I – A história
Vou contar-lhes a história de um dos pratos mais populares do Brasil, uma receita que, em algumas regiões, ultrapassa a fama da feijoada, da dobradinha, do tutu. Estamos falando da moqueca, um dos pratos mais diversificados da culinária brasileira, cada Estado tem a sua receita, o seu peixe, o seu jeitinho de fazê-la. O que não muda, isto é, o elemento denominador comum do prato, é a panela de barro, presente em todas as moquecas e nas mais longínquas regiões.
II- A mão portuguesa
A mão dos portugueses, conquistadores vindos da velha Europa, carregando a influência céltica, romana, bárbara, mourisca trouxeram a técnica do cozido, temperado com as dores brotadas no ritmo do fado. O cozido português embarcou na frota de Cabral com sua carne, batatas, temperos, cebolas, cheiro verde e umas fatias de paio. Os jesuítas comeram o prato no convés dos navios, os marinheiros alimentaram-se ao longo dos meses e mares sendo desbravados observando a fumaça do cozido e as panelas de ferro. Dessa forma, a chamada carne picada com legumes chegara ao universo dos índios da nova terra.
III- Os índios e os encantos
O índio, vivendo os encantos das florestas, falava palavras que lhe marcava a cultura, os costumes, a culinária primitiva. A palavra moquém significava uma grelha de madeira para assar peixes, todos embrulhados em folha de bananeira. O índio Rudá dormiu ao lado da cachoeira das aves brancas, ali, ouvindo o barulho das águas, sonhou com o ventre da terra embebido em chamas. Ao acordar, próximo ao nascer do sol, cavou um buraco na terra, espalhou folhas de bananeiras nos fundos da cova, sobre as folhas, distribuiu postas de pintado temperadas com urucum, sobre as postas de peixes, colocou mais folhas de bananeira, e mais peixes, fazendo assim sucessivamente. Feito isso, acendeu um braseiro sobre as camadas alternadas. Esperou uns bons pares de horas; enquanto esperava, dançou, cantou, agradeceu aos Deuses que ainda corriam atrás das nuvens. Essa técnica de moquear a carne recebeu o nome de biaribi.
A carne moqueada levou a tribo a uma espécie de alucinação, era bom demais!
IV- A índia
A índia Anajá entrou nas águas barrentas do Riacho Fundo. Com as mãos e usando o tato retirou bolotas de argila do fundo do pequeno riacho. Limpou a argila, umedeceu-a usando água e as pontas dos dedos, assim, lentamente, modelou uma panela de argila. Pintou-a com a casca de Mangue-Vermelho, raspada e socada, para virar tinta. Nessa panela os índios colocaram peixes, urucum, pedaços de cebola, cheiro verde, e a tribo viu o nascimento da moqueca capixaba. Vamos considerar neste texto, a palavra capixaba significando roça, plantação. Esta palavra do tupi leva a origem da moqueca ao povo que vivia na roça, no plantio, nos saveiros, nos pequenos pesqueiros.
Jurando pela lua, pelas estrelas, pela fé e poesia que brotam na boca da panela de barro, o que nos autoriza a dizer: a moqueca capixaba é um verdadeiro sonho sonhado.
V- Navio negreiro
O navio negreiro ancorou no cais da Cidade Baixa, Bahia, e os homens vindos do avesso da noite, foram levados para as fazendas de Salvador e as saudades da África acompanharam os homens encolhidos dentro do medo, do desentendimento, do desamparo e da agonia. As crianças agarraram as saias das mães, as meninas temeram pela violência anunciada, os homens perceberam a vida áspera que estava plantada no mourão da porteira da fazenda, o preto velho olhou o infinito, deixou uma lágrima correr pelo rosto sentindo que não veria mais as terras africanas. As senzalas acomodaram-nos, o trabalho violento ultrajava o significado da vida, humanidade, inteligência, raciocínio. Enquanto as constelações buscavam seus lugares no céu, no interior das senzalas, na fumaça vinda da terra, a nova cozinha brasileira começava a tomar forma: ensopar, pimenta-malagueta, jiló, quiabo, coco, a extração do leite de coco, o azeite de dendê.
VI- A palavra mukeka
A palavra mukeka, palavra viva do quimbundo, significava e continua significando caldeirada de peixe. O berimbau soltando seu canto e o corpo rompendo o espaço, no movimento e no canto, a escrava Guilhermina coloca a panela de barro no fogareiro; o afoxé marcando as batidas dos pés no chão, o dendê escorregando-se nos fundos da panela de barro; o agogô gemendo baixinho, os pedaços de cação deslizando no dendê, o leite de coco amarelando-se no peixe abraçado ao óleo de dendê, a pimenta verde boiando sobre os ingredientes, o tomate, alho, coentro, limão, sal e pimenta vermelha. A senzala, cômodos humildes registrando nas paredes de pau a pique o nascimento da moqueca baiana.
Psiu! Silencio! Vamos navegar, agora, numa receita de moqueca baiana, linda, gostosa, arretada, simples.
Moqueca Baiana
Ingredientes:
10 gr de alho; 80 gr de cebola roxa; 200 gr de camarão cinza; 500 gr de posta de badejo; 100 gr de tomate pelati em lata; 100 gr de tomate caqui; 80 gr de pimentão amarelo; 80 gr de pimentão vermelho; 80 gr de pimentão verde; 10 gr de páprica picante; 10 gr de coentro; 10 gr de salsinha; 500 ml de leite de coco; 200 ml de azeite; 30 ml de azeite de dendê; sal a gosto
Modo de fazer:
Em uma panela de barro refogue o alho e a cebola picados. Reserve. Refogue os camarões mexendo o mínimo possível. Reserve. Volte o alho e a cebola à panela e monte a moqueca colocando o peixe e depois o resto dos ingredientes, menos o camarão. Deixe cozinhar por 20 minutos. Coloque os camarões reservados sobre a moqueca. Salpique um pouco de salsinha e sirva.
Por Adriana Padoan