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sexta-feira 15 novembro 2024
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Comilanças Históricas e Atuais – O que é ser belo ou feio

I – Aos meus leitores
Assisti ao filme “A Bela e a Fera” da Disney. A profundidade do tema levou-me a buscar a origem dessa história. Encontrei-a na oralidade, nas histórias contadas de boca a boca, na beirada do fogo, ao sabor de um pedaço de rocambole; na literatura, na criação das lendas infantis, na mitologia, no interior de cada um de nós. Assim, em respeito aos que leem o meu texto, dividi o conteúdo em duas partes. Nessa semana mostrarei o nascimento da lenda e, na próxima, trataremos da Bela e a Fera no cinema.

II – La Rochelle
A pequena cidade de La Rochelle, próxima a Paris, nasceu muito feliz naquela manhã de sol. As praias pentearam os cabelos das ondas, a vila de pescadores dançou com a Deusa dos mares e dos rios, o porto lembrou-se da passagem dos templários pela cidade; o vinho coloriu-se ao escolher um dos tons do vermelho. Essa alegria toda aconteceu porque numa casa simples nasceu a menina Gabrielle – Suzane Barbol de Vilheneuve. Menina bonita, forte, e possuidora de um olhar comprometido com o mundo.

III – Infância e vida
A infância de Gabrielle transcorreu nos bosques cheios de personagens misteriosos. A sua escola escreveu e a ensinou a representar, em palavras, as dores e alegrias inseridas num corpo de giz branco. Na infância, tempo de rosas vermelhas, aprendeu a sonhar, a imaginar, criar seres que habitavam um mundo dentro de uma bola de sabão.

IV – Mulher – juventude
Na juventude, não sendo caso único, relacionou-se com pessoas fúteis, enganadoras, vazias, nulas, mas todos de alguma forma a machucaram. Casou-se com um militar, aristocrata, apaixonado pela noite, bebidas, mulheres, gastos. Teve uma filha e enviuvou-se. Partiu para Paris, abandonando a cidade dos seus dias e memórias coloridas a procura de um espaço que fosse o centro cultural do mundo. Aos quarenta anos, para sobreviver e cuidar da filha começou a escrever histórias de mulheres tristes, solitárias, abandonadas nas beiradas dos caminhos. Em 1740, em uma noite riscada por raios destemidos começou a escrever um romance de 200 páginas, chamado “A Bela e a Fera”; as estrelas do céu sentiram que o momento de renovação havia chegado.

V – A Bela e a Fera
Esse romance foi escrito para o martirizado público feminino; o seu texto chegou, também, até o público infantil, pois a história vivia nos afazeres das fadas, das bruxas, do universo invisível, mas existente.

A história preencheu o circulo das lendas. E, por isso, era uma vez um príncipe muito jovem. A morte de seu pai, ser amado, se deu na infância. O seu viver, por pouco não se desfez. A rainha, sua mãe, partiu para uma guerra, em defesa do seu reino. As suas obrigações de rainha a fizeram deixar o filho com uma fada má, egoísta, dominada por sentimentos fechados dentro de sua perversidade.

À medida que o príncipe crescia, a fada tentava seduzi-lo. Mostrava o riso, o corpo, os lábios, os seios, mas o príncipe recusava as tentativas de conquista sensual. Ela sentiu raiva, abandono, constrangimento, repúdio. Revoltada, ela lançou no jovem príncipe uma maldição, transformando-o numa fera, animal indomável, selvagem, habitando um castelo abandonado.

Na cidade havia um comerciante que tinha três filhas invejosas e, a quarta filha, era uma menina humilde, gentil, generosa, adorava leitura, era a única que lia na cidade, chamada de Bela. Um dia, o pai viajou a negócios e, por força do destino, entrou no castelo da Fera roubando-lhe uma rosa como presente para a filha Bela. O monstro o prendeu, pelo crime de roubar uma rosa de seu precioso jardim. Bela, pela sua bondade entregou-se a Fera para substituir o pai em seu cativeiro.

Em seu contato diário com a Fera, mesmo sendo prisioneira, cativou a besta selvagem. Deu-lhe liberdade para expressar seus sentimentos e emoções, um conheceu o outro, por dentro do silêncio adormecido, o que resultou na transformação da Fera em príncipe, e o amor, a valorização da pessoa como ela é tornaram-se a mola mestra do conto. A mãe do príncipe, no entanto, foi o grande obstáculo à realização do amor dos dois, pois Bela era uma plebeia, mas, como acontece no reino das fadas, o passado de Bela teve sua origem na nobreza, assim, a sogra foi encurralada em seu mundo vazio e sem significados.

VI – A imaginação criativa de Madame de Villeneuve
A Bela e a Fera, mesmo sendo escrito em 1740, em pleno século XVII, apresenta-nos o castelo da Fera como um espaço onde acontece uma fusão do passado com o futuro, acelerando a evolução humana em milhares de anos.

Existe num dos cômodos do palácio um baú que é, inteligentemente a residência do infinito, ou seja, uma ruptura com o tempo e o espaço possibilitando, de forma natural, a realização de viagens pelo passado e futuro. Os animais atuam como companheiros e fazem serviços para Bela. Na sala existem vários espelhos, moldados à refração da luz, onde Bela pode assistir óperas, teatro, em qualquer época. Em seu conto infantil, também destinado ao público feminino, ela antecipou a televisão, a internet, e deixou as bases para filmes como “Jornada nas Estrelas”.

Em seu livro, que encantou o mundo, e o levou a conviver com os dramas da Bela e da Fera, há um capítulo que revolucionariamente, notificam que os pais de Bela casaram-se na Ilha da Bem-Aventurada, onde a liberdade e o amor navegavam por todos os corações, o que permitia que cada um casasse com quem quisesse, respeitando e aceitando o outro ou a outra do jeito que realmente eram. O conto, mesmo sendo uma fábula infantil propõe uma revolução contra os casamentos impostos pelos pais, ou seja, a realização de um enlace onde o amor e o sentimento nada significavam; os pais entregavam seus filhos para as mãos cruéis do status, dos mergulhos na sociedade dos nobres e poderosos.

VII – A origem
A temática de “A Bela e a Fera” nasceu na Grécia antiga, no exato momento que a mitologia brotou no chão do Monte Olimpo, a morada dos deuses e das deusas. Depois do seu despertar iluminado desceu para as ruas de Atenas; entrou no corpo dos filósofos, dos poetas, do homem comum, caminhando em direção ao tempo eterno, apontando o caminho vivo para a passagem e evolução da humanidade.

O embrião da “Bela e a Fera” está no nascimento da menina chamada Psiqué. Ela era linda, gentil, inteligente, humilde embora tivesse irmãs invejosas e insatisfeitas com a vida. A sua beleza incomodou a deusa Afrodite, símbolo da beleza e do amor. O incomodo tornou-se ódio, revolta e medo. Afrodite casou Psiqué com um monstro horrível, tirando-a do seu caminho. Ela conviveu com a Fera, que não lhe permitia ver o seu rosto. Psiqué apaixona-se pelo seu caráter, não pela beleza que a Fera não possuía. Séculos depois, num consultório médico Freud encontrou-se com Psiqué, com a Fera externa, com o deus Eros que também se apaixonara pela bela e linda Psiqué, concorrente de Afrodite, sua mãe. Freud tentou entender os motivos profundos da história mitológica e, antes que o dia nascesse descobriu a psicanálise e o mundo nunca mais foi o mesmo. Da mesma forma, Gabrielle abriu a sua janela, viu a sombra de Psiqué e as ideias de uma Bela e uma Fera começaram a nascer.

Os contos e as lendas sempre povoaram o mundo dos homens, mulheres e crianças. Na Idade Média da Escandinávia, numa noite repleta de estrelas curiosas aconteceu um eclipse que marcou a imaginação dos contadores de história. A lua encontrou-se com o sol e sua sombra projetou-se na Terra, e o amor exemplificou a sua existência. A partir desse fenômeno, os poetas passaram a contar uma fábula que diz o seguinte: “Em todas as noites que vem do leste e oeste, do sol e da lua, uma jovem linda e formosa, deita-se com um urso brando e a história da Bela e da Fera renasce dentro dos sonhos interpretados pelos psicanalistas e pela própria existência”.

No outro lado da linha do horizonte havia um jovem Belo, orgulhoso, dono do seu mundo e da sua imagem. Esse homem chamado Narciso, vivia e criava os seus próprios encantamentos. A ninfa chamada Eco, numa manhã tecida por um arco-íres apaixonou-se por ele. No entanto, por descuido ou vaidade Narciso viu a sua imagem no espelho e o amor nasceu embalado pela sua própria imagem refletida.

Nunca mais parou de contempla-la até morrer. Assim, a beleza e a feiura, seres galopantes do universo, ocupam os seus lugares na história, na vida e na lenda, como mostrou Gabrielle.

Receita
Rocambole de doce de leite

Ingredientes: 3 colheres de sopa de margarina; 3 ovos; 1 copo ou xícara de farinha de trigo; 1 copo ou xícara de açúcar; 1 colher de sopa de fermento em pó
Recheio e acabamento: 1 lata de leite condensado; 1/2 xícara de açúcar; 1/4 xícara de canela em pó

Modo de fazer: Cozinhar a lata de leite condensado numa panela de pressão por aproximadamente 50 min; Bater no liquidificador os ovos, o açúcar, a manteiga, em seguida a farinha e o fermento; untar uma forma com bastante manteiga, colocar a massa batida na forma, e levar ao forno pré-aquecido por 5 a 8 minutos(não deixar a massa dourar); o leite condensado já deve estar cozido e frio; tirar a massa do forno e colocar sobre um pano molhado; espalhe o leite condensado(agora doce de leite) sobre a massa; enrole a massa com o doce de leite, e polvilhe açúcar e canela.

Aos meus leitores: O rocambole nasceu na Europa no tempo dos Imperadores. Frequentou a literatura, as lendas e as reuniões familiares. Era o doce preferido de Napoleão Bonaparte. No Brasil, no tempo da colonização entrou através dos engenhos de açúcar. Com o passar do tempo conquistou o paladar do povo brasileiro.

Por Adriana Padoan