I – O lançamento do filme “O Império do Sol”
Havia árvores floridas nas margens das estradas. Os sonhos estavam dentro dos carros; automóveis coloridos, pequenos e grandes, rápidos e velozes, e alguns desenfreados. Havia, também, os mais lentos, mais suaves, correndo ao som de músicas compostas nas frentes das lareiras; as línguas de fogo sonhando com o tempo inicial da humanidade, também estavam presentes, e, lá fora, a neve pintava as ruas de uma brancura sem significação simbólica ou linear. As lojas bebiam as pessoas que desesperadas corriam atrás das lembranças, dos presentes, da memória registrada nos caixas eletrônicos.
Num canto de uma loja de departamentos, encolhidinha dentro de um casaco azul escuro, uma jovem ouvia Elvis Presley, e a distância entre as épocas expunha os seus semblantes em galopes pelas planícies de cimento, de luminárias, de poesia caminhando sem destino certo. Essas situações todas, terrenas ou povoadas de galáxias sombrias ou dinâmicas, ocorreram no natal de 1987.
Nesse natal, considerando o outro lado da rua, existia um grande cinema. O prédio era sustentado por doze colunas gregas apontando para o céu. As luzes das árvores de natal iluminavam centenas de bolas coloridas, cada bola homenageava um filme que, nas andanças do tempo marcaram, de alguma forma, a indústria de cinema. Nessa noite, singular aos sentimentos de muitos cinéfilos, estenderam o famoso tapete vermelho ligando a entrada da sala de projeção ao palco, onde as emoções explodem como o sopro existencial.
As estrelas passeavam no infinito azulado, não se preocupando com as mensurações desenhadas por humanoides de várias espécies e classificações, a única preocupação latente estava no lançamento do filme “O Império do Sol”, do diretor e produtor Steven Spielberg. Os astros de “Encurralado” faziam as honras da casa; a sombra do “Tubarão” circulava o teto e os lustres, Indiana Jones enlaçava o chicote nos mais incautos; o E.T. tocava as rosas desmaiadas nos vasos espalhados pelo salão. O encanto dedilhava os temas que nortearam os grandes musicais. As luzes diminuíram a intensidade. O Grilo Falante abriu as cortinas, e o território dos sonhos anunciou o despertar necessário para a composição das mitologias cinematográficas.
II – O Império do Sol
O filme baseou-se num dos romances do escritor Ballord, um artista que desperta as palavras adormecidas, movimentando as lendas que moram no coração da lua, um trabalho difícil. A história gira em torno de um menino de 11 anos, chamado Jim. Uma criança que colabora para que a arte penetre na formação infantil, na ultrapassagem de todas as barreiras normais da existência, fator que permite que as etapas do desenvolvimento humano enfrentem o grito despertado nas esquinas, nos parques, nas praias, nas encruzilhadas que envolvem os momentos de fé, de desespero, de esperança e frustrações do longo drama humano, que nunca adormece.
Jim vive com os pais em uma cidade chinesa. Seus pais pertencem ao Serviço Diplomático Britânico. O menino possui uma cultura lapidada pelo poderio inglês; gosta de aviões como representantes aéreos das grades potências colonizadoras; pertence ao coro da igreja anglicana; canta a música que rompe as fronteiras representadas pelo poder econômico do império inglês. A sua bicicleta percorre o gramado sem princípio e sem fim, do palacete onde mora com a família. O piano faz parte do salão de visitas de sua residência palaciana; o esporte praticado pelo pai lança milhares de bolas na piscina projetada pela história que navega todos os mares, que ainda não foi narrada e nem faz parte do material didático do povo oprimido.
Os bailes de fantasia patrocinados pelo poder político inglês tiram Shakespeare dos palcos teatrais do século XVII, recolocando no roteiro histórico que não tem as lágrimas de Julieta; não tem os soluços profundos de Otelo, nem as dúvidas de Hamlet. No entanto, paralelo a esse universo, um homenzinho sonha a violência que nunca fora sonhada; faz discursos histéricos entrelaçados aos barris de cerveja, ao ódio brotado nas tabuletas dos armazéns judeus; aborta os filhos das mulheres que ainda não nasceram. Um cãozinho, sem cor definida, abandonado nas ruas sem sinais de limitação, late um nome embotado pela dor e pelo sofrimento: “Hitler, Hitler!”.
É esse instante desenhado com sangue, suor, muita lágrima que Spielberg, expõe na poesia decantada do “Império do Sol”.
O dia nascera nublado, perdido entre as sarjetas desfiguradas e as estradas que levam ao nada. O mar retirou suas ondas dos braços dos oceanos e os aviões japoneses sobrevoaram a cabeça do povo chinês.
O desespero invadiu a corporificação e as vidas das pessoas, milhões de seres humanos congestionaram o direito das caminhadas cotidianas. Os portos e os aeroportos cruzaram os braços para a razão, e a loucura foi explodindo cada pedaço do pequeno universo mostrado por uma câmera.
Nesse mundo desintegrado, Jim solta a mão de sua mãe procurando recuperar a miniatura de um avião. A mãe desaparece no tumulto provocado pelo lado silencioso da história.
Nesse trecho do filme o foco narrativo se inverte; o diretor não está preocupado com a guerra, com os campos de batalha, com os desfiles dos tanques, os gritos ensurdecedores das metralhadoras. Com milhares de corpos desfeitos pelas mãos da violência; a preocupação do cineasta se volta para o olhar inocente de uma criança, e o seu desenvolvimento dentro de um mundo contaminado pelo ódio que não sabe de onde veio.
Jim está só. Ele abraça a solidão retornando à mansão onde morara. Casa deserta, deteriorada. A piscina, coberta por folhas secas, simboliza a ruptura com a normalidade da vida. O mendigo com sua latinha batendo na calçada desaparecera, o mundo desintegrara-se.
A sobrevivência segura os seus braços, suas pernas levam-no a um campo de concentração. A sua inocência voa pelo espaço sem direção; a malandragem penetra em seu coração, o microcosmo dos agoniados se apropria dos seus sentimentos, o trambique, os negócios ilegais, a luta pelos alimentos, o choro que se embrulha em sua alma, o medo navegando sobre as águas da inexistência.
O seu corpo rasteja sobre a lama que norteia o desespero que procura embalar a vida; o seu amadurecimento acompanha o movimento do sol, o amiguinho japonês liberta-se da vida que não tinha sentido. O corpo da senhora Vitor entregando-se ao marido, uma lição que seus olhos colocam no limite da conscientização; a explosão nuclear subindo em direção ao céu e a tortura de sua psiquê banida do mundo dos homens, vendo a alma da senhora Vitor subindo em direção a Deus.
O êxtase vivido pelo menino, os seus pedaços espalhados pelas dobras dos caminhos, levam-no a um orfanato onde, na tela pintada por Spielberg, centenas de outras crianças perdidas desencontradas, esperam que os seus pais venham buscá-las, reconhecê-las, como o choro quente expelido pelas leis do eterno retorno. A mãe de Jim o reconhece; o seu olhar busca a distância entre a realidade e o sonho, ela o toca, a sombra da criança se perdera em algum lugar do passado; ele sente os cabelos da mãe e as canções de ninar penetram-lhe a alma; os lábios de sua mãe encontram os princípios de sua vida, e toda a psicanálise distribuída nos jardins floridos e, também despidos da sensibilidade que movem os seres humanos entram no interior de uma câmera cinematográfica, e o mendigo, batendo a sua latinha rompe com a verdade existente na calmaria dos oceanos.
E o Império, segurando os seus murmúrios continua e continuará dentro do sol.
Quando assisti ao filme
“O Império do Sol”
Senti a vida aproximando-se do meu olhar, dos meus sentidos,
Como a Ambrosia alimentando os filhos do sol, dos deuses,
Das noites sem fim.
Receita
AMBROSIA
Ingredientes: 12 gemas de ovos; 6 claras de ovos, 3 xícaras de água; 1 litro de leite (de preferência o integral); 800 gramas de açúcar refinados; 1 limão; 4 cravos.
Modo de fazer: Primeiro junte as 12 gemas com as 6 claras e o leite e misture ligeiramente com uma colher, depois passe em uma peneira e reserve; também esprema o limão e passe num coador para tirar as sementes e os gomos e reserve o suco em um copo separado. Em uma panela de fundo largo faça uma calda bem grossa com as 800 gramas de açúcar e as 3 xícaras de água, e quando esta estiver pronta vá acrescentando lentamente a mistura do leite e dos ovos misturando bem com uma colher de pau. Depois que a mistura dos ovos e do leite tiver se incorporado a calda acrescente o sumo do limão, mexa ligeiramente e deixe a mistura ferver sempre em fogo baixo; A partir desse momento você só pode sacudir a panela de vez e quando e quando for necessário mexer com uma espumadeira muito levemente para não desmanchar os grumos da ambrosia, que deve ferver em fogo baixo por cerca de uma hora, até ficar bem dourada, e os grumos se separarem da calda. Quando estiver quase pronto acrescente o cravo e deixe esfriar.
Dica: Use uma panela bem maior para a mistura não derramar uma vez que você não pode ficar mexendo na ambrosia todo tempo, só de vez em quando para não pegar no fundo e delicadamente. Se secar muito vá acrescentando pequenos goles de água; o suco do limão talha o leite e forma os grumos mais rapidamente e não deixa a ambrosia ficar doce demais; diminuir as claras, passar os ovos na peneira junto com o leite e misturar na calda tem o objetivo de evitar que a ambrosia fique com o gosto do ovo, portanto são processos muito importantes. A ambrosia deve ser guardada na geladeira, e você pode dobrar a receita e fazer maior quantidade de uma só vez.
Por Adriana Padoan