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quinta-feira 21 novembro 2024
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Comilanças Históricas e Atuais – No portal da eternidade Vincent Van Gogh: um olhar distorcido de um autista

I – Mundo
Ano de 1853, nesse período o mundo mexia-se em transformação. A ciência passou a olhar a imagem refletida pela arte; a beleza não habitava os tubos de ensaio.
Nos Países Baixos, na cidade de Zundert, um pequeno município da Holanda, com traços de Vila, numa casa sem apresentações e destaque, a jovem Anna deu à luz o seu primeiro filho. O pai Teodorus van Gogh, por um momento, imaginou que alguma coisa nesse mundo, mudaria de lugar.

O menino recebeu o nome, na festa de batismo, de Vincent Willen van Gogh.
O pai era pastor, sua vida era pregar a palavra e fazer filhos; depois de Vincent, teve mais seis rebentos. A mãe Anna cuidava da casa e de todos os membros da família. Era solitária, silenciosa, guardadora de mistérios que só a natureza sabia. Na época da colheita, trabalhava no campo.

II – Pedaços da vida
Vincent estudou o que as escolas ofereciam; os remendos básicos da cultura. A pintura penetrava na maioria dos lares, representando a arte. Vincent trabalhou uns tempos como negociante de arte – observava os quadros, cheirava as tintas, via os desenhos visíveis, imaginando os invisíveis. Um grito rasgado no tempo, saído da boca de Platão. Chegou a lecionar no externato, mas a sua voz e suas lições saiam, muitas vezes, das rotas costumeiras. Trabalhou como balconista numa livraria; nos horários de folga, entrava em contato com as culturas que, pela inovação, não entravam nos buracos das fechaduras do tempo. Os seus pés, os seus pensamentos, tentavam andar pelos caminhos apedrejados por conflitos. Foi pregador, como o pai, um projeto de pastor, mas o Cristo dos seus sermões, no seu entendimento, comandava uma revolução ser retorno.

III – O mundo que se quer ver
Abandonou a sua vida, enfrentou dúvidas e memórias das neuroses que ocorriam, ou seja, a rejeição, em nome do amor e paixão.

IV – Amores e desamores
No ano de 1882 amou Clarissa, um amor despojado do eu para a vida. Foi rejeitado, visto como uma pessoa estranha, confusa, pensamentos delineares. Encantou-se por uma prima, foi abandonado na sombra do nada. Encantou-se por uma amiga de infância, foi mandado embora como o andarilho sem destino. Foi morar com uma prostituta bonita, despertadora de desejos intensos, alcóolatra até chegar ao fundo da garrafa, foi novamente rejeitado.

V – O pintor
Aos vinte e sete anos, desajeitado, nem sempre muito limpo, descobriu a pintura, as telas, as tintas e novas leituras da natureza, saídas das pontas dos pincéis.

A arte do seu tempo modelava-se na quentura do movimento Impressionista. O movimento privilegiava os contornos imprecisos das imagens fixadas pelo homem, pela sociedade, pela natureza, sob o olhar parturiado no confronto entre espírito, olhar, sentido e emoção. Monet, Degas, Renoir – buscavam a impressão do que não é visto no bolso da realidade, mas na alma do pintor.

VI – Sol, luz e transpiração
O quadro “Nascer do Sol”, de 1827, foi a tela febrilmente pintada por Claude Monet, que possibilitou o nascimento do impressionismo. O sol e seu nascimento rompeu com todos os estilos de pintura que o precederam. Ele aponta os alicerces de uma revolução social, tudo o que acontece é iluminado pela luz. As pinceladas são sutis, mais rápidas; as cores são vivas para entrar no olhar, a luminosidade é um compromisso. O negócio do impressionismo é pintar um momento da vida que jamais repetirá.

VII – O impressionismo de van Gogh
O seu primeiro quadro, pintado em 1885, “Os comedores de batatas”. O tema da tela invade um jantar dos camponeses, dos proprietários da vida simples, da existência sem registro individual, dos abandonados pelo poder. O prato servido, os alimentos preparados pelo cotidiano, são batatas. Há na tela cinco personagens, tipos sociais característicos, representados por pinceladas duras, coloridas, que se perdem na boca escancarada pela noite. O mundo em que eles vivem é coberto por cores fortes, mas escuras.

A dor de cada um está cravada na impossibilidade de ver o outro, sem ser fatiado pelas sombras; o sofrimento segura o prato, algumas batatas, e a mudez cola os lábios; a esperança está queimando nas chamas de um fogão de lenha; a manifestação espiritual foi engolida pela rotina de um tempo demarcado, fixo, sem transição. A emoção espiritual de van Gogh parte do desejo de transformar a arte pelos detalhes, movimentos, cor, tinta espirrada na visão de quem consegue ver a natureza distorcida pela existência, pelo ser, pela maneira de se observar a multiplicidade do que é invisível.

VIII – O cinema e van Gogh
A sua passagem sobre a terra transmite e desenha o rastro de uma personagem enigmática e um dos maiores pintores que sacudiu a ideia de arte como efervescência da beleza.
A presença de van Gogh na profundidade de nosso planeta, levanta as características de sua pincelada na tela branca e sem vida. As cores mergulham na periferia das doenças mentais e nas tragédias que, de certa forma, realizam uma anatomia nas atitudes de um gênio que não corre sobre as águas de um rio calmo, mas sim turbulento.

A beleza, as lágrimas, a emoção que se evaporam de suas telas, impressionistas ou pós-impressionistas, são significativas em sua essência, no entanto, é no cheiro de sua vida, caminhos e descaminhos, que olhamos em seu espelho para procurá-lo, para entendê-lo.

O seu estar por esse nosso pedaço de terra onde nascemos, abre-nos as porteiras para colocar o nosso pé e o nosso coração na modernidade, nos arranhões que sangram a pele de uma nova estética, na vida próxima à loucura, no eu que fez em tinta o nosso tratamento psiquiátrico. Todos esses elementos chamaram a atenção do cinema, dos roteiros, da representação dos nossos minutos de dor e sem face.

IX – O filme van Gogh, do diretor Alain Resnais
O filme é fruto do ano de 1948, é completamente biográfico. É uma espécie de ponto de partida e de inovação, pois narra a sua vida usando suas próprias pinturas e desenhos, e ilustrações. Trabalhou com mais de 150 artistas pintando o espírito do pintor, a loucura estampada pelas cores. Na sequência das pinturas refeitas, surge uma vida, equilibrando num risco de sangue e sofrimento. O filme recebeu o Oscar de melhor curta metragem de 1950. A ideia, a grandiosidade, as diferenças e indiferenças morando dentro da mesma mente, conquistaram-nos.

X – A sede e a água
A película “Sede de Viver”, do diretor Vincent Minnelle, baseada na biografia de van Gogh de Irving Stone, o artista é representado por Kirk Douglas.
A tentativa de ser pastor,
De falar do filho de Deus.
As desilusões amorosas,
Despencando-se em direção a um abismo.
A tentativa de relacionar-se,
Com outros artistas,
Atravessava os limites do seu eu.
A necessidade da presença do artista Gaugin,
Representado por Antony Quinn.
Os dois receberam o Oscar e o espanto.
A pintura ao ar livre,
O riso dos que tentam entendê-lo.
A bebida atravessando o seu corpo,
E o seu espírito.
O suicídio,
O silêncio,
Os pincéis abandonados,
No assento de uma cadeira.

No filme “No Portal da Eternidade”, de Julian Schnabel, podemos começar a conversar, sobre essa película, pela atuação espantosa de Willen Dafoe. O longa enfoca os últimos anos de van Gogh em Arles, no sul da França. Outros espaços, outros ventos, outras cores misturando a neve e o calor.

A Câmera cinematográfica procura, a todo custo, ultrapassar a imagem triste do pintor, o desleixo, a roupa fora do tempo, a ausência de banho, a higiene pessoal, para penetrar em seu eu torturado, buscando uma explicação no relacionamento entre a agitação de uma mente extremamente doente e o mundo que o cerca. O roteiro procura estabelecer o confronto entre o ser humano, a genialidade, o universo artístico e o indivíduo, enquanto ser humano comum.

Julien Schnabel trabalha a película com cortes secos e abruptos, inesperados. Essa técnica inova o aspecto evolutivo do cinema, realizando um trabalho singular captando a história de uma vida ousada.
As notas de piano, sons afastados uns dos outros, aprofundam a imagem dos Campos de Girassóis mortos pelo inverno, as árvores sacudidas pelo vento. O dia iluminado parece uma ressureição, revelando a intensa planície que consegue se aproximar das linhas do horizonte.

O olhar de Vincent van Gogh capta e desbrava um matagal; escala uma pequena montanha; joga terra sobre o rosto; corre pelos campos sentindo a sua realidade, aquela mostrada por Deus; um Deus vestindo a roupa da natureza e seus mistérios torcidos e distorcidos.

O inverno visto pelo avesso, o silêncio regendo grandes orquestras, o frio aquecendo tintas e pincéis, o céu procurando esconder-se em si mesmo.
Assim, esse filme abre uma nova visão, na medida em que tenta compreender a mente em desiquilíbrio do pintor.
A serenidade do filme, não nos mostra a cena da automotilação de Gogh, ao cortar a sua orelha esquerda, pois seria terrível testemunhar uma desmontagem corpórea.

O pintor sente a tempestade, a pacificação da natureza, os seus distúrbios internos marcados por vozes, tinta borrando o rosto, olhar fixante para o inexistente, a presença do estranho em sua alma.
Tenta compartilhar consigo as correntes de sua época, mas a sua obra já ultrapassa as teorias e as novas possibilidades de renovação.

É internado várias vezes; percebe o tédio que envolvia os tratamentos mentais. A sociedade, um ponto em sua vida, o marginaliza e o vê como um louco. A socialização era o retrato da impossibilidade e da confissão de sua voz, como estágios normais da vida. O seu mundo real era a escuridão, a ansiedade; explodir-se em tintas quando pintava ao ar livre, afastando-se das obrigações sociais. Dessa forma, o centro da narrativa, está em seu olhar perdido, distorcido.
Ele entendia a beleza de sua obra, sentia que as tintas apontavam um conflito entre a verdade e a loucura.
Aos 37 anos sente, em uma noite vazia, a companhia da angústia, da solidão, da insegurança, dos complexos, da dependência alcóolica, da desnutrição, a ausência de som da infância.

Lembra-se da tela “Noite Estrelada”, de 1889, paisagem do quintal de um hospício. Nesse quadro coloca seu estado psicológico. Não contém as forças das pinceladas, o dinamismo, as aspirais incertas, o céu perturbado, o firmamento dilacerado. De repente, pinta a vila da sua infância, um cipreste entre a vida e a morte, o céu noturno e turbulento opondo-se à vila.

Em julho de 1890, aos 37 anos, atira em seu próprio corpo. A morte veio por um caminho que não estava no mapa, os seus olhos azuis fecharam a cortina no rosto do tempo, a sua alma desloca-se da matéria, e um autista despede-se do mundo, sem que a ciência tivesse a verdade sobre as suas andanças. Ele era um gênio, um reformador da arte, um homem sem amor, um estranho vivendo num mundo que não conhecia o autismo.

RECEITA

BATATA RÚSTICA RECHEADA

Ingredientes: 3 batatas grandes; sal e cebolinha a gosto; 3 colheres de sopa de cream cheese; 1/2 xícara de chá de frango cozido e desfiado; 1/2 xícara de chá de queijo moçarela ralado; parmesão ralado para finalizar
Modo de preparo: Em uma panela com água fervente e sal, coloque as batatas e deixe cozinhar até ficarem al dente (não deixe cozinhar muito para não ficarem tão moles). Escorra a água das batatas e, com o auxílio de uma faca, faça um corte reto de uma ponta a outra da batata, para conseguir acessar o miolo. Com uma colher, retire cuidadosamente o miolo das batatas sem danificar as cascas e transfira para um recipiente. Depois, amasse bem o miolo até formar um purê. Adicione o cream cheese, o frango desfiado, a cebolinha e o sal. Misture bem até tudo incorporar. Em seguida, acrescente a mussarela e misture bem. Recheie a cavidade das batatas com o purê temperado, polvilhe o parmesão ralado por cima e leve ao forno até dourar.

por Adriana Padoan