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domingo 17 novembro 2024
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Comilanças Históricas e Atuais – Eta-boiada

Sonho – 1
Eu sonhei que caminhava por uma rua paralela a praia de Copacabana. No lado direito, próximo a um restaurante rodeado à beira mar, encontrei uma exposição sobre a vida carioca, acontecimentos do dia a dia que no fim, compõem uma história. Entrei para vê-la, observá-la, senti-la, compreende-la.

O primeiro quadro, emoldurado, apresentava a foto de João Gilberto, um violão, uma batida inovadora, uma música nascida do murmúrio do coração de quem vive os dramas de uma nação; Roberto Menescal, Chico Feitosa, Tom Jobim, Nara Leão. Os ritmos subiam ao teto, retornavam ao chão, partiam em direção ao mar, viam o barquinho, a chegança da saudade, A Rosa a procura de uma mão, o samba de uma nota só, recusando as demais, um mar procurando o nada.

Há poucos passos de distância, nesse mesmo 1958, num mês de maio insonso, dei com os olhos na seleção brasileira partindo para Itália. O futebol não é o nosso assunto corriqueiro em nossos artigos, mas estava diante do alcance do meu olhar. Vi a vitória do Brasil sobre a Áustria; prestei atenção no empate do Brasil com a Inglaterra. Achei interessante a reunião dos jogadores brasileiros com a comissão técnica, exigindo a escalação dos jogadores Garrincha e Pelé. Houve bate boca, aceitação e discórdia. Em 15 de junho de 1958, Garrincha tonteou a defesa da União Soviética, os russos perderam a noção da realidade; há jogador tentando entender o que aconteceu até os dias de hoje. O Brasil jogando com País de Gales, jogo duro, pesado, bem marcado. De repente, Pelé deu um chapéu num zagueiro gigante; desloca o goleiro, e marca um gol. O mundo entrou em transe, não entendeu nada, o futebol acabara de se tornar um balé, uma arte, uma dança especial.

Sonho – II
Na chegada da noite, envolvendo as ruas com a escuridão desconcertada, Boal dava início ao ensaio da peça “Ratos e Homens” e, ao mesmo tempo promovia o Seminário de Dramaturgia, em fevereiro de 1958. Nesse mesmo ano, o público desfilou, andou, penetrou no universo grevista do operariado, com a peça “Eles Não Black Tie” de Gieanfrancesco Guarnieri.

Considerando ainda o ano de 1958, ano nascido nas ferragens de um fórceps, a população brasileira acostumara a reunir-se nas bancas de revistas espalhadas pelo país, procurando aquela que mais lhe agradava. Havia Capricho, Revista do Rádio, O Guri, Grande Hotel, Almanaque Shazam, Cinelândia, Manequim, Cigarra, Filmelândia, o Gato Felix, O Cruzeiro, Manchete.

Sonho – III
A garotada, os adolescentes vibravam com a revista em quadrinhos Shazam lançado nos Estados Unidos em 1940. A história de Shazam girava em torno de um garoto Billy Batson, um menino problemático adotado pela família Vasquez da Filadélfia. Vivendo com a família descobre que terá irmãos mais problemáticos do que ele, o que o leva a preparar uma fuga. Na fuga, usando o metro foi magicamente transportado para outro lugar. Foi parar na rocha milenar, na Rocha da Eternidade, onde um mago lhe deu superpoderes, que poderia utilizá-los sempre que usasse a palavra shazam, um homem vestido de vermelho com um raio no peito. O adolescente voava, levantava trens, destruía quadrilhas, brigava com grupos organizados, transformando-se no delírio do público de 1958.

Sonho – IV
Oswald Massaine, produtor cinematográfico precisava de bilheteria. Os seus espetáculos musicais necessitavam de grandes investimentos. A saída encontrada era escalar Mazzaroppi para mais um filme. Contratou o roteirista Vitor Lima para dirigir e montar o texto. Vitor era um homem ligado ao mundo cinematográfico e fã das histórias em quadrinhos, todas engajadas nos problemas americanos.

Sonho – V
Nasce o filme Chico Fumaça.
Chico surge como tipo do caipira do sertão. Como um Chaplin, nada tinha, uma casinha de pau- a-pique era sua posse. Uma vaquinha, sua abastecedora de leite. E o seu prazer, porque até caipira encravado nas serras tinha um prazer, e o dele era olhar a passagens dos trens que transitavam pela Estrada de Ferro Leopoldina, de onde veio o seu nome Chico Fumaça.

Vitor de Lima coloca a ação na cidade de Jequitibá. O caipira, ainda um pré-Jeca, vive na cidade, é noivo da professorinha primária, e tem uma sogra que ninguém no mundo gostaria de tê-la. Um fato marcante no filme, coisa que vem dos tempos da origem humana é o diálogo que o Chico mantém com sua vaquinha, além do amor, amizade e dedicação.

Vitor aproveita o filme para questionar a inclusão do analfabeto adulto na escola. Esse assunto ainda não passava pela cabeça dos políticos, do governo, dos projetos educacionais. Assim, Chico Fumaça estuda em uma sala de aula de crianças e, como não deixaria de acontecer, é humilhado gozado, sofre um bullying ofensivo que o isola dentro da escola.

Sonho – VI
O universo do país em transição. Chico Fumaça perde a sua casa durante uma chuva muito forte. Perde a sua vaquinha Mimosa para o Elias da venda. A despedida de Chico e da vaquinha aproxima-se das grandes cenas de amor dos filmes de Chaplin.

No mundo das perdas existe só um caminho possível, sair da cidade. Chico Fumaça parte de sua cidade acompanhando os trilhos do trem. Essa cena acontece na maioria dos filmes de Carlitos e Vitor aproveita o ângulo, a distância de filmagem, o andar da personagem, e a preocupação com a vida no lugar mais próximo. A referência e o intertexto existentes com os filmes de Carlitos, são lindos.

Sonho – VII
Chico Fumaça percebe um pedaço da linha férrea tombada sobre uma ponte. Em sua inocência corre em direção ao trem, no meio da linha, uma situação perigosa, mas consegue parar o trem e salvar todos os passageiros.

Entre os passageiros encontra-se o político Coronel Limoeiro, um homem azedo, falso, pode ser batida chamada de caipirinha, limonada, xarope, produto de limpeza. Todos esses nomes encaixam na personalidade do político.

Limoeiro pensa em apresentar o Chico, na cidade de Jequitibá como um herói local. No entanto, o político desonesto procura ampliar o mito para, através dele, angariar mais votos. Assim, leva Chico Fumaça ao Rio de Janeiro, onde receberá uma recompensa em dinheiro e, tornar-se-á um herói nacional.

Sonho – VIII
A cena do avião é hilária, o medo de Chico, o diálogo, a expressão estão em centenas e centenas de filmes estrangeiros.

Sonho – IX
O menino americano, problemático, quando grita shazam, adquire inteligência, força desumana e os fatos históricos tornam-se brincadeira. No caso de Chico Fumaça, homem simples, basta tomar pinga, cachaça e gritar: “eta-boiada”! E o caipira ganha força, heroísmo, valentia, disposição para consertar o mundo. Chico chega ao Rio de Janeiro e o filme nos apresenta a visão do Rio de 1958, uma metrópole em desenvolvimento. A cena é um valoroso documento de época. Chico Fumaça apronta no elevador, tem medo de altura. Na capital federal corre todos os cassinos da época, durante a noite. Assiste ao show de Cauby Peixoto, Trio Nagô, Mara Abrantes e Zezé Gonzaga, os ídolos da época do rádio. Nesses espetáculos Chico não abandona o seu guarda-chuva, transformando-o numa espécie de fetiche contendo poderes mágicos. Chico conhece uma vedete que o coloca em contato com uma quadrilha chefiada pelo Dr. Raposo, nome dos mais significativos. A quadrilha pretendia roubar a recompensa de Chico fumaça. No entanto Chico bebe Wisque e grita: “eta-boiada”, da mesma forma que o Capitão Marvel americano desmonta os crimes, Chico Fumaça prende a quadrilha do Dr. Raposo. O seu dinheiro, amarrado em pacotinhos estava, o tempo todo, pendurado nas varetas do guarda-chuva. Dessa maneira, interpretando o Chico Fumaça, Mazzaroppi organizava e aperfeiçoava as características necessárias para viver o Jeca Tatu.

Acordei do meu sonho, as imagens ainda voavam sobre a minha cabeça, capital federal, bossa nova, flores, revistas em quadrinhos e o aroma das comidas cariocas dançando no ar e no barzinho onde nasceu a Bossa Nova servia-se Filé a Oswaldo Aranha.

Receita

Filé à Osvaldo Aranha
Ingredientes:
Filé: 1 Kg de filé mignon; sal a gosto; 1 colher (sopa) de manteiga; 1 colher (sopa) de alho fatiado e frito
Farofa de ovos:1 colher (sopa) de manteiga;1 cebola picada;4 ovos;2 xícaras (chá) de farinha de mandioca;1 colher (sopa) de salsa picada; Sal a gosto

Arroz: 2 colheres (sopa) de manteiga;2 xícaras (chá) de arroz cozido; Salsa picada a gosto

Batata: 2 batatas fatiadas pré-cozidas cortadas em rodelas; Óleo quente

Modo de Preparo:
Filé: corte a carne em filés espessos. Tempere com sal a gosto. Derreta a manteiga em uma frigideira e doure os filés. Coloque o alho frito sobre os filés na hora de servir.
Farofa de ovos: em uma frigideira, derreta a manteiga e refogue a cebola. Junte os ovos e mexa bem. Coloque a farinha de mandioca e tempere com sal e salsinha.
Arroz: em uma frigideira, derreta a manteiga e coloque o arroz. Tempere com sal e salsinha a gosto.
Batata: frite as batatas pré-cozidas em óleo quente.

Por Adriana Padoan