A cidade de Salzburg, na Áustria, amanheceu florida e ventando uma alegria quase infantil. Na casa do músico da corte, Leopoldo Mozart e da bela Anna Maria Perti, nasceu uma criança, um menino chamado Wolfang Amadeus Mozart; o menino nasceu com um olhar lancinante, um olhar procurador do sopro da vida, dos sons navegantes da liberdade sem retornos, naquele ano de 1756.
Aos 4 anos, embalado por sensações estranhas, assimilou notas musicais ditadas por um cravo; o aprendizado musical tinha, para ele, a facilidade do voo de uma borboleta; aos 5 anos escreveu um concerto para ser tocado no cravo, o “Minueto e Trio em Sol Maior”, as orquídeas renasceram num tronco de uma velha arvore, ouvindo a música da criança.
Os professores, os padres, os bispos, as mulheres que ouviram o Mozart, ainda menino, entenderam que estavam diante de uma sumidade inexplicável. Leopoldo, o pai, falou em predestinação profética. Sem pensar nas linhas que limitam o infinito, viajou com o menino para Munique, cidade com os pés no futuro. O público viu e ouviu a música nascida nos dedos reveladores de Mozart, o encantamento revelou-se nas palmas que acordaram o tempo.
O menino viajou para Viena, tocou para a imperatriz Maria Tereza; apresentou-se na Alemanha sempre com salões lotados. A corte de Bruxelas bebeu taças borbulhantes de fascínio; em Orleans e Paris, o impacto revelou-se nas exclamações, nos suspiros, nas expressões marcadas pelo delírio e admiração. Em Londres, numa tarde embebida pela neblina, Mozart tocou para corte de Jorge III; as duquesas, as baronesas, os duques e 4 besouros que voavam no teto do salão.
Nos anos de 1770, viajou pela Itália, apresentando-se em capelas, salões, escolas de música. Em Roma, cidade esculpida pelo passado, assistiu à apresentação do coral da “Capela Sistina” cantando o “Miserere”, de Gregório Allegri. A música, a beleza das vozes, a “Criação de Adão”, pintada por Michelangelo, no teto da Capela, embargaram os seus sentidos de jovem de 13 anos; as lágrimas saltaram dos seus olhos, respingando no piso da igreja, embebido pela história cantada e recantada. Mozart passou 3 meses em Bolonha, onde aprendeu os mistérios do contraponto, com o Padre Martin, admirador do jovem músico. Nessa estadia, mesmo estando com 13 anos, conseguiu uma vaga na Academia Filarmônica Bolonhesa, onde estudou composição e interpretação textual.
O seu retorno a Saltzburgo, mesmo contra a sua vontade se deu no mês de setembro. O Arcebispo, como forma de reconhecimento, promoveu-o a mestre de capela, essa promoção, por outro lado, despertou invejas, ciúmes, calúnias. Antes que as luas mudassem de perfil, Mozart entrou em um corredor estreito, para andar e amar. As humilhações e perseguições vinham do Bispo, dos funcionários e dos outros músicos.
Em 1777, acompanhado da mãe, partiu para Munique, onde conheceu o piano Stein; Mozart ficou deslumbrado com o instrumento e seus recursos. Era, segundo a mãe, uma segunda-feira, a garoa abraçara as cidades e a Europa, e Mozart compôs “Sonata para Piano em Dó Maior”, um frenesi movimentando o ato de criação. Em 1778, durante uma apresentação, sua mãe Anna falece em Paris.
Vivendo em Saltzburgo, após a morte de sua mãe, recebe uma encomenda de Munique, para escrever a ópera “Iome Idameneo”. De Munique, posteriormente a uma discussão com o Senhor Bispo, parte para Viena. A sofisticação da cidade, a elegância, a música e a cultura conduziram Mozart a impulsionar a vida e a criação. Em 1786, no esplendor dos teatros, dos salões musicais, compôs “O rapto do Serralho”, “As Bodas de Fígaro”, sonatas para piano e inúmeras músicas de câmara. Conhece a fama, a popularidade, e a jovem Constanze Weber, de 14 anos. A paixão de Mozart, o amor encantando os seus delírios criativos, levaram o casal ao altar. Viveram momentos felizes e desesperados, tempos de fartura e de miséria.
Em 1787, o imperador José II, reconheceu o valor de Mozart, destinando uma pensão anual ao compositor. É o ano de “Dom Giovanne”, e tantas outras criações. “A Flauta Mágica” encantou Viena, a Europa e o mundo; “A Clemência de Tito”, contagiou pela beleza e profundidade temática. Em 1791, o senhor Walsegg Stupach, encomendou a Mozart um “Requiem em Ré Menor” para oferecer a mulher falecida há alguns meses. Ele compraria a música, assinaria a autoria, realizando, assim, o seu desejo de homenagear a esposa.
Na hora da meia noite, uma ave rodeou a torre da igreja, num voo lento e prenunciador. Mozart, encolhido em sua cama, morria no meio de um sonho repleto de orquestras, corais, dançarinos, anjos, crianças, e aves de todas as cores. Em sua vida compusera mais de 600 obras, vivera 35 anos, mas, pela parte ativa do destino, não terminara o Requiem encomendado pelo senhor Stuppach.
Seu corpo foi velado na Catedral de Viena, sem pompa, sem gala, sem música; o seu corpo foi enterrado em uma vala comum no cemitério da Igreja de São Marx.
Após a sua morte, por um problema de xenofobia do povo austríaco, surgiu uma lenda nas ruas de Viena que, como sempre acontece no mundo dos mitos, correu o universo, apoiada pelos comentários, pelo teatro e cinema. A lenda diz que o músico Salieri, um artista que viveu no mesmo ambiente, na mesma época de Mozart, sentindo incontrolável inveja da genialidade do compositor, o teria envenenado.
Salieri fora professor de Shubert, Leszt e Beethoven; autor da ópera que inaugurou o Teatro Della Scala de Milão, era italiano e, por isso uma presença inaceitável no universo musical germânico.
Em 1830, após alguns anos da morte de Salieri, o escritor Puschkin publicou um drama, em forma de poesia sobre a relação de Salieri e Mozart. Em 1979, o teatrólogo Peter Shaffer escreveu a peça “Amadeus”, retomando a relação entre Mozart e Salieri, transformando o assunto num sucesso mundial.
O cineasta Milos Forman, em 1984 dirigiu um filme épico do gênero biográfico, em cima da peça de Peter Shaffer, que produziu o roteiro para o cinema sobre a lenda que envolveu os dois músicos.
No filme de Forman, Salieri, já bem idoso tenta o suicídio, massacrado pelo arrependimento de ter destruído Mozart. No hospital-manicômio, Salieri confessa a um padre a sua vida na corte, nos palcos, nos teatros, e seu relacionamento com Mozart e o que o levou a matá-lo.
O filme, sendo narrado pelo velho Salieri, transforma-se numa atitude artísticas das mais belas na história do cinema, na medida em que se coloca o autor da tragédia para narrar, detalhe por detalhe, a agonia e o desenvolvimento alucinante da inveja, a sua gradação até o clímax de sua insuportável existência.
Assim, depois de falarmos sobre Mozart e Salieri, chamamos a atenção dos nossos leitores para, ao assistirem ao drama Amadeus, observem com atenção a cena que Salieri, no caminho da loucura, revolta-se com Deus, discute com Deus, e o seu rosto, a sua voz, a sua boca diz: “de agora em diante, somos inimigos”. O diretor Forman, genialmente, nos apresenta, também, o processo que movia a criação de Mozart, a música brotava-lhe da observação das coisas mais naturais do mundo, podia ser um sorriso, um grito, ou o movimento de uma bola de bilhar.
Outra cena que, magistralmente penetra no interior do público está no momento em que Salieri vê Mozart pela primeira vez, correndo atrás de uma garota, e, na sequência, deitado com ela no chão. O pensamento de Salieri ultrapassa todos os limites existentes entre o “eu” e o “outro”. O grande músico da corte projeta o seu espírito de observador: “Aquele garoto obsceno engatinhando no chão, era Mozart”. Observe também quadro a quadro o trabalho magnífico dos montadores do filme Michael Chander e Nina Donevic, nada nos cansa, tudo é perfeito. Os figurinos montados por Theodor Pestek, valorizam o enredo; a maquiagem do velho Salieri e de Mozart doente, entregando lentamente sua vida, são notáveis. O trabalho do ator Ton Aulce, encarnando Mozart com dinamismo, energia, alegria, e o riso que divide o mundo em dois polos: o mundo dos gênios e o mundo das pessoas normais.
Bom filme a todos; Mozart passou pelo mundo, andou pelos caminhos de Veina, e, sem pedir licença, entrou em nossa casa.
Receita
Camafeu de Nozes
Ingredientes: 1 lata de leite condensado; 200 gramas de nozes moídas, 3 colheres de chá de manteiga, 1 embalagem de fondant.
Modo de preparo: Em uma panela coloque o leite condensado, as nozes moídas e a manteiga. Cozinhe até desgrudar da panela. Retire do fogo e coloque em um refratário. Deixe esfriar de preferência de um dia para o outro. A seguir, unte as mãos com manteiga e enrole bolinhas com porções da massa. Pressione levemente com a palma da mão para achata-la. Banhe no foundant (prepare conforme a embalagem). Decore com nozes. Acomode em uma assadeira untada com manteiga e deixe secar.
Por Adriana Padoan