I – O porquê
Esta semana, devido aos problemas que correm pelas cidades, cidadezinhas do mundo e, pela flexibilidade com que as histórias penetram a escuridão do passado, procurando explicar os nossos dias e, sem perceber passam por cima da veracidade dos fatos – a fome, a lágrima, o analfabetismo, o suicídio em massa, as guerras, as guelras dos políticos entupindo seus olhos; por isso resolvemos trabalhar com o filme Gigi, produzido em 1958, pelos Estados Unidos, uma espécie de nação que almoça, procurando arrebatar o jantar do mundo.
II – Gigi – o ganho
O filme foi dirigido por Vicente Minelli, que fora namorado de Judy Garland e geraram a grande cantora e atriz Liza Minelli. O roteiro foi organizado por Alan Jay Lemer que, pelos cantos do olhar pescou dados da peça teatral escrita por Anita Laos que, passou noites lendo o romance de Coletti; uma escritora que de vez em quando representava o papel de normalidade, guardando revoltas, frustações, desencantos, sexualidade falida, nos fundos de sua bolsa.
O filme Gigi recebeu em 1959, nove Oscar, fenômeno indicativo de que sua temática podia estar atrás de uma cortina feita de um pano chamado cegueira, ignorância, transgressões permitidas por uma era lambuzada pelos buracos escuros perfurados no coração dos calendários.
III – O filme – a música
A música que representa o filme e o sonorifica, tem um nome interessante “Agradeça o céu para as meninas”, e fala de um mundo especial, singular, marcado a ferro pela época:
Cada vez que vejo uma menina
De cinco ou seis ou sete
Ai não posso resistir a um
Impulso alegre
Para sorrir e dizer
Graças aos céus para as meninas
Para as meninas ficar cada dia maior
Graças aos céus para as meninas
Elas crescem de forma mais agradável
Aqueles olhinhos
Então, imponente e atraente
Um dia começa a piscar e enviar-lhe
Falhando através do teto
Graças aos céus para as meninas
Graças a Deus por todos eles
Não importa onde, não importa quem
Sem eles o que os meninos fazem?
Graças aos céus
Graças aos céus
Graças aos céus para as meninas
Aqueles olhinhos
Então, imponente e atraente
Um dia começa a piscar e enviar-lhe
Falhando através do teto
Graças aos céus para as meninas
Graças a Deus por todos eles
Não importa onde, não importa quem
Sem eles o que os meninos fazem?
Graças aos céus
Graças aos céus
Graças aos céus para as meninas
Graças aos céus para as meninas”.
Todas músicas que move as emoções de um filme formam, no íntimo das pessoas, uma espécie de fatia do cérebro de Freud.
No caso do filme Gigi, a música segura as estrelas pelas pontas de seus significados, jogando luz no rosário que tecem com linhas coloridas ou desbotadas: olhar, meninas – dos cinco aos sete anos, impulso, alegria – impulso – as meninas caem do céu – crescer – agradar – olhinhos – imponentes – atraentes – obras de Deus – sem o adulto – o que elas fazem – graças aos céus – geradoras de meninas.
IV – Filme – o texto
Essas meninas, vindas de terras longínquas, ou de casas de arquitetura pobre, costumam entrar num tipo de escola que lhes ensinam a arte se ser cortesã, prostitutas de classe, conseguindo desfilar pela tapeçaria dos aristocratas.
Gigi é uma menina estigmatizada, consegue ultrapassar o sentido costurado na realidade. Na infância, ganha de seu pai uma fantasia de pinguim, em seu íntimo, acredita que o pinguim é capaz de voar e, em seu desejo sonhado, ele voa.
Na adolescência, período meio confuso para os pesquisadores, é encaminhada para casa da avó Mamita e da Tia Alice. Elas tinham uma folha devida e de atividades marcantes. Eram amantes de homens ricos, a maioria possuía um nada mental, mas possuíam e faziam parte do sistema econômico do momento.
As duas, professoras das noites e da solidão iluminadas das ruas, são as encarregadas de transformar Gigi numa perfeita cortesã.
O mundinho de Gigi era pequeno.
Mas era dela.
O seu atrevimento, personalidade,
Corria pelas pétalas dos lírios brancos
O seu olhar encara a beleza do mundo
As fofocas do mundo adulto
Sumiam na sola dos seus pés
Ela era linda, elegante, revolucionária.
V – Filme – texto – reverso
Nesse espaço havia um jovem elegante, educado, nascido na estrutura da aristocracia e, portanto, frequentou as escolas do seu momento. Ele era rico, herdeiro de indústria açucareira, era amigo da avó e da tia de Gigi.
Gaston tenta penetrar nos sonhos de Gigi, no aprendizado da menina, mas acaba se apaixonando por ela, a menina enviada pelo Deus verdadeiro.
VI – Filme – texto – o reflexo
Gaston era rico, podia estar em todos os lugares de Paris. Era o sobrinho preferido de um senhor de idade corrida nos caminhos das horas, que no passado recente fora amante da tia de Gigi. O seu tipo, a sua beleza, o seu poder aquisitivo, fazia dele o solteirão mais fingidamente desejado de Paris.
Gaston vê a inocência mais transparente da terra em Gigi
O seu mundo em festa, mentiras,
Prazer pago, indecência pingada do teto,
Entra num buraco da parede
O seu tédio desprazerado
Rasga o seu terno, remodela a sua alma
Gigi levantou de sua inocência
A Revolução Francesa das meninas
VII – O que é preciso dizer
O filme gira em torno e dentro de Paris vivendo a sua “Belle Epoque”, um sonho real numa pequena faixa de tempo e, que de certa forma, influenciou a vida, a arte, a objetividade, o direito de ver o mundo colorido, aos olhos do mundo inteiro.
Os primeiros automóveis desfilando nas passarelas formadas pelas ruas, diminuindo as chegadas e as partidas. Os taxis unindo a madrugada aos dias. O entusiasmo diante do progresso, a voz da tecnologia empurrando os acontecimentos para a frente, a vida cotidiana tinha feição de prosperidade, de um futuro lindo ou linda, com roupas estampadas por milhares de máquinas. A França, por instantes, representou o centro do universo. A medicina, a educação, a ciência, a arte – “Art Nouveau”, saneamento, cabarés em forma de girassol como o Moulin Rouge, a Torre Eiffel, o Casino de Paris, o Metrô de Paris, as joalherias. O homem sentado em um banquinho, sentindo a natureza e, com pincel e tinta, pintava a alma do tempo. Depois com calma, assinava Monet.
A luz que revela
A Belle Epoque saiu do
Canto da cortina; entrou em
Sua própria sinfonia ditada
Por uma orquestra mumificada.
A menina de 15 anos, ouvindo a música e
Aprendendo a ser cortesã.
Tudo era permitido
A prostituta infantil, delirada num tempo,
Não pode se afastar da temática do filme
A pedofilia sai dos bandolins, dos pianos, dos cravos,
Corporificando-se na normalidade da existência.
O filme apresenta o ferimento adulto transformando o olhar de uma criança em um produto possível, alegre, fabricado pela liberdade econômica. O filme Gigi, embora seja de 1958, coloca o dedo numa das maiores feridas do nosso século.
VIII – O encerramento
Uma explicação necessária e escrita no caderno do tempo.
Maurice Chevalier nasceu em Paris. Seu pai era pintor de paredes. Sua mãe era Belga. Na infância, menino, subiu ao palco. Cantou e encantou. Foi convocado para filmes mudos, movimentos sem voz. O tempo passou, e a sua figura marcou a França. Chapéu de palha na cabeça. Em Can-Can, ao lado de Frank Sinatra e Shirley Maclaine, cantou duas canções. Aos 83 anos de idade, num hospital de Paris, morreu e, mesmo diante da morte, tentou cantar. O seu papel em Gigi, pela música que interpreta, apresenta a grandiosidade e abrangência temática do filme.
Aos meus leitores, não há como negar que o filme Gigi, à primeira vista, é simples, lindo, representante de um fragmento temporal na longa caminhada da humanidade. A sua mensagem, porém, não está no assunto, no desenvolvimento, nas cenas, está por traz do que não foi filmado, dito, mas cantado.
Até a próxima.
RECEITA
CASSOULET
Ingredientes:1 kg de feijão branco; 1 colher de chá de sal;1 orelha de porco (não salgada);250 g de bacon em fatias, cortado em tiras de 3 cm;2 cenouras médias, cortadas em 4 partes;1 cebola média inteira, com 2 cravos espetados;2 dentes de alho com as cascas;1 amarradinho de salsinha, tomilho e louro, o bouquet garni;2 colheres de sopa de banha de porco; 400 g de costelinha de porco; 400 g de lombo de porco, cortado em cubos de 2 cm; 300 g de linguiça calabresa fresca, cortada em rodelas de 1 cm; 250 g de paio cortado em rodelas de 1 cm; Pimenta-do-reino preta moída a gosto; 4 cebolas médias, picadas; 1 dente alho picado; 6 tomates maduros, sem peles e sem sementes; 1 colher de sopa de purê de tomate.
Modo de fazer: Na véspera, deixe o feijão de molho na água fresca. Se o feijão for novo, duas horas de molho são suficientes. No dia em que for servir o prato, comece a prepará-lo com 4 a 5 horas de antecedência. Escorre o feijão e coloque numa panela grande, de fundo espesso, de preferência, com 4 litros de água e sal. Junte a orelha de porco e 1/3 do toucinho. Leve ao fogo médio para baixo e deixe abrir fervura. Vá tirando a gordura que for se formando à superfície.
Depois que abrir fervura, deixe cozinhar 5 minutos. Tire do fogo e escorra, conservando na panela o toucinho e a orelha de porco. Volte a panela ao fogo, cubra com 2 h litros de água e junte as cenouras, a cebola inteira, o alho e o bouquet garni. Leve novamente ao fogo entre o baixo e o médio e cozinhe perto de 2 ½ horas, até o feijão ficar mole. O tempo vai depender da qualidade do feijão. Enquanto o feijão estiver no fogo, prepare as carnes. Esquente a gordura e vá refogando, separadamente, as costelinhas, o lombo, as linguiças, o paio. Vá salgando e apimentando cada um. Reserve. Prepare um refogado de tomate em outra frigideira. Esquente a outra colher de banha e doure ligeiramente a cebola e o alho. Adicione os tomates e o purê de tomate e ainda 1 xícara de chá de caldo no qual o feijão está sendo cozido. Deixe no fogo por 5 minutos, salgue, apimente e reserve. Quando o feijão estiver mole, junte a ele as carnes e o refogado de tomate e cozinhe por mais 1/2 hora. Finalmente, transfira para a panela de barro e sirva bem quente.
Por Adriana Padoan