I – Personalidade múltipla
Ele vivia cercado de livros com capas coloridas, capas vermelhas, verdes, amarelas, azuis, musgo. De vez em quando ele afastava os olhos da estante, da mesa de trabalho, e não abria nenhuma das gavetas. Nesse momento ele se engolia, entrava no lado mais escuro dos mistérios, acariciados pelo seu avesso. Numa dessas incursões, por decisão vinda do além, descobriu que a personalidade estaria formada ao fim da terceira fase, por volta dos 5 anos de idade:
Desenvolvimento feito de vento,
Os impulsos já poderiam ser expressados.
É nesse redemoinho que nasce
O centro da psicanálise e da personalidade.
Nos consultórios psicanalíticos do mundo descobriram que um ser humano pode ter mais de uma personalidade, como se fosse uma sementeira gerando flores diferentes. A ausência de identidade única desce o morro de terra fofa; a voz sai pelo espaço em mudança de opinião, da verdade, da mentira, dos sentimentos e comportamentos assumidos; subir num ônibus às presas, sentindo que o seu eu pertence a outra pessoa; sentir uma dor na altura do peito, um conflito interno sem esperança; perder a memória dentro de um copo de chopp, e os acontecimentos do passado voam em direção a São Jorge, sem cavalo, sem dragão, sem vitória.
II – Cinema a palavra Fragmentada
A palavra: fragmentado, forma o particípio do verbo fragmentar. Quando caminha pelos becos do idioma, age como um alucinado em busca do seu significado básico:
Fragmentou-se,
Foi repartido em pedaços.
Dividido em partes menores.
Não possui uma unidade real.
III – O filme “Fragmentado”
O longa metragem saiu das partes geladas de um fato real. No fim de 1970, um homem chamado Milligan foi responsável por três estupros no campus da Ohio State University, além de haver cometido outros crimes como assaltos a mão armada e sequestros. De acordo com seus depoimentos a justiça, passou a ser estudado como um ser dotado de infinitas personalidades.
IV – O roteiro e o projeto do longa Fragmentado
O diretor pensou durante uns três meses, o nome dele é M. Night Shyamalan, em dirigir uma película enfocando a dupla personalidade. A sua procura interna o levou a elaborar um personagem chamado Kevin Wendell Crumb, portador do Transtorno Dissociativo de Identidade ou Transtorno de Personalidade.
Kevin é atendido por uma psiquiatra experiente, a Dra. Flelcher, uma profissional caminhante das estradas do mundo. Kevin lhe revelou possuir 23 personalidades, e na sua mente de duplicidade esperava pela vigésima quarta que sugeria do nada para dominar todas as outras personalidades, por isso era chamada de Besta.
V – As idas e as voltas
Kevin divide seu corpo com vários indivíduos, como Hedwig, uma criança de 9 anos. Corre pelos lagos, brinca com carrinhos, sonha com a chegada de um barco que nunca virá. O seu corpo é possuído também por uma moça chamada Patrícia, uma fanática religiosa que vive num mundo habitado pelas sombras. Barry, um estilista em crise existencial, a sua procura por si mesmo consegue estrangular as pessoas que vive no corpo que também é dele. Dennys um maníaco por limpeza que sofre de Transtorno Obsessivo Compulsivo, um problema em todas as vidas que o cercam como as emanações de um espelho quebrado.
A Dra. Karen Fletcher, cuidando de Kevin, ia descobrindo a simbologia que marcava todas as personagens que moravam dentro do protagonista. No dia em que o sol entrava no mundo sombreado dos carros, em um estacionamento de supermercado, Kevin sequestra três garotas.
VI – Uma ação sem planejamento
As razões do sequestro não são anunciadas ou planejadas com detalhes específicos. À primeira vista parece uma viagem programada pela personalidade atuante, desiquilibrada, irresponsavelmente abandonada pelos pensamentos. No seu querer múltiplo pode existir um plano negro, um ato que desencadeia toda a fábula do filme, levando o público a buscar, a entender os rumos que as cenas desenham na frente dos olhares apreensivos. O susto, o medo, o desentendimento, a perda da noção sequencial da história.
VII – O canto em desespero
O filme “Fragmentado” senta-se num banco de madeira para se alimentar do obscuro, do misterioso, da loucura afastada da realidade. O espaço, o esconderijo, a presença dos mil pôsteres de psicologia como fetos contorcidos pelo mundo. As meninas, o desespero, e Kevin introduzindo Dennis ou Hedwig, uma personalidade imita e age como as outras, numa única cena.
Kevin retrata perfeitamente um indivíduo com um distúrbio de identidade, cruzando o sexo, a violência, o medo, a dança, variações que surpreendem as meninas sequestradas e o público. A trama sai do olhar de Kevin, de sua expressão, encaixa-se nos rostos de Barry e Patrícia, ultrapassando todos os limites do compreensível e, em segundos retorna ao aspecto perverso de Kevin. A retratação das vítimas segue um questionamento embaralhado e abraçado pela psicologia da tensão. A sexualidade surge na nudez a pedido de Kevin, uma fragmentação das jovens e do abalo psíquico sem uma justificativa aparente.
VIII – A proposta
A sociedade e a cultura se debatem na linha que leva ao sofrimento contido nos abusos e nas torturas psicológicas. O caráter das personagens encurraladas, no caso de Casey penetra em ações das bruxas medievais. Considerando o trabalho do diretor, o público começa a procurar pistas que podem dar um giro na trajetória do filme. A produção cinematográfica consegue fundir o sobrenatural e o místico, transformando-os em fenômenos de todos os dias.
No momento em que Kevin sequestra as adolescentes, levando-as a um cativeiro indefinido que, aos olhos da plateia, pode ser um porão abandonado, um estacionamento sem vida, um hospital vencido pela morte, no entanto o fato real acontece atingindo todos os órgãos dos sentidos. As meninas começam a identificar as várias personalidades de Kevin, buscando desesperadamente a possibilidade de fuga.
A psiquiatra, realizando uma das cenas mais chocantes da produção, entra no esconderijo de Kevin, encontra as meninas e a vida em agonia, ela consegue ver a besta, a vigésima quarta personalidade esperada; tenta usar uma faca como arma de defesa e constata que nunca esteve com uma personalidade tão poderosa. A sua morte é um retorno ao princípio do mundo, quando os ossos são usados como matérias geradores de outros seres.
No final do filme, surge a imagem de Bruce Wills sentado num bar, bebendo e olhando o espelho, mostrando o corpo fechado e ao mesmo tempo pensando na insegurança das mulheres que caminham suavemente na luta pela vida. A permanência entre o vilão e as vítimas aparece embrulhada no pacote contendo o carimbo indicador de que o filme documenta as possibilidades e as variáveis da chamada personalidade dupla.
IX – Intertextualidade
Não podemos esquecer do livro “O Médico e o Monstro” de Robert Louis Stevenson, de 1886. Há na obra um distúrbio psicológico um tanto raro na época, mas balançando o imaginário do mundo inteiro, ou seja, o Transtorno de Identidade. O personagem médico é também um cientista, homem culto, bom, correto. Ele cria uma droga que altera sua aparência física e elimina o seu conceito de ética e moral. Surge em seu corpo um detestável vilão e os crimes brutais brincam nas ruas de Londres.
Por outro lado, temos Psicose, um livro de Robert Bloch, e por motivos existenciais, adaptado para o cinema por Hitchcock. O personagem Norman Bates, um jovem na metade do tempo de um homem, mantem uma relação com a mãe que não cabe nas páginas de um diário. Em sua infância bebeu na mamadeira do ciúme, a passividade pulava os travesseiros e os abusos psicológicos por parte da mãe corriam pelo chão. No final do filme, descobrimos que a mãe morrera. Norma encarna a mãe ausente. Veste os seus vestidos, suas roupas intimas e vive uma outra personalidade para ser aplaudido pela lua.
X – Lembrando Freud
Freud passava um lenço em seu terno escuro. A primeira paciente era histérica. O quadro mais comum pulando no trapézio do circo mental era a dissociação que pode afetar a memória e o paciente passa a ter amnésia, criando uma outra personalidade para lidar com sua própria situação.
XI – Lacan
A personalidade, meu caro, é algo que exerce uma função de síntese. Ela costura a nossa unidade, ou em outra hipótese pluraliza-a, custe o que custar.
RECEITA
LAGARTO FATIADO AO VINAGRETE
Ingredientes:
Para o Lagarto: 1 quilograma de lagarto bovino (peça redonda); 4 dentes de alho amassados;1 cebola média ralada; 1 colher de chá de pimenta do reino; ½ colher de sopa de sal; ½ xícara de vinho branco seco; 3 colheres de sopa de azeite de oliva; 1 colher de sopa de açúcar; 1 colher de sopa de molho inglês; 3 xícaras de água fervente (aproximadamente)
Para o vinagrete: 3 tomates maduros; 1 cebola roxa; ½ pimentão amarelo; 1limão; 2 colheres de sopa de azeite de oliva;1 colher de sopa de vinagre; sal (a gosto); cheiro verde (a gosto)
Modo de fazer o lagarto: Separe os ingredientes que serão usados na primeira etapa da receita (preparo da carne), para facilitar o seu processo. Coloque o lagarto e a marinada num saco e deixe marinando na geladeira por, pelo menos, 2 horas.
Durante esse tempo vire o saco de vez em quando para que o tempero penetre melhor em toda carne. Após esse tempo, aqueça uma panela de pressão média e adicione o azeite de oliva. Retire a carne da marinada e reserve seu tempero num recipiente, pois usaremos em seguida. Sele todos os lados da carne por alguns minutos. Acrescente o açúcar e deixe a carne dourar em fogo baixo, virando sempre de todos os lados para ficar como mostra a foto.
Adicione a água quente (não precisa cobrir a carne) e junte à panela a marinada reservada. Acerte o sal e a pimenta do reino, se for necessário, e feche a panela, deixando a carne cozinhar por cerca de 50 minutos a 1 hora, a partir do início da pressão. Enquanto a carne está cozinhando, separe os ingredientes para preparar a salada vinagrete. Depois de higienizar os legumes, pique-os em cubinhos do mesmo tamanho. Deixe a salada picada e misturada numa tigela e tempere-a com sal, limão, azeite de oliva e vinagre. Cubra com plástico filme e leve a salada à geladeira até a hora de usar. Quando a carne estiver cozida, deixe-a num refratário dentro do forno desligado ou em outro local fechado, para que esta descanse e esfrie completamente antes de ser fatiada.
Dica: É importante fatiar a carne quando esta estiver mais fria, para que você consiga cortar as fatias com mais facilidade, sem que a carne fique esfarelando. Essa é uma das razões por que esta receita se chama lagarto frio ao vinagrete. Depois desse tempo fatie a peça de lagarto com uma faca de serra e o mais fino possível que conseguir. Comece a montagem do prato, intercalando a salada com as fatias de carne até finalizarem os ingredientes.
Dica: Lagarto fatiado de geladeira: algumas pessoas gostam de montar o lagarto fatiado dentro de um pote, em camadas de lagarto e salada vinagrete, para armazenar na geladeira.
Por Adriana Padoan