança, mudas de cana-de-açúcar, algodão e coco. Em sua cabeça havia canaviais já formados, engenhos produzindo o açúcar e o futuro, algodoeiros branqueando o sol e o calor, os coqueirais, ao vento, bordando as futuras praias de Iracema, a virgem dos lábios de mel.
Um dia, assim se conta, Duarte Coelho subiu num rochedo, avistou o azul do mar brasileiro, as praias, as índias suspirando pelo dia que morava nos fundos de um rio; o conquistador explodiu-se de encantamento e gritou: – Ó linda! Ó linda! Assim nasceu Olinda, filha de um olhar e do encanto. Os acontecimentos foram sendo gerados, como roda viva, em nome das necessidades de cada momento. Dessa forma surgiu a Vila de São Cosme e Damião, hoje chamada Igarassu; da mesma maneira, levantaram a igreja de São Cosme e Damião; os engenhos surgiram no calor do pensamento, o açúcar foi soprado pelo vento, a cachaça emergiu do medo da morte, da tortura, do sofrimento e o coco conquistou as praias, o verde azulado dos oceanos, os gemidos apaixonados de Peri e Ceci, as cozinhas que temperavam sonhos, crença, fé, sabor, arte e cultura.
Um pedaço de lenda
Um dia, não registrado pelos historiadores, vários cocos libertaram-se dos coqueiros, tombaram-se no areal branco e, na chegada da noite, a grande mãe de todos, rolaram-se de encontro as ondas do mar. Navegando sobre a movimentação das águas foram, aos poucos, distribuindo-se por várias praias, por novas paisagens, perfurando a areia branca como se um útero fosse e os coqueirais repintaram todas as praias, enfeitaram as ondas do mar, as montanhas cravadas num suspiro de nuvens; na madrugada, anunciadora de um novo dia, os cocos invadiram as cozinhas do nordeste do Brasil, as cordas do violão de Dorival Caymmi, a cabeça literária de Jorge Amado.
III – Senzala
A fazenda, a casa grande, as oficinas de trabalhos manuais exercidos pelos alfaiates, artesãos em couro, costureira, marceneiros, pedreiros e nos fundos, as senzalas, um mundo controlado, silencioso, carregado de mistérios.
Ao despertar da manhã, o sino pregado num dos madeirames da casa, anuncia o início de uma nova jornada de trabalho. As portas estreitas das casinhas da senzala vão se abrindo num ritual quase mecânico, os negros, em fila, aproximam-se do barracão de alimentação. Recebem uma cuia com mingau, farinha, um pedaço de carne e uma fruta. Após a refeição, sempre em fila, dirigem-se as lavouras, sob o comando dos chicotes e dos feitores. A jornada de trabalho desgastante, o sol a pino, o suor molhando o corpo e a terra. No princípio da noite, retornam a casa grande para a última refeição do dia.
Na senzala, noite funda e estrelada, os tambores despertam o sono, o canto vem da Serra da Leoa, na África; o ritmo vem das rachaduras do solo africano, a letra nasce no encontro dos grandes rios, local de reunião da vida, dos elefantes, das zebras, das leoas, das girafas. A dança pela beleza, rapidez dos movimentos escondem os pés dos bailarinos. Dança, canto, suor, tambor, batidas lindas e desesperadas, o cheiro bom vem da cozinha, local de receitas primitivas do povo da mãe África. Negros fortes, marcados pela violência dos chicotes, com uma tora de madeira afiada racham um pilha de cocos e o som do berimbau anuncia uma nova realidade, o nascimento de um pais moldado pela cultura de vários povos, pelos costumes de vários povos, pela cozinha sem fronteiras, solta nas linhas do horizonte.
Receita:
Cocada de forno
Ingredientes:
3 xícaras (chá) cheias de açúcar cristal (600 gr); 3 xícaras (chá) cheias de coco fresco ralado (300 gr); 1 colher (sopa) de margarina; 2 ovos levemente batidos; um vidro de leite de coco (200 ml).
Modo de fazer:
Misture bem os ingredientes e despeje em refratário sem untar. Leve ao forno médio preaquecido (180 C) por aproximadamente 40 minutos ou até dourar.
Sugestão: você pode servir quente com sorvete de creme ou frio com calda de maracujá.
Por Adriana Padoan