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terça-feira 24 dezembro 2024
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Comilanças Históricas e Atuais – Kramer versus Kramer: O caos do divórcio

I – Introdução
Meus queridos leitores, eu estava na sacada do meu apartamento, namorando a lua, as estrelas, os pontos vazios do céu, quando um gnomo, participante da eterna dança celeste comunicou-me que a década de 70 levou 10 anos para nascer e que fora fruto do amor de Eros e Diana. Ouvindo este comunicado, resolvi olhar com mais atenção os eventos ocorridos naquela faixa temporal.

II – A década de 70
Foi um tempo, em que todos os homens e mulheres pretenderam ser bem sucedidos profissionalmente. O sonho americano, europeu, mundial nadou nas águas da busca pelo sucesso. Nesse desespero para subir aos topos de todas as escadas, realizaram mudanças intensivas nos códigos sociais, jurídicos, econômicos e éticos. Essas transformações alteraram os relacionamentos humanos, novas verdades evasivas envolveram os casamentos, as estruturas do divórcio e a fixação da guarda dos filhos geraram, a resultante mais abaladora do equilíbrio social e humano.

III – Kramer X Kramer
No enfrentamento e recepção dessas informações resolvi marcar um encontro e revisitar o filme Kramer versus Kramer, que sem dúvida aparente, ainda deve abitar o coração de muitos cinéfilos brasileiros, das américas e do velho e esgotado mundo. O filme foi realizado no ano de 1979; a sua origem efabulativa nasceu rodeado pela sensibilidade que morava dentro do escritor Avery Corman. O diretor de cinema Robert Benton sentiu a força das palavras do livro e produziu o roteiro do filme, escolhendo Dustin Hoffman e Maryl Streep para interpretar o casal que vive as consequências das transformações da década.

IV – A realidade atrás das câmeras
Na época da filmagem de Kramer X Kramer, Dustin Hoffman enfrentava um processo movido pela sua primeira esposa. Todos os lances de um acontecimento de ruptura de um casamento passavam pelos tribunais. Exposição pública, causas, desgastes, culpa ou inocência, valor da pensão, avaliação das incertezas futuras.
Maryl Streep, por seu lado, vivia um luto doido pela morte de seu amante John Cazale, relação que durara longo tempo.

V – O cinema no ano de 1979
Os estúdios movimentavam-se em direção ao mundo ficcional brotado na ebulição da realidade da década. “Alien, o 8º Passageiro” passeava pelos jardins do suspense transformado em horror, e o espaço observava a passagem das naves espaciais. “Rocky 2- A Revanche” percorria a área do ringue tentando reviver o sucesso do herói caminhante das ruas, impactando o público no primeiro filme. Coppola percorria as loucuras do território do Vietnã, sondando, ao lado de Marlon Brando, o surgimento de um “Apocalypse Now”, metáfora do nosso tempo. A filmagem de “All That Jazz – O Show Deve Continuar”, de Bob Fosse, um retrato da vida de Joe Gideon entre as mulheres, a música e as pílulas, agitava o mundo cinematográfico. No meio dessa mobilidade contagiante, Robert Benton dirigiu, sem preocupar-se com sonhos precipitados, o seu “Kramer versus Kramer”.

VI – O que é Kramer
Ted Kramer nasceu no Brooklin, terra apontada em tintas de várias cores, no mapa da américa do norte. Brincou nas ruas preparadas para conviver com as brincadeiras infantis. Estudou nas escolas padronizadas para a região. Preparou-se para enfrentar os ensinamentos propostos pelas universidades, lutou o que havia para ser confrontado e, antes da chegada do inverno, formou-se em publicidade.

Apoiado pelo conhecimento do seu curso profissional, partiu em busca de emprego. Ajeitou a gravata, mediu os ternos em seu corpo, entrou e desceu das bocarras dos elevadores; colocou a sua voz e sentimentos nas entrevistas de chefes bem intencionados ou não, e começou a trabalhar.

VII – A moça andadora na mesma década
Era noite e os postes procuravam iluminar as ruas. Os letreiros coloridos promoviam grandes liquidações. O trânsito procurava redesenhar trajetos eloquentes. No barzinho situado no corpo da avenida havia uma mesa, uma janela, taças de vinho e o famoso filé com sotaque inglês. Ted Kramer cruzava o seu olhar nos pensamentos da jovem Joanna, uma moça que pensava no progresso de sua carreira mas também idealiza ser esposa, mãe, protetora de um espaço residencial decisivo na vida de todos os planetas. A paixão atravessou os copos, os pratos, as ideias, os sentimentos. Casaram-se num domingo abrigado numa igreja. Ted correu praças, bancos, firmas, empresas, conquistando espaços profissionais e destacando-se no universo publicitário. Ela, cuidando da casa, do marido e do filho Billy, de 6 anos.

À medida que o tempo arremessou o futuro para adiante dos acontecimentos, o marido foi conquistando prestigio, posição, assumindo a publicidade de empresas representativas no mercado; ela, porém, encolhe-se, entristece, descobre o rosto cansado da rotina de todos os dias.

VIII – A ruptura
Uma noite, após colocar o filho na cama, ela arruma as suas roupas na mala, espera o retorno de Ted Kramer, pede a separação, não aceita a argumentação contrária e, agindo como quem determinou todas as profecias da vida, parte em direção a um destino possível.

IX – A vida de cabeça para baixo
Ted Kramer tenta viver o dia seguinte, tendo o filho para cuidar e o trabalho a desempenhar, como um naufrago que viu, de repente, o navio ser engolido pelo mar. Os desafios surgem como nuvens que entram pelos vãos da janela.

Tenta fazer o café da manhã, o desastre é inevitável e a cena considerada perfeita. Percebe como sopro, o distanciamento entre filho e pai. Lê no olhar cabisbaixo de Billy, a saudade da mãe e a incapacidade de entender a partida de sua segurança de todos os dias. A preparação de Billy para dirigir-se a escola transforma-se no segundo desastre.

Na empresa, os andamentos profissionais, a produção, a atenção, começam a despencar. O filho, na escola, necessita do acompanhamento paterno. Ele chega atrasado para pegar Billy; a preparação do jantar tornar-se desesperador, os diálogos não funcionam, discute com filho por causa de um sorvete. Tenta trabalhar em casa, no entanto, Billy tenta brincar em casa. Nos finais de semana, dia ensolarado, os risos rodeiam a alegria dos parques, Billy cai de um brinquedo, leva um corte na testa. A cena em que Ted corre com o filho nos braços atravessando o trânsito em movimento, as quadras que antecedem o hospital parecendo não ter fim, marca a grandiosidade do cinema, pois foi fotografada sem nenhum corte.

X – O protótipo
Ted Kramer é o modelo esculpido do homem dos anos 70. Lentamente, como onda de praia, vai se adaptando a vida doméstica e a cuidar do filho. A sua cabeça de propagandista consegue entender que o filho é um ser humano em desenvolvimento. Como um poeta diante de um texto em branco, Ted aprende a fazer as refeições, fazer a feira, cuidar da sua e das roupas de Billy, levar e buscar o filho na escola, participar das atividades escolares do menino, ler para ele todas as noites.

Ele consegue ser companheiro de seu filho, porém na outra ponta da linha, existe um mercado de consumo desumano, faminto, irracional, que não aceita um profissional que se assume como pai e, por esse motivo é demitido da estrutura da grande empresa.

XI – O eterno retorno
Na acomodação realizada pela necessidade dos tempos, Joanna retorna querendo levar Billy consigo, depois de um ano e meio de ausência. Eu posso tomar conta de Billy e preciso tornar-me um ser humano completo, é o discurso que ela profere. Ele não aceita, até o vento que girava o universo também fica sem entender. No desespero dos acontecimentos, próximo do natal ele se humilha e arruma um novo emprego, ganhando bem menos, somente para enfrentar a luta em um tribunal de justiça.

XII – O tribunal
No tribunal, local onde a justiça habita ou se esconde, Joanna solicita a custódia do filho. O desencanto se apresenta vestindo o sentido de cada palavra. A câmera, fazendo um milagre estético, acompanha os olhares sofridos, o susto e o espanto repentinos. Os advogados, profissionais frios, ásperos, desumanos, representam a loucura ideológica da época. Ela, por transparência de uma lei obscura ganha a custódia do filho.

No entanto, numa cena onde a câmera filma o estado psíquico do casal, ela desiste da custódia, deixando o filho Billy com Ted Kramer.

XIII – A arte como transparência social
Kramer versus Kramer inexplicavelmente, foi a maior bilheteria de 1979. Ganhou o Oscar de melhor filme, direção, ator, atriz e roteiro adaptado. Não podemos, como pessoas que admiram o cinema defender ou negar a validade de tantos prêmios. Podemos dizer, por outro lado, que Kramer pode ser considerado um filme que abordou, de uma forma muito própria, a complexidade do divórcio e as consequências sobre a família, o ser humano e a sociedade.

Aos meus leitores de todas as semanas, para nossa receita referente a este filme selecionei uma cena que me emocionou. O momento em que Kramer perde o emprego, próximo ao julgamento no tribunal. Em uma empresa, já quase noite, ele implora por uma vaga num concorrente. Esse fato ocorreu na véspera de natal, por isso a câmera filma os funcionários comemorando a chegada do menino chamado Jesus e, tentando controlar a ansiedade, Kramer consegue a vaga. Esse é o motivo que me levou a compor uma receita natalina. Beijo a todos.

RECEITA
TORTA GELADA DE NATAL

Ingredientes: 12 gemas; 500 g de manteiga sem sal; 500 g de chantilly; 12 colheres de sopa de açúcar; 4 colheres de sopa de chocolate; Nozes ou castanhas-do-pará moídas a gosto; 500 g de bolacha Champagne; Vinho branco meio seco de boa qualidade ou vinho do porto.

Modo de preparo: Bata a manteiga com o açúcar até formar um creme branco. Acrescente as gemas uma a uma batendo sempre até ficar claro o creme. Divida este creme em duas partes e, em uma delas acrescente o chocolate. Forre um pirex grande e fundo com metade das bolachas e regue com o vinho. Espalhe o creme amarelo e por cima o chantilly e as nozes ou castanhas moídas. Repita a operação, agora com o creme de chocolate, cobrindo com o chantilly e as nozes. Leve ao refrigerador de um dia para o outro. Pode ser servido em qualquer ocasião especial do ano.

Por Adriana Padoan