I – O sonho
Sonhei com uma feira de rua, na França, no século XII. Havia vendedores de frutas, de legumes, de animais, comidas feitas em tachos de cobre, tecidos de fios grossos para roupas, doces em potes de barro, queijos em pequenos barris. As pessoas conversavam, os comerciantes berravam, os pregões partiam das bocas, ganhando o ar pesado, agoniado.
Um enterro passou pela estrada lateral da feira; centenas e centenas de pessoas acompanhavam e compunham o cortejo; havia estudantes da Universidade de Notre Dame, professores, padres, freiras, camponeses; as lágrimas revelavam-se nos rostos dos alunos, do clero, das mulheres, dos homens e das crianças.
No meu sonho, em minha abstração profunda, acompanhei o ritual de sepultamento. As pessoas falavam frases que foram repetidas milhares de vezes em ocasiões semelhantes; outras, mesmo sentindo a alma pesada de emoção, tentavam murmurar uma música fúnebre perdida no tempo. Aos poucos, muito lentamente, descobri que o falecido chamava-se Abelardo, que morrera de madrugada; partira desse mundo pronunciando o nome de Heloisa e repetindo a palavra amor, amor, a…mor!.
II – O retorno
Acordei, na mesma noite, acomodada em minha rotina. Na rua indo para o meu trabalho, descobri que o Cine Palas estava apresentando o filme “Em nome de Deus”, sobre o amor vivido por Abelardo e Heloisa. À noite, sobre o céu estralado de Taubaté, comprei o ingresso para assistir ao filme que, talvez, explicasse o meu sonho.
III – Filme Abelardo
Pedro Abelardo era um homem bonito, culto, inteligente, amante da vida e dos mistérios que boiam as rasas águas do ato de viver. Era professor de filosofia, teologia, lógica, retórica, interpretação textual. Lecionava nas arcadas da Catedral de Notre Dame, em Paris, no século XII, em plena Idade Média. A igreja católica, naqueles tempos, dogmatizava que os professores de filosofia, lógica, teologia eram obrigados, em nome de Deus, a jurar e assumir a castidade, o celibato, como um timão que orienta os movimentos de um navio.
IV – Heloisa
Numa casa, destinada à elite social, morava o senhor Fulbert, um negociante de relíquias, destinadas a acalentar a fé do povo. Esse senhor, pertencente ao clero, vendia palha seca, embalada em caixas de madeira, vindas da manjedoura onde nascera Jesus. Fulbert era o tutor de uma sobrinha chamada Heloisa, moça de 16 anos, culta, viva, bela, inteligente; fora educada em convento francês estando, naquele instante, aos cuidados e proteção do tio.
V – O encontro
Na manhã de um dia qualquer, um menino foi atropelado na rua do comércio. Heloisa corre para socorre a criança. Abelardo, que passava pelo local, faz o mesmo. Os olhos de Abelardo encontram os olhos de Heloisa; a temperatura do corpo desanda, o aroma das flores campestre flutua pelo ar; estímulos explodem no corpo e na alma; a sensação de arrebatamento mareava sobre o fogo que arde, mas, inexplicavelmente, torna-se invisível.
VI – Filósofo e aluna
O tio de Heloisa, cumprindo o seu dever, contrata o professor Abelardo para completar a formação cultural da sobrinha, visando com essa atitude, casa-la com um homem rico, nobre, fidalgo. O filósofo Abelardo vivia os seus 37 anos de idade e Heloisa, 17 anos.
A mesa era longa, larga, de madeira maciça. Abelardo ocupava uma cadeira contendo o entalhe de uma águia sobrevoando os campos; Heloisa sentava-se em uma cadeira entalhada com o desenho de um beija-flor, seduzindo um lírio branco. Os dois, aluna e mestre, sentavam-se lado a lado, durante as aulas.
VII- O ensino
Abelardo falava sobre a origem dos homens; os seus dedos tocavam-se; comentava a existência do amor caminhando pelo mundo, o amor puro sedimentado na virtude; suas mãos se buscavam; do amor exalando alegria e eternidade; seus corpos tocavam-se suavemente; o amor imensurável, espécie de chave para a compreensão do mundo; e seus rostos se uniãm por segundos, o amor sendo direcionado a Deus, sem desejo de recompensa, sem o temor de um castigo, o amor entre o homem e a mulher, como a cicatriz indolor, mas sendo a marca dos escolhidos; e os lábios de Abelardo encontraram a boca sedenta de Heloisa.
VIII – O amor
Eles se amaram na proximidade da noite; entregaram-se, quando a estrela Sirius deitou-se no corpo da Via Láctea, ela sentiu que havia uma vida em seu interior, no exato instante em que Vênus saiu das águas de um mar desconhecido. Procurando justificar as consequências de seu amor, Abelardo e Heloisa casaram-se, no silêncio de uma das alas da Catedral de Notre Dame. Os sinos não badalaram sons conhecidos, as pombas não voaram sobre as torres, nenhuma criança sorriu alegria nem tristeza.
IX – Pensamentos – Perdas
O tio de Heloisa perdeu o lastro econômico e os títulos de nobreza que acompanhariam o casamento de Heloisa com um jovem rico; mesmo que esse jovem fosse formado pela estupidez, ignorância, grosseria. A igreja distanciou-se de um professor famoso, um professor que lhe dava um lucro imenso, e, ao mesmo tempo fora desrespeitada, humilhada, pois Pedro Abelardo rompera um de seus dogmas, a manutenção do celibato.
X – A Violência
Era noite, porque todas as calamidades covardes e irracionais acontecem no interior das sombras. Vários homens, contratados por Fulbert, invadiram o quarto de Abelardo. Agarraram-no e os gritos espalharam-se pelas ruas desertas; imobilizaram-no, despiram o seu corpo e o castraram; o aniquilamento vazou pelos pátios de Notre Dame, procurando à loucura, o tesouro, a fé, não encontrou nenhum vestígio da alucinação ideológica.
XI – O Destino
Heloisa deu a luz a um menino lindo, a quem deu no nome de Astrolábio, nome que representa a abobada celeste, movimentando-se. Por outro lado, o nome Astrolábio pode significar o instrumento que serviu para orientar a navegação e nesse caso, representa a origem do Renascimento e o velório da Idade Média com suas obscuridades e dogmas falsos e hipócritas. O filho de Abelardo e sua amada fora criado por uma irmã do filósofo. Heloisa entrou para o Convento de Santa Maria de Argenteuil, porém, o amor de Abelardo a acompanhou na reclusão.
Abelardo afastou-se do mundo, afastou-se do meio social, retornando-se para o mosteiro de Saint-Denis. No convento, na quietude do tempo, escreveu “Calamitatum”, a primeira obra autobiográfica publicada na Europa e, na mesma taciturnidade do tempo, manteve correspondência com Heloisa, transformando o amor em ensinamento, combustível da vida, pensamentos, palavras que norteiam o calor do fogo.
Em 1817, na tarde chuvosa como lágrimas escorridas, os restos mortais dos dois amantes foram levados para o cemitério de Padre Lachaese.
XI – O retorno à realidade
O filme terminou porque a história virou uma estrela. Sai do cinema como quem partiu do núcleo da vida; entrei numa cafeteria; pedi um cappuccino, lembrei-me do sorriso do professor e o brilho dos olhos da Heloisa, por uns breves segundos cheguei a ver Abelardo, na cozinha de sua casa, trançando as roscas brilhantes como uma luz, feliz, para alimentar os alunos e os pobres de Paris. Entrei em casa. Deitei-me na minha cama. Imaginei Abelardo, segurando a mão de Heloisa, ensinando os anjos, mensageiros de Deus. Respirei fundo… e dormi.
ROSCA DE MAÇA
Ingredientes: 30 gramas de fermento biológico fresco; 1 xícara (chá) de açúcar; 1 colher (sobremesa) de sal; 1 colher (sopa) de essência de baunilha; 2 ovos; 3 xícaras (chá) de leite morno; 2 colheres (sopa) de margarina; 1 quilo de farinha de trigo aproximadamente; 1 gema para pincelar.
Ingredientes do recheio: 4 maças sem cascas picadas; 1 xícara (chá) de uvas passas sem sementes; 1 lata de leite condensado; 1 colher (sobremesa) de canela em pó.
Ingredientes da cobertura: 1 xícara (chá) de açúcar de confeiteiro; 3 colheres de sopa de leite
Modo de fazer:
No liquidificador bata os ingredientes da massa, menos a farinha de trigo. Em uma tigela, coloque os ingredientes batidos e acrescente a farinha de trigo aos poucos, até desgrudar das mãos. Sove bem a massa e deixe crescer por vinte minutos ou até dobrarem de volume. Misture os ingredientes do recheio. Divida a massa em duas. Abra as massas com o rolo em superfície enfarinhada, espalhe o recheio em cada uma delas e enrole como rocambole. Corte em fatias grossas e coloque em duas formas de buraco no meio de 30 centímetros de diâmetro, com o recheio para cima. Deixe crescer por mais 15 minutos. Pincele com a gema e leve ao forno médio, preaquecido por 35 minutos ou até assar e dourar levemente. Retire do formo, desenforme e reserve. Em uma tigela misture bem o açúcar de confeiteiro e o leite e espalhe sobre a rosca, deixe esfriar e sirva. Se desejar decore com uvas passas e maças passadas por suco de limão.
Por Adriana Padoan