O menino desceu sobre a terra; bonito, cabelos longos, olhos mergulhados no azul do mar. Dizem, não temos a certeza absoluta, que era filho de Cupido, deus do amor; outros, porém, afirmam que era filho do deus Cronos, entidade mitológica que comanda e administra o tempo. O fato que enfocamos nesse menino, está no alabastro, vaso grego, preso a suas costas. O vaso continha lágrimas para umedecer, lubrificar os olhos da humanidade, possibilitando que os mortais enxergassem melhor a vida, a realidade, o amor, a beleza da natureza.
Ao passar pela região chamada de mesoamérica, uma localização que abraça o sudeste americano até o Panamá, passando pelo Peru, Argentina, México, Guatemala, Andes, Venezuela, América do Sul, o menino derrubou algumas lágrimas sobre o solo. A terra tomada pela emoção chorou por três dias, três noites, sonhando com revoadas de beija-flores. No final desse tempo nasceram das lágrimas embebidas pela terra, centenas de sementes que, partindo da língua grega phaseólos (feijão), povoaram o terreno sedento de novas vidas. Essas sementes viveram, formaram uma cultura, geraram outras sementes. Umas preferiram banhar-se na cor branca, preta, vermelha e assim por diante. Os feijoeiros instalaram-se no planeta, curtiram o vento, namoraram os anúncios das estações, abafaram os gritos no período da chuva. Os feijoeiros viveram uma vida livre, selvagem, procriando e nascendo e renascendo.
Na América do Sul, nos costados de inúmeros países que a compõem, a indiazinha Amana (água da chuva), e o indiozinho Rudá (deus do amor) marcaram encontro na cachoeira que chora. A ideia era colher folhas, plantas desconhecidas, frutas da mata. Vasculharam os silêncios dos campos, seguiram o ruído das águas, sentiram a vibração das cachoeiras e encontraram os feijoeiros. Colheram as vagens de vários pés de feijão.
Abriram-nas, tiraram os feijões das vagens, provaram os mais conflitantes sabores, uns eram amargos; outros, muito ácidos; até que, após várias tentativas localizaram os mais gostosos, de sabor mais agradável. Esses feijões foram selecionados, colocaram-nos para secagem, e plantaram-nos.
Ao entardecer, o sol girou sobre o espelho de água do grande rio; a lua ameaçou elevar-se além das nuvens em movimento; a primeira estrela surgiu no céu. Os indiozinhos retornaram aos caminhos que os levavam a aldeia, iam orgulhosos, pois conseguiram, pela primeira vez, domesticar a cultura do feijão.
A história percorre todos os caminhos trilhados pelo homem, ao longo do seu viver distanciado pelo tempo. Assim, houve uma tarde nos primórdios dos aventurados, que um Faraó saiu do seu palácio, olhou para si mesmo e procurou a sombra de uma pirâmide. O olhar parado, longínquo, cansado. O seu rosto ainda mantinha sintonia com o pesadelo da noite anterior. Em seu sonho havia o mar, o deserto estava no mesmo lugar, o vento agitava os pontos estáticos do mundo, a rainha corria atrás das pajens. Na linha do infinito, um pontinho em movimento, um andarilho caminhava em direção ao rei do Egito. Os seus pés tocavam o areal, o seu corpo, no entanto, levitava além dos olhos e da vista. O caminhar durou um bom espaço de tempo, mas o andarilho aproximou-se do Faraó. Não disse nada, não olhou nada, o seu sentimento, se havia, estava embutido. Ele estendeu as mãos ao Faraó do Egito e sem cerimonia, entregou sementes desconhecidas ao grande rei. Da mesma maneira que veio, partiu. Nas mãos do Faraó, banhadas pelo poder, o feijão dormia despreocupadamente.
Em troia, num canto adormecido pela passagem das eras, Aquiles vinga a morte de um amigo, ao matar o guerreiro Heitor, a luta ofuscou o brilho do sol. Um mendigo, que não fazia parte da história, alimentava-se com uma pratada de feijão e pedaços de carne de carneiro.
O cavalo de madeira foi introduzido além das muralhas de Troia, era enorme, belo, esculpido com muito cuidado. Dentro do cavalo havia soldados, armas, feijão para robustecer o exército. Troia caiu, foi destruída, mas o feijão ficou.
Avançando no tempo, o Brasil descortinou o século XVII. Os bandeirantes, muitos saídos de uma cidade chamada Taubaté, descobriram o ouro nas regiões das minas. O resultado imediato foi a criação das capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. A descoberta do ouro causou também o esvaziamento de muitas regiões de nordeste para o sudeste. A migração trouxe o proprietário de engenhos, os escravos, comerciantes e mulheres da vida e fora da vida.
A descoberta do ouro criou, no remanso histórico, a figura do tropeiro, condutores especializados das tropas de burros e cavalos por esse Brasil de meu Deus! Ele levava no silêncio das noites e dos dias a economia, a cultura, as notícias, as ideias políticas e administrativas no lombo dos muares, cruzamento do asno macho com a égua.
Dizem que, por essa época, Tiradentes comandou uma partida de ouro, de minas até o Rio de Janeiro. Partiu no comando da tropa até o trevo de Campos do Jordão, de lá, depois de muitas andanças, pernoitou em Taubaté. Aqui, ao lado da matriz de São Francisco de Assis, leu um poema, pensou na mulher amada, comeu feijão, carne seca, torresmo… mas isso é outra história, vamos ao Acarajé.
Receita
Ingredientes:
500 gramas de feijão fradinho cru; 2 litros de água; 2 cebolas; 3 dentes de alho; 500 ml de azeite de dendê; 500 ml de óleo; sal.
Recheio:
150 gramas de camarão seco; 3 xícaras de vatapá de camarão.
Modo de fazer:
Comece por colocar o feijão de molho na água por no mínimo 4 horas (o ideal é de um dia para o outro). Após esse tempo, esfregue o feijão com as mãos para soltar a casca por completo. Troque a água quantas vezes que forem necessárias, de forma a tirar todas as cascas. Escorra o feijão, seque com um pano e coloque no liquidificador junto com as cebolas, o alho e o sal. Bata bem até obter uma massa branca e espessa (pode ser necessário adicionar um pouco de água). Retire para um recipiente e reserve na geladeira por uma hora. O passo seguinte é arear a massa. Para isso bata no feijão com uma colher de pau até que triplique de volume e adquira uma consistência de espuma. Com ajuda de uma colher de pau e uma de sopa, modele os bolinhos de feijão do acarajé. Frite a mistura nos dois óleos quentes até ficarem dourados. Finalize cortando cada bolinho ao meio e recheando com vatapá de camarão e camarão. Sirva bem quente.
Vatapá de Camarão
Ingredientes: 6 unidades de pão carioquinha adormecidos; 1 e ½ xícara de leite de coco; 1/3 de xícara de azeite de dendê; ¼ de xícara de azeite de oliva; 1 cebola picada; 2 dentes de alho; ½ colher de gengibre ralado; 100 gramas de camarão seco sem casca e sem cabeça moídos; 500 gramas de camarão sem casca e sem cabeça inteiros; 2 xícaras de caldo de peixe; coentro; sal e pimenta do reino a gosto.
Modo de fazer:
Cortar o pão em pedaços menores e colocar em uma tigela com o leite de coco e deixar repousar por 30 minutos. Bater no liquidificador o pão com o próprio leite até obter uma pasta grossa e homogênea. Em uma panela grande aqueça o azeite de dendê e o de oliva e refogue a cebola, o alho e o gengibre. Acrescente o camarão seco e moído. Juntar a pasta do leite de coco, o caldo de peixe, coentro picado mexendo sempre para não empelotar. Deixe cozinhar em fogo baixo até desgrudar da panela e conseguir uma textura espeça. Adicionar os camarões e deixar cozinhar.
Por Adriana Padoan