I – Quindim – primeira versão
O navio deslizava-se nas águas do mar, água salgada, azul, cheiro de aventura, de amor iniciado. No convés, queimados pelo sol, os marinheiros desejavam colocar os pés sobre a terra, sentir a segurança do chão. E o navio, obedecendo ao comando do capitão aportou na Costa do Marfim, oeste da África. Dançaram porquê havia música para dançar, venderam produtos do além porquê havia produtos para vender, compraram o que precisava ser comprado, ganharam beijos e abraços, abraçaram os corpos quentes da mulheres que sonhavam com o sol, comeram, pela primeira vez, um doce dourado que, tempos depois, receberia o nome de quindim. Apaixonaram-se pelo doce, lamberam-se de doce, colocaram o doce amarelo e a receita no bolso da alma e os levaram para Portugal entregando-os a vida monasterial.
II – O quindim no mosteiro – segunda versão
O sol nasceu, passou as mãos nas paredes do Convento de Leiria, Portugal, terra onde se passa “O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queiros”. O mesmo sol cumprimentou as paredes e os jardins: “bom dia minhas paredes, bom dia meus jardins”! As paredes e os jardins responderam: “bom dia, irmão sol, bom dia, como todos os nossos dias”.
No interior do convento as freirinhas quebravam dúzias e dúzias de ovos, separavam as claras das gemas, depois deste gesto, passaram os olhos na pilha de roupa para engomar, os ferros de passar avermelhavam-se em brasas, as claras temperadas com águas da fonte eram espalhadas nas golas, punhos, corpo dos trajes de gala. E o árduo trabalho recomeçava, os ferros acesos percorriam os tecidos, iam e vinham com uma velocidade visível, o canto e as orações caminhavam pelos corredores adormecidos do convento.
Na cozinha, uma das freirinhas, embebida pela fé, concentrava o olhar em direção a um tacho de bronze cheio de gemas de ovo, mas sem nenhuma finalidade.
A religiosa pensou, pensou e, como um milagre, viu o açúcar caindo sobre as gemas, viu uma boa porção de amêndoas moídas serem misturadas ao açúcar e ao amarelo vivo do ovo; essa mistura banhada pela beleza foi colocada em dezenas de forminhas de ferro e, apressadamente entraram pela boca do forno. O resultado dessa imaginação milagrosa foi o doce chamado de Brisa-de-Lis.
III – Senzala – terceira versão
A casa grande procurava dormir e entender as labutas ocorridas no calor do dia. Os engenhos acarinhava o açúcar branco, o mascavo, a aguardente produzidos durante a trabalheira e as horas vividas. Na senzala, as Iaiás, meninas escravas tentavam fazer o doce Brisa-de-Lis, doce danado de bom. As gemas de ovo havia, estavam nos ninhos das galinhas poedeiras, o açúcar existia aos montes, mas as amêndoas pertenciam a um mundo distante.
No delírio que envolve o coração e as ideias, os pés das Iaiás sacudiram a poeira do chão. Deram de dançar um ritmo africano chamado semba, ou seja, contorcer o corpo, dar umbigada, dialogar com a terra. Na quentura do corpo em movimento, surgiu o pensamento mágico: substituir a amêndoa pelo coco ralado. O nome Brisa-de-Lis, por um processo de acomodação, vestiu a fantasia do jeitinho brasileiro de ser, recebeu o nome de quindim, significando um carinho, um afago da terra do sol, um cafuné da senzala.
IV – E a arte pensa:
O poeta Vinicius de Moraes, quando tomava banho em sua banheira, colocava um quindim ao lado, para lembrar-se da pele das mulheres amadas ao longo da vida. Dona Flor e Seus Dois Maridos, mais o poeta e escritor Jorge Amado ensinaram como fazer um quindim cheio de amor, dengo, desejo e satisfação. Ari Barroso lembrou-se do quindim de Iaiá, doce cheio de simplicidade e exotismo, em uma de suas canções. O Pato Donald, no filme “Você já foi a Bahia”, de Walt Disney, ao lado no nosso Zé Carioca, canta a docilidade do quindim… e, assim, em nome do carinho, do dengo, do cafuné…vamos a receita do tal do quindim.
Quindim
Ingredientes:
12 gemas sem pele; 500 g de açúcar; 2 colheres de sopa de margarina; 200 ml de leite de coco; 200 g de coco ralado seco; margarina para untar a forminha e açúcar para salpicar.
Modo de fazer:
1- Numa tigela coloque o açúcar e a margarina;
2- Misture bem e em seguida adiciona as gemas peneiradas;
3- Continue misturando com ajuda de um fouet;
4- Acrescente o leite de coco e o coco ralado;
5- Misture tudo até que fique bem homogêneo;
6- Despeje essa mistura em forminhas untadas com margarina e polvilhada com açúcar;
7- Leve para assar em formo baixo, pré-aquecido, em banho Maria por cerca de 30 minutos;
8- Espere amornar para desenformar.
Por Adriana Padoan