O criador de Patópolis
Carl Barks nasceu numa fazenda no Oregon. Os seus pais trabalhavam a terra, criavam gado e pequenos animais. Ao lado da casa central da fazenda havia um lago, águas azuladas, sempre agitadas pelos saltos dos peixes; nessa circunferência aquática havia centenas de patos e marrecos.
A fazenda não possuía vizinhos, vilarejos, local de encontro e confraternização. A escola mais próxima ficava a 3 km; a igreja abria aos domingos e feriados, os pastores não eram fixos, eram escalados de acordo com a necessidade, e a voz de Deus não era constante. O armazém do judeu Elias atendia toda a região, não havia barracão para festas, bailes, comemorações familiares.
A infância
A infância de Carl Barks brincou com a solidão, silêncio, paisagens que desapareciam no além do infinito. Ele corria, fazia carrinhos com legumes, imaginava amigos que estavam em todos os lugares e, na maioria das vezes, em espaços inexistentes. Procurando descer o tempo até ao chão, desenhava pássaros, patos, flores, milharais de se perder no distante que o sol nem alcança.
A sua sala de aula restringia-se a uma dezena de alunos. Os assuntos ligavam-se aos acontecimentos da região que foram esquecidos, uma vez ou outra, pela invasão da imaginação, de possíveis histórias ocorridas além das montanhas e das brisas que rumavam para o norte.
A adolescência
Na sua adolescência e juventude, após a morte da mãe, partiu de sua casa, de seu universo restrito, na tentativa de encontrar-se com o mundo em movimento. Nas cidades que o trem passava Barks descia na estação, tomava um café, andava pelas ruas, pontos comerciais, a procura de emprego. Na Califórnia, em uma cidade de porte médio, trabalhou em uma pequena editora. Sentiu o cheiro do papel, da tinta, viu o nascimento dos livros.
Nas noites sem referências precisas, sentindo ausência de compromissos pensou em organizar os desenhos, atividade vinda de uma infância parada na sombra de velhas árvores.
Patópolis
No início da reflexão que lhe percorria o corpo, movimentando-se em direção as suas mãos, projetou uma cidade chamada Patópolis, o maior município de Calisota, não existia prefeito, governador, vereador. A bandeira da cidade era verde e, no centro, apresentava um pato branco com penas de sábio. Há muitos anos, no centro da cidade existia o famoso “Forte Gansópolis”. Patópolis tinha um comércio comum, bancos, bares, lojas, fábricas e lindas histórias de amor.
Os moradores
Na casa branca, com cercado azul, um pequeno jardim, morava o Pato Donald, protótipo de milhões de cidadãos americanos. Ele era amigo de Mickey, um ratinho que o apoiava e, na maioria dos dias, o colocava em confusão. O Pato Donald nasceu trazendo, dentro de si, o ímpeto, não conseguia se conter diante de situações complicadas, brigava, berrava, torcia o bico, soltando a sua voz que era a única na vastidão da metagaláxia dos patos. Embora não conseguisse manter-se num trabalho por muito tempo, considerava-se um pato meio azarado, no entanto, com três sobrinhos, Huguinho, Luizinho e Zezinho. A sua namorada, complemento dos seus dias chamava-se Margarida, um exemplo acabado, lapidado de centenas de americanas.
Tio Patinhas iniciou sua vida como engraxate, profissão que lhe deu a moedinha número 1. Era um milionário sem formação acadêmica, porém, a sua imagem modelava o chamado “Sonho Americano”, os vencedores que partiram da realidade, sustentaram sonhos e, controlando as mensurações entre os dois estágios da vida, venceram os obstáculos, os desvios, as montanhas possíveis de serem escaladas.
O Gastão, homem de sorte e apaixonado por Margarida, envolvendo grande parte dos amores do povo que vive a Odisséia dos States. Os irmãos metralhas, bandidos sem inteligência, imaginação, seres conhecidos por uma numeração burocrática estampada em seus uniformes.
Ainda dentro de uma bolha soprada por um tubo de mamoeiro, o Professor Pardal, gênio da ciência disputava o seu saber com Maga Patológica, uma bruxa que viveu todos os tempos, o presente e o passado, gerenciando os seus feitiços, os filtros encantados, a dança dos gatos pretos.
Barks e a Disney
No ano de 1935, na madrugada dos insones e irracionais, um baixinho chamado Hitler assinou a Lei da Cidadania do Reich e a Lei de Proteção do Sangue e Honra Alemã. Nos Estados Unidos, Carl Barks assinava contrato como desenhista dos Estúdios Disney e, para não ir sozinho, levou consigo os personagens nascidos entre uma batida do coração, uma pausa para a imaginação e a criatividade gerando corpos, caráter, personalidade e, aos olhos assustados de todos, os seus patos invadiram o Castelo de Cinderela.
O filme “Você já foi a Bahia”
A criação do personagem Zé Carioca, pela Disney, aconteceu no balcão do restaurante do Copacabana Hotel, no ano de 1941. O azul do mar, a movimentação arrastada pela orla que circunda a praia, as cores tingindo a extensão do olhar. A preocupação americana em estimular o crescimento das relações comerciais com o Brasil, afastando dessa forma, a possibilidade de penetração da Alemanha na América Latina, durante os tempos de guerra, criou o papagaio representante do malandro brasileiro.
Zé Carioca, formado pela história da colonização, do andar cadenciado do índio, pela descontração do escravo liberto, agindo sem o compromisso com a obediência, aproximou-se da ginga, da malandragem, do samba, do luar despencando pelo casario do morro.
O roteiro do filme
A proposta do roteiro procura manter a busca pelo bom relacionamento entre os Estados Unidos e a América Latina durante a Segunda Guerra Mundial. É, por meio do cinema e dos personagens da Disney que se procurou construir uma política da boa vizinhança.
O aniversário
O Pato Donald recebe uma grande caixa no dia do seu aniversário. O mistério, a curiosidade, a preocupação, ocupam a sala da casa do Pato mais conhecido no mundo. Dentro da caixa, sem muita precisão, havia três presentes distintos. O primeiro presente era um projetor de cinema, contendo um filme sobre a América do Sul. O segundo presente era um livro sobre o Brasil, um livro mágico que, em uma fração de segundos, transportavam o Pato, ao lado do Zé Carioca à Bahia do Bonfim e de Jorge Amado. O terceiro, uma espécie de mala, estava o personagem Ponchito, mexicano, amigo de Donald e Zé Carioca.
As aventuras
Os três amigos vivem, no início, o contato com as aves raras do Brasil. No desenrolar dessa apresentação convivem com a história do único pinguim friorento, que não suportava o gelo, curtindo as delícias do clima tropical. Ao lado dessa aventura conhecem o Burrico Voador, um jumbo das américas ou um piloto pronto para o combate.
Bahia de Gabriela
Na Bahia, além do mar e sua mitologia, conhecem a música, os terreiros, e Aurora Miranda, irmã de Carmen Miranda dançando e cantando, acompanhada de vários músicos, pelas ruas da cidade e pontos turísticos. A ação imediata está no despertar da paixão, uma força contagiante, que amarra o Pato Donald e Zé Carioca nos encantos de Aurora. Eles disputam cada beijo, cada suspiro da cantora e o Pato Americano empurra, grita, quer demonstrar a grandeza de sua personalidade representativa de um povo conquistador. Zé Carioca, usando a sua malandragem, fala da Bahia, do povo, do molejo criativo que encanta.
Realizando um esforço muito grande, a Disney luta para traduzir, vertendo para a língua inglesa, a suavidade da música de Dorival Caymmi “Você já foi a Bahia”. É uma tarefa quase impossível e, ao lado do musical, a dança apresenta momentos retirados do sonho e do tempo. Passeando pelos recantos de Salvador, as imagens dos casarões parecem sombras descoladas da música “Na baixa do sapateiro”, de Ary Barroso, numa tentativa de tradução para o inglês.
No percurso que procura revelar a beleza que envolve a Bahia, Pato Donald interage com Aurora que dança e canta “Os quindins de YaYa”, distribuindo os doces ao povo que acompanha o ritmo que vem de noites e dos acontecimentos inexplicáveis da história.
A roupa de Aurora Miranda movimentando-se em seu corpo, vem do candomblé; a sensualidade nasceu antes das lutas pelo cacau e o Pato Donald, mesmo irritado, apresenta um pedaço da américa ao mundo, concluindo, dessa forma, o projeto político do presidente Roosevelt de aproximação e união entre os povos americanos.
RECEITA
BOBÓ DE CAMARÃO
Ingredientes: 400 g de aipim (mandioca) já cozido; 1 xícara (chá) da água do cozimento da mandioca (200 ml); 1 colher (sopa) de manteiga sem sal; 1 cebola pequena picada; 2 dentes de alho picados; 2 tomates pequenos, sem pele e sem sementes picados; meio pimentão vermelho médio picado; 500 g de camarões médios limpos; 1 pitada de sal; 1 colher (sopa) de azeite-de-dendê; 4 colheres (sopa) de leite de coco (60 ml); coentro a gosto; pimenta a gosto.
Modo de preparo: No copo do liquidificador, coloque o aipim e a água do cozimento, e bata, aos poucos até obter um purê. Reserve. Em uma panela grande, derreta a manteiga em fogo alto, junte a cebola e o alho, e refogue por 3 minutos, ou até começar a dourar. Acrescente o tomate e o pimentão, e cozinhe por mais 5 minutos, em fogo baixo, ou até que comecem a desmanchar. Adicione os camarões, o coentro, a pimenta e o sal. Deixe cozinhar, em fogo baixo, com a panela tampada, por 5 minutos. Junte o azeite-de-dendê, o leite de coco e o purê de aipim reservado, e deixe cozinhar por mais 5 minutos, em fogo baixo, mexendo de vez em quando, para que não grude no fundo da panela. Retire do fogo e sirva em seguida.
Por Adriana Padoan