I – FILME: “El Dia Que Me Quieras?
O cheiro do bar
A fumaça do cigarro
O cheiro de Carlos Gardel
II – O tango história
Tarde de sol rasgava na ferrovia. Os navios chegavam na África para comprar os braços da força e da terra. Na cidade de Habanera, hoje Havana, os negros dançavam e cantavam. O navio bebeu goles do ritmo e da dança. No porto de Milonga, havia buracos no chão, cavados pela dança, pelos tambores, pelos corpos em movimento.
Os brancos prenderam os negros
Trouxeram-nos para o Rio da Prata
A lua do final do século XIX
Resolveu misturar tudo:
As batidas, o ritmo, a dança.
Antes que o sol falasse a primeira fala
Nos costados da Argentina
O ventre da história criou o tango.
A dança, a música, tem cheiro do candomblé
Da Habanera, da Milonga.
O tango no modernismo brasileiro, passos atravessadores do salão, saídos do coração de Manuel Bandeira:
“Pneumotórix”
“Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Manda chamar o médico.
-Diga trinta e três.
-Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
-Respire
O Senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
-Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórix?
Não.
A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
III – Cruzamento no tempo
Segundo os historiadores, a França amanhecera grávida. Alegria, dor, passos apressados, vontade de cantar uma música que não era costumeira e, nesse estado, a França deu à Luz ao menino, Carlos Gardel.
Aos dois anos de idade, depois do leiteiro passar por todas as ruas de Paris, Carlos Gardel montou numa nuvem carente e foi para a Argentina.
A sonoridade agitava a sua infância, o teatro afagava as suas veias, as imagens produzidas pelo cinema entraram em seu olhar. O seu todo artístico que habitava o seu ser, dialogava com os dias marcados nos palcos dos teatros, a voz contagiava os grandes públicos massificados, os discos vendiam como água para beber ou comida para desiludir a fome. O tango deu um jeito estranho e entrou em seu sangue, retratando-se em sua voz. A Argentina chorava a essência das lágrimas, ouvindo “Por uma Cabeza”; “Volver”; “Caminito”.
Hollywod colocou a sua imagem na sombra dos astros, das estrelas. Em 1924 faz um filme mudo, disputando as andanças com Rodolfo Valentino. Na mudança das chuvas, dos serenos, descobre que o tango poderia ser cantado e, assim, conquista o mundo. O seu rosto, a sua voz, representam o erotismo histórico da América Latina.
Os seus filmes, as suas gravações, os temas apaixonados, sofridos, arrombaram as portas das casas, parando nas cozinhas.
Em 1935, Carlos Gardel leu o roteiro escrito pelo brasileiro Alfredo Le Pera, “El Dia Que Me Quieras”, uma história nascida no estilo dramalhão, criado pela Espanha, porém movimentando-se numa das músicas que levou o seu nome e sua presença além do universo conhecido. Essa música foi absorvida pela Unesco e catalogada como “Patrimônio da Humanidade”.
O filme teve a produção do grande Robert R Snody; a direção de John Reinhart; roteiro de Alfredo Le Pera, música e papel principal interpretado por Carlos Gardel, ao lado de Rosita Moreno. Esse filme, observando a técnica de filmagem e a sequência do roteiro, pode ser considerado a semente de Love Story, um dos filmes mais românticos de 1970, a história de amor de maior sucesso da Paramount até aquele ano.
O que, em termos cinematográficos, marca o filme de Gardel de 1935, é ter sido produzido, também pela Paramount.
IV – O roteiro
O personagem Júlio é um jovem milionário que se apaixona por uma bailarina chamada Margarita. O pai de Júlio se opõe à união; não aceita uma bailarina de condição social inferior na família. Mesmo contrariando o pai, Júlio se casa com ela. Tem uma filha chamada Marga. O casal tem uma vida modesta, muito amor. Um dia Margarida adoece gravemente e falece, deixando a filha órfã; Júlio e a filha Marga se tornam famosos cantores. A história continua se repetindo, pois, o pai de Marga luta para que o amor entre Daniel e Marga tome um rumo diferente.
Carlos Gardel, mesmo tendo e realizando-se internacionalmente quer casar-se com a filha de um rico-homem de negócio. O ricaço opõe-se ao casamento. Subitamente, morre o pai de Gardel, deixando-lhe uma imensa fortuna e o casamento é autorizado.
Mesmo sendo o filme de uma época, onde o artista é completamente mistificado pelo exagero da maquiagem, a última cena marca a virada no destino e na própria vida. A câmera focaliza a lua iluminando as águas do mar. Todos os conflitos são resolvidos e Gardel canta “No Dia Que Me Quieras”.
V – “O Dia Que Me Quieras”
A marca e o carimbo que marcaram e magnetizam o tango como mensagem de um submundo, vivem dentro das palavras e na força exposta na decodificação.
O querer espelhando o futuro, a carícia, o sonho, as palavras murmuradas entre o poder dos suspiros.
A vida transmite sua existência no reflexo do olhar, a negritude da fixação que percorre a alma.
Esse mesmo riso, mesmo sendo timbrado pela suavidade, garante um amparo, o canto, acalma modificando a amargura, apagando a memória dos sofrimentos.
O dia, dentro de um tempo não aproximado, a rosa que enfeita o seu ser, vestirá mil pétalas para um dia de festa, todas pintadas com as melhores cores.
Na abertura dos elevados, os sentimentos dirão usando a linguagem dos ventos, que as fontes que jorram água no mundo, meio enlouquecidas, cantarão a história do seu amor.
No azulado do céu, as estrelas mais ciumentas olharão os raios misteriosos procurando abrigo em seus cabelos. A verdade dos astros, se transformarão em vagalumes para me consolar.
Meus leitores, o tango já nasceu histórico, a voz de Carlos Gardel foi sonorizada por um coral de anjos.
No entanto, o que o público deve ou devia saber, é que nas roupas que o tango usa, na alma de Carlos Gardel, existe um brasileiro, paulista do Bexiga, Alfredo Le Pera, que compôs os maiores sucessos de Gardel, fez medicina, jornalismo, produziu o roteiro e a letra do filme “O Dia Que Me Quieras”, e, em silêncio, espera que os brasileiros, um dia, o reconheça.
Obrigada.
RECEITA
ALFAJOR ARGENTINO
Ingredientes: 500g de amido de milho; 150g de farinha de trigo; 220g de açúcar; 300g de manteiga; 2 ovos; 4 gemas; 1 colher (de chá) de fermento em pó; 2 colheres (de chá) de essência de baunilha.
Recheio: Doce de leite a gosto; Coco ralado a gosto
Cobertura: Coco ralado
Modo de preparo: Peneire a farinha com o amido de milho e o fermento. Reserve. Bata o açúcar com a manteiga, os ovos, as gemas e a essência de baunilha; adicione a mistura da farinha e do amido de milho e misture bem. Com a ajuda de um rolo, abra a massa sobre uma mesa enfarinhada. Corte círculos de 4 cm de diâmetro. Disponha em fôrma untada e enfarinhada. Leve ao forno pré-aquecido à 180ºC por aproximadamente 30 minutos. A massa está no ponto quando levantada com a ponta da faca e ela se soltar inteira. Deixe esfriar e recheie com o doce de leite e passe no coco ralado.
Por Adriana Padoan