I – A análise
Eu estava lendo uma revista especializada em cinema. Um crítico italiano fez um comentário muito bom sobre o filme “O Poderoso Chefão”, de Francis Ford Coppola. Naquele momento, o cinema surgiu em minha cabeça como uma arte contadora de história, usando imagens que simulam movimentos, dentro de um recipiente fervilhando de temas ingeridos pela humanidade ao longo dos séculos.
Não sabemos o momento preciso, mas encontramos a imagem do escritor Mario Puzo, movido por sentimentos que se atrelavam dentro de sua alma, na década de 60, escrevendo sobre a máfia e os mafiosos; essas histórias de vida, violência, amor, estavam dormindo nos arquivos sociológicos, nos registros policiais, dentro de personagens que viviam e viveram estes dramas, todos impulsionados pelo processo histórico que possibilitou a imigração de milhões de imigrantes italianos em busca da enorme América, América dos sonhos de crescimento econômico que navegaram pelo mundo, das possibilidades de construção de um novo país, desejoso de ser reconstruído. Em 1969, entre a solidão e o movimento Mario Puzo publicou “O Poderoso Chefão”, o padrinho, o pai, na linguagem dos americanos.
Em 1972, com muita sede, os estúdios de cinema americano disputaram, moeda a moeda, a compra dos direitos de produção cinematográfica, do livro de Puzo. Ao que tudo indica e comprova, a Paramount Pictures fez a melhor oferta.
O texto de Puzo focaliza um personagem tipificado no gênero em questão, Don Vito Corleone, personagem completo e perfeito, ao mesmo tempo, uma sinopse detalhada dos comportamentos da máfia, que gerencia uma família, contando com o auxílio de Ton Hagen, um conselheiro usado para os casos mais problemáticos.
De posse do livro e do roteiro, o cinema começou sua empreitada homérica na escolha do autor que faria o papel principal, o predestinado a transformar-se no desenvolvimento do filme na linguagem profética do poderoso chefão.
Como é comum na saga ensandecida de Hollywood, gastaram milhões de dólares na escalação para o teste, começando com Warren Beathy, Matin Sheen, Jack Nicholson; no entanto, de acordo com os mistérios geradores pelo próprio cinema o papel ficou com Al Pacino.
Na interpretação de Don Corleoni, no decorrer dos testes, Marlon Brando colocou fatias de queijo sob a língua e entre as bochechas; e o rosto, a voz, os movimentos faciais, saltaram dos becos estreitos do vilarejo de Corleone para as lentes das câmeras, olhos que enxergam o invisível na arte do cinema.
2 – O filme
O início do filme acontece durante o casamento de Cennie, filha do chefão, com um rapaz chamado Carlo. A Itália mostra o seu rosto ao público, um país identificado pela alegria, dança, canto, comida, mistura de idades e muitas vivências escondidas por trás dos rostos patenteados pela comemoração. Toda a família de Corleone está presente, as famílias inimigas ou interesseiras, todos bebem do seu vinho, a verdade anda meio espremida, a falsidade dança o folclore italiano, a vingança espalha o gosto nas solas dos pés dos frequentadores.
III – Durante a festa e o escritório de Don Corleoni
A festa continua a sua vida, no escritório de Don Corleoni, Bonasera pede “justiça” e “vingança” contra alguns rapazes que espancaram a sua filha barbaramente, procurando estupra-la. Foram presos, julgados, condenados há 3 anos, mas soltos no mesmo dia. O chefão, comovido com os argumentos de Bonasera promete-lhe justiça e vingança no mesmo dia. O preço pelo trabalho é combinado seguindo a estrutura e organização da máfia: “um dia, não se sabe quando, ele precisará do favor de Bonasera, e tudo será acertado”. A máfia, filha da idade média, cumpria o seu papel, ou seja, vestir as roupas da justiça nos locais em que os juízes andam nús.
IV – A intertextualidade
O casamento continua, em uma das mesas, o terceiro filho de Corleoni, Michel, Capitão da Marinha, herói na Segunda Guerra, universitário, educado, um rapaz sensível aos conhecimentos do mundo e da família, com sua namorada, Kay Adams, colega da faculdade, quase não são observados pelos frequentadores da festa.
Os gritos, as correrias, a febre, quebraram a sequência da festa e dos negócios de Corleoni, com a chegada do cantor e ator Johnny Fontane, um protótipo e uma referência, segundo os críticos americanos ao cantor Frank Sinatra. Ele canta, comemora, recebe a glória momentânea; entra no escritório do padrinho mafioso. A relação entre Johnny e Corleoni é narrada no filme: “no começo de carreira, Johnny cantava em uma banda. Com o sucesso resolveu partir para carreira solo. O dono da banda não o liberou, mesmo com a oferta de 10 mil dólares, oferecida por Corleone. Porém, com um revólver na cabeça, no dia seguinte o contrato foi assinado por apenas mil dólares”.
O que trazia Johnny novamente à presença do padrinho era muito mais complexo: “o estúdio de Jack Wotz contratava o elenco para o filme, na opinião dos comentaristas e críticos do cinema americano, “A Um Passo da Eternidade”, filme que transformaria Johnny num astro internacional”. O papel lhe fora negado, pois seduzira a garota e a atriz preferida de Wotz. Através do conselheiro de Corleoni, o diretor recusa milhões para reconsiderar a dispensa de Johnny. Num dessas tentativas, para provar sua capacidade financeira, o cineasta mostra um cavalo árabe que pagara 600 milhões de dólares para a sua coleção.
A noite cheia de mistério, a mansão silenciosa, as esculturas compradas pelo cineasta em várias partes do mundo mantinham as mesmas posições, os gritos horrorosos vindo do quarto de cineasta, o sangue escorrendo pelas suas mãos e o seu lençol de seda importada, os seus pés apoiados sobre a cabeça do cavalo decepada e representando uma correspondência, uma disputa, será que o contrato estava em pé? No dia seguinte o contrato com Johnny estava assinado.
V – O conflito entre as famílias
O grande momento do filme está na reunião das famílias rivais que propõem a Corleoni, a entrada de sua família e seus membros no negócio das drogas. O grande chefão recusa o negócio das drogas, tem a suas opiniões próprias e a guerra entre as famílias torna-se inevitável.
A partir desse momento temos os conflitos, os combates, as mortes, o extermínio, que de certa forma, nos conduzirá ao verdadeiro chefão que é Michel Coleoni eliminando as cinco famílias concorrentes.
VI – A sensibilidade
Acredito, com muita certeza e percepção, que a grandiosidade do filme está na segurança e no horror que Coppola tem contra o uso da violência nos filmes ou como justificativa apelativa para a arte.
Todas as cenas de violência usadas no filme foram de certa forma suavizadas pelo uso da chamada contracena, como fator amenizador da ação.
VII – As contracenas
Noite de natal, as lojas estão enfeitadas, a música penetra no mundo da fraternidade. As luzes enfeitam as casas, as árvores, as vitrines e o olhar das crianças. Don Corleoni desce do carro para comprar umas frutas, é fuzilado; as laranjas saltam da banca, iluminadas pelas luzes, correndo pelo meio da rua, como se a poesia desviasse à atenção do trágico; um mafioso viajando por uma estrada, para o carro, desce para fazer xixi; a câmera percorre a natureza, a morte é representada apenas pelos sons dos tiros; o chefe de uma das famílias concorrentes descendo a escadaria de uma igreja linda, dois militares parados, os tiros e os corpos tombados.
VIII- Conclusão
O cinema, como arte, conta-nos uma história usando as imagens em movimento. Os atores, atrizes, técnicos, vivem os acontecimentos procurando marcar um encontro entre todas as artes com as nossas emoções. Partindo desse ponto de vista, O Poderoso Chefão ficará gravado em todas as telas de cinema do mundo, em todos os minutos que a nossa respiração travou os nossos sentimentos mais profundos.
RECEITA
CANNOLIS
Ingredientes
PARA A MASSA: 2 ½ xícaras de farinha de trigo; 2 colheres (sopa) de açúcar; 1 colher (sopa) cheia de manteiga amolecida; 80 ml de vinho Marsala; 30 ml de cachaça; Óleo para fritar em imersão; 1 pitada de sal; 1 clara.
Modo de fazer: Misture a farinha, o açúcar e o sal e peneire. Acrescente a manteiga e misture bem. Incorpore o vinho e a cachaça aos poucos, até obter uma massa bem lisa e elástica. Deixe-a na geladeira, envolvida em filme plástico, por uma hora. Abra a massa em espessura fina e corte em discos. Pincele a borda do círculo com clara e enrole em canudos para ‘cannoli’. Frite por imersão em óleo quente até dourar
PARA O RECHEIO: 1 xícara e 2 colheres (sopa) de água, ½ xícara e 2 colheres (sopa) de açúcar refinado; 500 g de ricota; 250 g de ‘cream cheese’; cerejas, pistache e damascos
Modo de fazer: Ferva a água com o açúcar até reduzir pela metade. Deixe esfriar. Passe a ricota por uma peneira. Misture a ricota com o ‘cream cheese’ e com a calda até obter uma pasta e guarde na geladeira. Recheie os ‘cannoli’ com um saco de confeitar e polvilhe com açúcar impalpável (encontrado em casas de ingredientes para confeitaria). Decore com cerejas, pistache e damascos.
Por Adriana Padoan