Charles Chaplin participou da ceia de natal do ano de 1977. A família sentia o brilho que vinha do olhar do velho ator, músico, roteirista, escritor, diretor, produtor e nas horas vagas um sonhador que projetava um mundo mais justo e melhor.
A árvore de natal fora montada no lado direito da sala de jantar. Na árvore havia bolas coloridas, estrelas, trenós, renas, pássaros; um Carlitos com roupa de Papai Noel, roupa bem gasta, roupa de muitos natais. Os pacotes de presente enfileiravam-se aos pés do símbolo natalino.
A entrega dos presentes ocorreu num clima de festas, de contentamento, de paz, sob a música “City Lights”, trilha sonora do filme “Luizes da Cidade”. Após a troca de presentes, Chaplin caminhou até a janela, fixou seus olhos na imensidão das alturas. Havia estrelas, movimentos de alguns astros consolados; a lua brilhava os caminhos, os roteiros e as almas de homens, mulheres e crianças; movendo-se lentamente, despediu-se da parentalha; namorou alguns quadros revelados pelas paredes; jogou os olhos para dentro de si, caminhou em direção ao seu quarto, sabendo que mergulharia no universo dos sonhos, das recordações instaladas nas profundezas do seu espírito, momentos inesquecíveis gerados pela alma de Carlitos.
No quarto fechado dentro do silêncio cavado em seu peito, deitou-se na cama macia, amiga de um tempo sem medida. Ajeitou os travesseiros usando a mesma suavidade repartida pelos corpos das mulheres tão amadas. Respirou fundo, como os homens que marcaram um encontro nas esquinas do passado.
As memórias trouxeram-lhe a imagem de seu pai, Charles Spencer Chaplin; homem bonito, charmoso, elegante, vocalista, ator, bailarino. Atrás da imagem do pai havia uma garrafa de absinto e, dentro da garrafa o agito da losna, do anis, do funcho. A bebida, as noitadas levaram o pai a separar-se da mãe e em noite de chuva fina, falecer de cirrose hepática.
O rosto da mãe, mulher linda, ágil, cantora, atriz e bailarina. A sua presença lotava os teatros e casas de shows. Sua voz, segundo a crítica, esbarrava nos astros, nos cometas, nos corações dos desapontados diante da existência.
Antes de Charles Spencer, viveu centenas de amores ocorridos nas coxias do teatro, nas madrugadas desabitadas, na margem de rios movimentados pelas corredeiras. Esses amores e abandonos a transformaram numa mulher triste, desiludida, meio insegura. A separação dos pais de Chaplin, o final do casamento, a colocou em vários asilos para doentes mentais; morreu brincando e dançando para anjos, gnomos, fadas pequeninas do tamanho de uma unha.
Charles Chaplin, órfão, percorreu vários internatos, escolas para pobres, e nos finais de semana, apresentava-se em teatros musicais de rua.
O ano de 1913 chegara sem estardalhaços, Chaplin foi contratado para pontas em cinema; o quadro Mona lisa, roubado em 1911, fora encontrado pela polícia e, no cantinho de um estúdio, Chaplin deu a luz seu personagem Carlitos, um protótipo de milhares de homens do planeta. O tipo foi gerado no coração do espírito; vestia um fraque preto esgarçado, remendos coloridos, sapatos desgastados, furados, vários números maiores que o seus pés, um chapéu coco, uma bengalinha de bambu; andarilho, pobre, abandonado, sem família, dotado do espírito de fraternidade, humanidade desmedida, sensibilidade incomum; conhecedor das etiquetas sociais, do refinamento da nobreza, um cavalheiro. O conflito e contraste pertencentes à humanidade foram encaixados num só personagem.
Em 1914, um mundo real e caótico, entrou no clímax da violência e das ações animalescas, ao gerar a Primeira Guerra Mundial. O vagabundo criado pelo Chaplin atirou-se no caminho de um mundo em guerra, distribuindo o riso, a alegria, o prazer, entretenimento, alívio, coragem, fé, amor, paz e acima de tudo, procurando restabelecer o domínio da vida.
Chaplin usou o cinema, a comédia, como veículos para pensar, advertir, refletir, procurar entender o estar do homem no mundo.
No filme, “Em Busca do Ouro”, o vagabundo Carlitos está tentando a sorte na condição de garimpeiro no Alasca. A neve, a tempestade são as grandes presenças no filme. A luta pela sobrevivência abandona o viés acadêmico para abraçar a praticidade.
Em um jantar, onde os pratos a serem servidos eram salada de medo, caldo de ignorância, violência assada, desespero à moda da casa, o vagabundo coloca os minúsculos pães no ponto de dois garfos e, com as mãos numa ironia humilhante, mas brilhante e genial, executa a dança dos pés de pão. A cena, pela sua preciosidade, tornou-se imortal na história do cinema.
No mesmo filme, sem um caroço de feijão como alimento, o vagabundo, elegantemente, coloca um caldeirão no velho fogão. Coloca água, tempera elegantemente o líquido em aquecimento, coloca os cadarços na água aquecida, escorre, serve os cadarços como metaforicamente saboreasse uma bela macarronada, usando a elegância da elite degustando o prato.
A cena da macarronada de cadarços de sapato bombardeou a sandice de um mundo em guerra. Funcionou como tapa no rosto da humanidade violada e impotente.
Tantos anos depois, outro gênio chamado Walt Disney, fez uma releitura brilhante da cena do Spaguetti de cardaços de Chaplin. No filme “A Dama e o Vagabundo”, o vagabundo é um cachorro da raça Terrier, abandonado, apaixonado por uma cadela da raça Coocker, classe média alta.
Os dois cachorros estão diante de um prato de Spaghetii e, assim, colocam na boca a mesma vareta de macarrão, cada um em uma ponta e olhando-se apaixonadamente, vão chupando o macarrão até que as bocas se encontram, e o amor entra em seus corações rebocado de molho, tempero, azeite, delírio, febre, sonho que amarraram as suas vidas ao som das gôndolas venezianas.
As lembranças andaram, assim, divagando ao lado da espiritualidade de Chaplin. Um anjo entrou em seu quarto pelo telhado, a luz azulada caminhou em torno de sua cama. O anjo estendeu-lhe as mãos, sempre sorrindo e Chaplin e o anjo elevaram em direção ao mundo além das estrelas, onde segundo os entendidos, Chaplin atua todas as noites, no palco do destino, montado pelo Senhor. A sua partida aconteceu na noite de natal de 1977.
Receita
Macarrão a Italiana
Ingredientes:
½ k de macarrão; 1 lata de tomate pelado; 2 colheres de sopa de extrato de tomate; 1 cebola média; ½ xícara de manjericão fresco; 2 colheres de sopa de vinho brando seco; 2 dentes de alho; 1 fio de azeite de oliva; 1 pitada de pimenta do reino; 1 pitada de sal; queijo parmesão a gosto.
Modo de fazer:
Frite a cebola e o alho no fio de azeite. Junte os demais ingredientes e deixe apurar.
Depois de pronto o molho misturar no macarrão já cozido e polvilhar parmesão ralado.
Por Adriana Padoan