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sexta-feira 15 novembro 2024
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Comilanças Históricas e Atuais – O Bife

I – Hominídios
Um grupo de hominídios caminhava no meio da savana. Passos lentos, vagarosos, observando o que havia para ser olhado. O medo era o companheiro de todos os dias, a dúvida os perseguia, a esperança não tinha significado, pois ainda não existia.

II – As mulheres
As mulheres do grupo, atentas aos movimentos do mundo, acharam a carcaça de um grande animal estendida na margem de um rio. Aproximaram, cheiraram, olharam, lamberam-na. A fome esfumaçava os olhos, a vida ainda não tinha valor, mas era preciso sobreviver, para continuar vivendo. A alucinação entrou pela pele, correu pelo corpo; as mulheres deram o grito que sinalizava “descoberta de comida”. Os homens correram em direção às fêmeas; a carne da carcaça, grudada aos ossos, parecia uma bela e apetitosa refeição; retiraram bocados bem gulosos, mastigaram, e a vida retornou ao corpo, pouco a pouco.
Esse fato aconteceu há dois milhões e setecentos mil anos, um fato cravado na história dos homens e que registrou o exato momento que a humanidade alimentou-se de carne pela primeira vez.

III – O fogo
Há oitocentos mil anos, os homens andavam no escuro, comiam nas trevas, olhavam os astros no céu através das sombras e, na escuridade da terra, aprenderam a fazer amor na negritude fechada, carregada de mistérios. Um homem solitário, embebido pela insônia, caminhando por um bosque, viu a luz parida no chão, dançando em vai e vem. Não gritou o seu susto, sua boca se fechara em nome do espanto; aproximou-se e tocou a luz com a ponta dos dedos, sentiu o sabor e a dor da queimadura. Esse ser solitário, mesmo engolindo infinitos medos levou o fogo para o restante do grupo. A humanidade em gestação gritou sons de louvor ao trovão, e todos aprenderam a se ver durante a agoniada noite; aprendeu também a cozinhar, assar e a carne resolveu problemas que estavam tão distantes, navegando sem solução.

IV – O Egito e Roma
Durante muitos anos os homens caçaram, mataram, comeram os animais que estavam afastados das tocas e dos ninhos. No Egito dos Faraós, das Cleópatras, surgiu a ideia de se criar o boi, um animal filosófico, valente, pensador, observador atentos dos campos. O boi, vivendo em processo de criação podia sintetizar e diminuir os dramas que envolviam a caça como fonte de sobrevivência. Os Faraós, seres meio humanos e também divinizados, propuseram o confinamento do gado, modelo de pecuária que atravessaria os séculos. Os Romanos, proprietários de um império, com firma reconhecida e autenticada pelo mundo da época, foram os primeiros a se preocuparem com a tortura que envolvia o abate.
Resolveram isolar os animais destinados à morte, colocá-los em descanso e abatê-los com golpes precisos e rápidos.

V – Brasil, Jesuítas e pecuária
No Brasil, o gado chegou com o navio de Cabral, viajou ao lado dos soldados, dos franciscanos, do Frade Henrique de Coimbra, do escrivão Pero Vaz de Caminha.
Aqui na colônia, os jesuítas tomaram como dever de fé, a criação do gado. A floresta olhou os animais, movida pela curiosidade, os sertões agradeceram a presença de animais de andar tão elegante; agradeceram, também, pela construção dos povoados, pelo carregamento de madeira para edificação das igrejas, pelo leitinho quente de todos os dias.

VI – O bife
Os ingleses, fechados em si mesmos, encapotados diante da garoa constante, da neblina insensata assistiram ao nascimento do “beef”, ou seja, uma fatia de carne estrilando na frigideira. A moça, navegando o corpo durante o chiado do bife, inventou uma dança que, segundo dizem, movimentou as noites das tavernas silenciosas e frias, pedaços salpicados na escuridão de Londres. O bife acomodava-se na chapa, enquanto Jack, o estripador espreitava a periferia de Whitechapel, distrito londrino em busca da evasão dos seus mistérios.
Revendo esses acontecimentos, o bife vitalizou a culinária do mundo, seja o bife à cavalo dos ingleses, o filé a parmegiana, invenção típica dos brasileiros, o bife de chorizo dos argentinos, ou seja, fatias do miolo do contrafilé ou o bife alucinado dos americanos. Nada disso seria possível, no entanto, sem a atitude daquelas mulheres hominídias que, no delírio provocado pela fome não tivessem encontrado aquela carcaça abandonada…

RECEITA
BIFE NA MOSTARDA
Ingredientes:
6 bifes de alcatra não muito finos (1 kg aproximadamente); 3 dentes de alho amassados; sal e pimenta do reino a gosto; 3 colheres de sopa de óleo; 1 colher de sopa de manteiga; 1 cebola picada; 5 colheres de sopa de mostarda; ½ xícara de chá de água; 2 caixas de creme de leite; cheiro verde picado para polvilhar.
Modo de preparo:
Tempere os bifes com o alho, sal e pimenta. Em uma frigideira, em fogo alto, coloque o óleo e frite os bifes até dourar. Retire, coloque em um refratário e reserve. Na mesma frigideira, em fogo médio, derreta a manteiga e doure a cebola, misture a mostarda, a água e deixe ferver. Desligue o fogo e misture o creme de leite. Cubra os bifes com o molho e polvilhe com cheiro verde. Se desejar sirva acompanhado de batata palito e arroz branco.

Por Adriana Padoan