I – Deslocamento
O mundo acordou no horário de sempre, seguindo o ritual de todos os dias. Nada estava fora do lugar, até as formigas saúvas carregavam folhas tenras e saborosas nas costas, levando-as em seus lares cavados no interior da terra.
Na entrada do ano de 1800, alguns homens nomeados de cientistas, não satisfeitos com a disposição dos objetos no mundo, pensaram na possibilidade de transportar imagens de um lugar para outro, sem perguntar ou questionar as pessoas se verdadeiramente tinham interesse no deslocamento de ilustrações ou figuras.
II – Milagre
Em 1817, um cientista baixinho, feio, chato descobriu o selênio, um elemento químico que recebeu o número 34. Uma das capacidades desse novo ingrediente químico era a sua possibilidade de transformar energia luminosa em energia elétrica. O selênio é mágico, um grande artista que passou a frequentar o famoso circo da ciência, com seus palhaços, malabaristas, trapezistas, e desfile de cavalos amestrados.
III – Transporte visual
O estudioso escocês John Baird, motivado e apaixonado por tudo que era novo, conseguiu transmitir algumas imagens de um ponto a outro. A coruja Mariel, ao presenciar a projeção de uma imagem em outro espaço caiu do seu mourão, ficando muda por 22 dias. Após os primeiros estudos e muito trabalho, Baird apresentou seu aparelho transmissor de imagens, a um grupo de cientistas, no ano de 1926, reunidos em Londres. Em 1927, o cientista Philo Farnswarth estabeleceu a forma de televisão que temos nos dias atuais, uma telinha que registra até o pensamento.
IV – Casa, TV, Vida
A televisão conseguiu nos mostrar o mundo inteiro ao vivo. O nosso planeta, entra através da telinha em todos os lares desfilando seus amores, seus ódios, seus conflitos, seus pensamentos de paz.
Os fatos acontecidos, no chamado mundo, caminham diante de nós como crianças indo em direção à escola. Mais da metade da população, aglutinada ao nada, não encontram nexo nem explicação diante das cenas que estão assistindo.
O planeta surge completamente nu na telinha de TV. De uma banda estridente, surgem o desenvolvimento, os gritos do saber, os delírios alucinados das ciências, os berros dos avanços tecnológicos, os brilhos dourados da riqueza. De outra banda o choro da pobreza, a escuridão sem fim da ignorância, os gemidos injustificáveis da miséria e o silêncio das exibições descoloridas.
O velho sozinho, sem amigos, tem a TV como sua companheira. O operário cansado, depois de um dia de trabalho na indústria, junto à família, a TV preenche o vazio deixado por uma esperança que não veio. Por outro lado, para a maioria das pessoas a TV supre as necessidades de fuga das perseguições, das necessidades do cotidiano, monstros perseguidores dos passivos.
V – O contraste
Às vezes os problemas do dia-a-dia são minimizados pela diversão televisiva calcada, apoiada, preocupada com modelos comerciais.
A televisão vende tudo.
Vende roupa,
Alimentos, também vende.
Coloca nos sonhos os produtos para beleza.
Fé pura aos crentes
Sorvete de sete cores.
Ela nos ensina a nos vestir, falar, andar, cantar, chorar, sonhar com Booner, com a Anitta, com as novelas, com a crocância dos sucrilhos. Ela dita moda, a direção das ideias, regras de comportamento, o melhor candidato para síndico do Brasil, comprar o carnê de um baú morto.
VI – Rede de Intrigas – filme
O filme estreou nos cinemas em 1976, procurando mostrar ao mundo a psique e os absurdos que acontecem nos organismos internos de um canal de televisão. A temática que impulsiona o enredo vem do respirar tortuoso da década anterior. A Guerra do Vietnã, um conflito exemplificador da bestialidade humana, está presente no contexto narrativo; o Escândalo de Watergate, momento em que a política senta-se na sarjeta de uma rua, chorando de vergonha de si mesmo; a Estagnação Econômica rondando os homens e distribuindo a fome e o medo; a Crise do Petróleo, um pedaço de tempo em que os tanques de gasolina dos carros, carrinhos, carrões, choraram de sede e de saudade de um posto de abastecimento.
O filme foi dirigido por Sidney Lumet, com roteiro de Paddy Chayefsky, centrando sua visão nos bastidores dos programas de televisão e seu foco central que é o lucro. O grande enigma que envolve os minutos e os segundos de uma rede de TV, abarca a forma como o lucro é obtido e quem paga o preço final do produto pronto, ou seja, quem tira o dinheiro do bolso é o telespectador, um ser quase sempre alienado, e com toda certeza, ele não sabe disso.
Os conflitos narrativos se iniciam quando o ancora de TV, Howard Beale, representado por Peter Finch, é demitido de sua função por conta da baixa audiência. A notícia da demissão é transmitida por seu chefe e amigo pessoal Max Schumacher, interpretado por Willian Holden.
Nos Estados Unidos, país de múltiplas definições, existe um costume que vem de séculos, ou seja, dar uma notícia ruim ou boa a alguém, num bar, num restaurante, diante de um famoso e forte drinque, acompanhado de vários assuntos, infinitos palavrões temperados com açúcar e sal. Dentro dessa linha de conduta Max e Beale vão tomar um drinque num bar classificado, mas sem letra específica:
Há mulheres lindas
Olhares perdidos por interesses
Um pianista tocando a música que vem e vai,
Sem destino
Foi nesse ambiente que Max notifica o ancora do jornal mais assistido pelo público da emissora, que fora demitido. O jornalista Beale dilata os olhos, esmurra o balcão, faz um comentário dolorido sobre a sua idade e grita que cometerá suicídio televisado, isto é, ao vivo, durante a programação onde atua no jornal do dia.
VII – O resultado
Os homens, as mulheres, as crianças, tem um pé amarrado nas mãos da história. Beale perdera a mulher no inverno passado. O casal não tivera filhos, sua vida era amarga e carregada pelo vento frio, que sacudia a sua janela ao anoitecer.
A televisão estava preparada ou se preparando para mais um dia de trabalho. Centenas de funcionários trombando-se nos corredores, nos salões, nas salas dos executivos, no cenário onde nascem e morrem os programas, embrulhados pelas suas próprias ideias.
Beale chegou para apresentar o programa jornalístico de todos os dias. A sua entrada vestia o corpo e a seriedade. O terno combinava com tudo que estava ausente do mundo. Entrou na sala de jornalismo, ajeitou-se, identificou a câmera, acertou o nó da gravata. Ao entrar no ar, com voz pausada, comunicou ao público que deixaria o jornal, mas que, no próximo programa, revestido da sua certeza, se suicidaria no ar; a sua morte diante de todos, fecharia um ciclo; não acreditava no fim das coisas e dos atos mas no renascimento representado pela morte; uma espécie de parada neste tempo e para esta vida.
Após o anúncio, com tanta certeza, a audiência do seu programa chegou ao topo das paradas de sucesso. As suas apresentações, um fenômeno, fazem a loucura dos avaliadores de audiência. Os grandes empresários, os diretores da emissora, os gerentes, produtores, programadores, recontratam-no.
VIII – A loucura da mídia
Ele não é um homem, um ancora, é o renascimento vivo e veloz penetrando nas pessoas. Em reuniões, que atravessam a madrugada, as xícaras de café, os copos de Whisky, os palavrões saindo de bocas partidas; a direção do canal televisivo, aproveitando a audiência, cria um novo programa com o seu nome.
Os telespectadores passam a amá-lo, confundem-no com um profeta, um doido proprietário do seu bordão “Estou louco como o diabo e não aguento mais isso”! A América acredita em suas palavras sem muito significado; a sua voz penetra na alma de cada cidadão que sente o coração bater, amar, lutar, morrer se necessário. A emissora abaixa a cabeça para o “The H. Howard Beale Show”:
Ele é a salvação da emissora.
Muitos chefões perderam seus postos.
Diretores são demitidos sem explicação.
Beale sai da rota, exagerando;
O “eu” do mundo e da vida no mesmo ser.
A imprensa marrom, com os olhos no capitalismo do entardecer tenta ajustar a figura de Beale a um marxismo sem PhD. O sensacionalismo, um tipo de molejo para elevar os níveis de audiência e de vendas para concorrer com Beale, lançam programas sobre assassinatos, violência, crimes sem explicação, intrigas sem fundamentos.
IX – O público
O neocapitalismo transforma a sociedade em mercadoria, em educação sem esforço aparente, a mídia parece uma linha de montagem. O filme mostra de forma clara, transparente a raiz do sensacionalismo, da venda de produtos presos em suas embalagens, a industrialização da cultura, os programas televisivos passam a ser um desejo mercadológico.
Faye Dunaway veste a roupa da metáfora que significa a vida, o caráter, a movimentação pela relação com o trabalho. A vida, o sexo, a ganância, os palavrões soltos aos olhos diante do nada. Os diálogos entre Robert Duvall e Faye Dunaway focalizam a vida dentro da emissora e o trabalho como dono da existência. O olhar dos dois, o silêncio e o plano para matar Beale, pois a sua audiência passava por uma queda.
No caminho da televisão e da sociedade americana, o casamento de Max está em crise. Como justifica o mundo e a esfera americana dos sentimentos, Max tem um caso com a fria, calculista, sedenta de poder vivido por Faye Dunaway.
O programa de Beale está no ar
Ele fala, grita, agita a nação.
A sua mensagem está num vaso,
Sem uma única flor.
Seu corpo levado pela sua voz
Tomba no chão sem ideias e sentimentos
Ele é apenas mais um morto
Por encomenda.
Na vida anunciada pela fama e poder
Tudo acontece num curto prazo.
RECEITA
JAMBALAYA COM CAMARÃO
Ingredientes:
Caldo: 600 ml de água; aparas do frango; 1 cenoura picada; 1 cebola em pedaços; 1 folha de louros; salsa a gosto
Jambalaya: Azeite a gosto; 400 g de frango; sal a gosto; 300 g de linguiça defumada picada; 200 g de camarão limpo; 1 cenoura picada; 1 cebola picada; 1 pimentão vermelho picado; 1 pimentão verde picado; 1 pimentão amarelo picado; 1 colher de café de tomilho; 1 colher de café de páprica; 1 colher de café de pimenta-do-reino; 1 colher de café de orégano; 2 tomates batidos; 2 dentes de alho picados; 400 g de arroz; cheiro-verde a gosto.
Modo de preparo:
Para o caldo: em uma panela, adicione a água, as aparas do frango, a cenoura, a cebola, o louro, a salsa e deixe cozinhar;
Para o jambalaya: em uma panela grande, cubra o fundo com azeite, adicione o frango, um pouco de sal e frite até dourar; adicione a linguiça, refogue um pouco, acrescente o camarão e deixe cozinhar até mudar de cor; adicione a cenoura, a cebola, os pimentões, os temperos, o tomate, misture e refogue mais um pouco; acrescente o alho, o arroz, misture e cubra com o caldo peneirado. Acerte o tempero, tampe a panela e deixe cozinhar em fogo baixo. Quando o arroz chegar no ponto, adicione o cheiro-verde, mexa tudo e sirva.
Por Adriana Padoan