I – O filme atemporal
O filme “O estranho no ninho”, dirigido por Milos Forman, embora seja de 1975, continua atual; a temática ainda caminha pelas ruas do nosso tempo e, para entendermos o seu valor, precisamos tomar contato com o autor do livro no qual o filme foi inspirado.
II – O autor
O livro foi escrito no ano de 1962, pelo escritor Kenneth Elton Kesey, um intelectual integrado a sua época, à vida efervescente no caldeirão da juventude fixada no espanto causado pela história. Kesey participou da geração Beat, um movimento nascido no meio vivenciado por escritores, poetas, músicos, boêmios que optaram pela vida nômade em busca de uma verdade abalada pela realidade da 2ª Guerra Mundial, a ideia era entender o pensamento chamuscado pelos estilhaços atômicos. Essa geração procurou compor a arte através de uma inspiração instantânea, espontânea, visível, palpável. Foram combatidos e perseguidos como párias sociais, principalmente pela polícia militar.
A insatisfação que não trazia respostas lapidadas o levou a trabalhar num hospital de veteranos da guerra. Kesey conviveu com homens movidos por traumas, medos terríveis, bloqueios, delírios e pavor. O sono vinha acompanhado das explosões, morte, tiros e bombas.
No ano de 1957, marca de uma etapa arrebatada pelo próprio perfil, kesey alistou-se para receber 75 dolares, dinheiro que a CIA pagava a estudantes de Stanfor, pela participação das experiências com a droga LSD. Os seus sentimentos transaram-se, fundiram-se, e o mundo próximo desintegrou-se. Após esses acontecimentos assumiu a monotoria de um hospício e em 1962 escreveu o romance “Voando sobre o ninho de Cucos”.
III – O Cuco e sua aventura
O ator Kirk Douglas, considerado um dos melhores atores da história do cinema, apaixonou-se pelo texto de Kesey, conseguindo comprar os direitos sobre o livro. Com a ajuda de vários autores adaptou a obra para o teatro e, o mais interessante é que Kirk Douglas interpretou o protagonista do livro.
Depois do sucesso teatral, o livro foi adaptado para o cinema, levando mais de dez anos, para que a United Artist bancasse a produção juntamente com Michel Douglas, filho de Kirk.
IV – A invasão e o conflito
O nome do livro de Kesey permite o encontro com a linguagem simbólica, com a poesia, que penetra na pele rasgando a nossa consciência. O título “Um voo sobre o ninho do Cuco” é um conjunto de palavras que nos leva ao espaço onde a vida nasce, isto é, ao ninho; todo o aspecto da metamorfose da vida se encontra nesse pequeno ambiente.
O pássaro Cuco, por outro lado, não constrói ninho próprio; ele bota o seu ovo no ninho de outro pássaro, colocando, assim, um ser estranho no contexto familiar que não lhe pertenci.
V – O filme
A tomada inicial abre possibilidades analíticas acentuadas e esclarecedoras, a câmera focaliza as montanhas de Oregon, um instante de liberdade abrangente e ao mesmo tempo, que o foco desce e centraliza-se num hospital psiquiátrico, um ambiente de clausura, separação, onde dezenas de pessoas estão isoladas, muitas por livre e espontânea vontade, pois não conseguem viver em sociedade, aceitando passivamente o rótulo de loucos. Com a chegada de Mcmurphy, um pássaro Cuco, tudo poderá mudar na história psiquiátrica.
VI – Mcmurphy
A sua ficha policial registra 5 prisões por brigas e bebedeiras, é agressivo, fala sem autorização, detesta trabalhar. O hospício é controlado por uma enfermeira chamada Ratched, desenhada como a vilã do sistema; ela é manipuladora, inflexível, fria, calculista, adora punir os internos, não aceita oposição, não sorri, não vive, não ama e nunca sentiu a poesia.
Mcmurphy, respondendo a um processo por estupro de uma menina de 15 anos, de um quadro a outro, interpreta um louco, um insano, um criminoso possuidor de todos os déficits psíquicos que um ser humano possa ter. O juiz, diante da alucinação exposta, o condena a pagar a pena num hospital psiquiátrico. O seu desempenho tinha um objetivo em alto relevo, ou seja, fugir da prisão e do trabalho.
A sua entrada no hospital exemplifica os conceitos estabelecidos pelos estudiosos da mente humana ao afirmarem que as ações de uma pessoa podem não corresponder com as crenças, caráter, personalidade que possui. Assim, fazendo um jogo, Mcmurphy entra no hospital demonstrando docilidade, serenidade, sorriso, pulando como criança, gritando um canto incompreensível, beija o guarda que lhe tira as algemas, cumprimenta enfermeiros, os internos, invade o balcão dos remédios.
A sua presença, desde o início é de subversão ao sistema. O tempo não conseguiu chegar ao final do corredor, no entanto, ele já se tornara o líder dos internos, aproximando-se, por interesse, do índio apelidado de Chefe, com os seus dois metros de altura, embora surdo-mudo.
O seu confronto com a enfermeira Ratched parte de um processo de desconstrução do sistema estabelecido no hospital, ou em outras palavras, o hospital procura invadir o tempo dos internos com remédios, terapia de grupo, assistir na televisão aos programas liberados pela instituição, conversas vagas, instantes para reflexão e choque elétrico aos descompromissados com o sistema.
VII – A revolução
Do seu jeito, de acordo com sua vivencia Mcmurphy introduz um tipo de socialização nos internos que, aos poucos, vai desfazendo a linha que separa a normalidade da loucura, criando uma imagem social, alicerçada na possibilidade de se libertar, de ser, de criar e lutar por novos objetivos. Os jogos de cartas invadem os universos sociais e o cigarro, controlado pela enfermeira, transforma-se em moeda, em capital, gerando o poder da negociação.
Em uma seção de terapia propõem uma eleição, votação democrática para assistir ao início do campeonato de baseiball; cria times de basquete; rouba o ônibus do hospital e leva os internos para ver o mar, ouvir o barulho das ondas, a vida nascida na linha do horizonte. Aluga um barco, homens até então considerados loucos transformam-se em crianças, pilotam o barco, pescam, correm no convés, sentem o vento vindo de outros oceanos para dentro de seus corpos que, repletos de felicidade, esqueceram do hospital psiquiátrico.
VIII – A noite sem estrelas
Mcmurphy leva duas mulheres para o hospital. Candy e Rose; suborna o guarda e organiza uma festa. As bebidas percorrem todas as bocas, o riso abafa qualquer vestígio de loucura. O sonho, a alegria, a vida transparente desperta no interior dos excluídos da sociedade.
O jovem Billy, gago, encolhido, esmagado por um complexo de Édipo, entra num quarto com Candy; as paredes estavam lá, a cama disposta no mesmo lugar, o vinho correndo pelo corpo de Billy. Os internos aplaudiram, riram, beberam, sonharam, sentiram o que é estar no mundo, viver no universo e na amplitude de todos os seres humanos.
Na manhã seguinte, a enfermeira Ratched chega ao hospital. Abre as portas como de costume, vê garrafas vazias sobre todos os móveis da enfermaria, dezenas de pontas de cigarro, e os internos dormiam sobre os espaços possíveis. O seu olhar, o seu rosto sugaram o ódio estocado nas entranhas da terra. Ela entra em um dos quartos, Billy está nu e colado à nudez de Candy. O jovem levanta-se, tenta disfarçar, humilha o próprio corpo, torna-se um feto abortado na terra. Ratched o ameaça, pega o seu ponto mais sensível, o seu edipianismo elevado ao grau imensurável; ela promete contar o acontecido a sua mãe. Ele penetra dentro dele mesmo, chora, grita, e acaba tirando sua própria vida, revelando o seu eu traumático e desfeito aos olhares assustados, chorosos, agoniados.
O confronto entre Mcmurphy e Ratched destrói todas as barreiras do equilíbrio humano, não há divisas entre o consciente e a insanidade, ele pula em seu pescoço aproximando-a da morte. Os guardas impedem, separam, e a psique queima seu próprio corpo no sangue da traumatologia.
Dias depois, Chefe encontra Mcmurphy sentado em uma cama mergulhada no silêncio e na solidão. Olhar fixo, parado, visão distante e sem finalidade; ele fora vítima de uma lobotomia, um processo cirúrgico que leva o homem à condição de vegetal. Chefe, chorando, passa as mãos na cabeça do amigo, beija-o, asfixiando-o com um travesseiro. A morte veio, a consciência chegou e a luz clareou a sua vida passada e futura.
Chefe, sentindo um inchaço no peito, arranca o bebedouro do corredor, atira-o sobre a janela e foge. De certa forma Mcmurphy também ganhou a liberdade, só o mundo permaneceu com suas injustiças, com a incapacidade que habita os espaços que tratam dos doentes mentais. Tudo doí, tudo é estranho, e nós, abalados, saímos de casa somente para sentir o olhar de uma estrela.
Receita
Bolinho de Siri
Ingredientes: 500 g de siri; Sal a gosto; Azeite de oliva; 2 dentes de alho picado; 1 cebola picada; 3 colheres farinha trigo; 1 colher de salsa; 1 envelope de tempero pronto para peixe; 2 limões; 1 xícara de leite
Para empanar: 1 ovo batido; Farinha de rosca; Óleo para fritar
Modo de fazer: Lave o siri com o suco de 1 limão; Tempere com o suco do outro limão, juntamente com o sal e o tempero pronto de peixe. Em uma panela refogue a cebola e o alho com o azeite doce. Misture a carne de siri ao refogado. Deixe refogando nessa mistura por mais 5 minutos. Acrescente a salsa. Dissolva a farinha de trigo no leite e a adicione ao siri. Mexa sem parar, até essa mistura começar a soltar da panela. Deixe esfriar, modele os bolinhos, passe pelo ovo batido e pela farinha de rosca. Frite em óleo bem quente.
Por Adriana Padoan