Sempre achei que havia um namoro muito sério entre o cinema e a história, entre a vida e o sonho, entre a emoção e a realidade, entre a moça triste que invade o escurinho das salas de projeção de filmes mastigando uma barra de chocolate, deixando as lágrimas escorrer pelo rosto, enquanto James Dean caminha solitariamente por qualquer rua do mundo, ou Chaplin dançando na escuridão da noite, para uma lua flagelada por sua própria aventura.
O cinema é um abraçador profissional, seus braços envolvem a música, o teatro, a literatura, a fotografia, nossos olhos, nossos sentidos, nossos corações. Uma hora cheia de estrelas nos céus; durante uma fase em que alguma coisa, além do sentido mais secreto do meu ser, desejou movimentar-se, revolvi assistir ao filme “Patch Adams – O Amor é Contagioso”, eu tinha a certeza que o filme em questão queria manifestar-me alguma ocorrência acontecida no mundo, a interpretação dos giros que a existência costuma dar nos devaneios humanos.
Entrei na fila, adquiri o ingresso, comprei um saco de pipoca, sentei-me no meio da plateia e o filme começou. Um homem chamado Patch Adams surge na tela, rosto marcado por fundas desilusões, olhos esgotados, cansados de viver, andar sem direção calculada, um suicida desejoso de sair da vida, do mundo, do pequeno planeta. No entanto, seu pensamento decide prolongar a existência, e Patch interna-se voluntariamente num hospital psiquiátrico, um espaço comprometido com a recuperação da essência da alma, da busca do significado da continuidade e da esperança.
Os médicos parecem pedaços de um deus qualquer, não há vontade transparente, são seres apáticos, distantes da realidade, são frios como o perecimento da ciência adormecida. Falam com os doentes tomando café, escrevendo, lendo, pensando no aniversário da filhinha de 15 anos. Patch assusta-se com a falta de vontade dos médicos, dos funcionários, do ambiente em si. Ele, porém, sonha, procura entender os problemas dos pacientes e, assim, ajuda o seu colega de quarto, ampara os desamparados, coloca o riso no rosto dos melancólicos, espalha esperança nos olhares perdidos e opacos.
A lua ainda estava no céu, quando Patch resolve abandonar o centro psiquiátrico, para estudar medicina, apoiado por um único desejo – ajudar o próximo, aqueles que foram afastados dos seus objetivos. Entra na Universidade de Estudos Médicos, transforma-se num dos melhores alunos do curso superior. Os métodos da Universidade são completamente ortodoxos, os professores procuravam endurecer as emoções dos profissionais da saúde, insensibilizar as práticas médicas, impor respeito para obter a cura.
Patch, andando nos gramados da escola, desloca o seu pensamento em direção a outro mundo, um pedacinho de chão onde os doentes sejam acolhidos, que os seus repertórios históricos sejam conhecidos e estudados, que o todo biopsicossocial seja objeto de averiguação. A saúde não pode ser um mapa material sem doença, mas um mapa contendo todos os círculos humanos, idas e guinadas, rotas e mudanças de caminho. O médico, por outro lado, pode comer uma fatia de rocambole recheado com um pouco de capacidade interpretativa; pode saborear uma fatia de brioche banhada em riso; ou um empadão entupido de teatro, arte circense, gestos carinhosos.
Mesmo não podendo, Patch visita o setor infantil das crianças vitimadas pelo câncer. Todas são carequinhas, tristes, olhares medrosos e distantes, a esperança veste a roupa da fraqueza e solidão. Ele coloca um nariz de palhaço, uma crista de galo usando uma luva cirúrgica na cabeça, canta, dança, conta piadas, faz mágica com as mãos e descobre o nome de cada criança. As crianças vão erguendo os seus corpos, ajoelham-se na cama, riem, e a doença se assusta, se debilita, fica deprimida.
Em outra aula, visita o setor geriátrico, maquia-se, canta as músicas do ontem, brinca com as senhoras, com os senhores, ouve as suas histórias, inventa lendas possíveis para contar-lhes, decora o nome de cada um deles, e a humanização veio galopando um desejo retraído há tempos; uma senhora linda e simpática, sonhava em pular em uma piscina cheia de macarrão.
Nas aulas normais e ortodoxas, os médicos professores continuavam a nomear os pacientes de acordo com a enfermidade de cada um, sem olhar-lhes os rostos, sem expressar qualquer sentimento, sem ao menos dizer: “Bom dia!”. Aos poucos, usando muita observação Patch desmonta, em sua cabeça, o sistema cruel e burocrático dos hospitais, a impessoalidade da medicina, o abandono da dignidade do paciente, o descaso com o emocional, a sensibilidade jogada no canto dos quartos.
No terceiro ano, com a ajuda dos seus amigos e de sua amada, Patch monta um pequeno “Hospital Solidário”, um projeto que desintegra a burocracia, as normas nascem durante os tratamentos, há uma tentativa de isolar o sofrimento do outro, o sorriso e a alegria fazem parte do processo de cura.
No pequeno hospital o médico não é o profissional que tem como única missão evitar a morte, ele também deve melhorar a qualidade de vida do doente. A meta do projeto tem como ponto de partida a entrevista com o paciente, tratá-lo como amigo, cuidar bem dos profissionais que amparam o ato médico, como as enfermeiras, ensinar e aprender com todos, medicina com fé e compaixão. Para compor a trama do filme, a namorada de Patch é assassinada por um paciente neurótico, fato que o abala emocionalmente, o seu espirito encolhe-se, chora o que existe para ser chorado, sente a dor do universo desmembrado, mas levanta-se num gesto continuo, o caminho continua ligando pontos afastados, é preciso retomar as lágrimas que marejaram a aspiração brotada no calor do sol.
A formatura aproximava-se, os alunos antecipavam, mentalmente, o final do curso. A alegria fundia-se ao cansaço, ao esgotamento, à esperança nos dias que ainda não haviam nascido. Nesse momento de tensão Patch recebe uma carta do reitor Walcott, expulsando-o do curso e da Universidade, por insolência, despreparo, ignorância, curandeirismo.
Havia um aluno no curso de medicina chamado Mich, um estudante brilhante; no início do filme chega a denunciar Patch por uso de cola nas provas, uma denuncia motivada pela inveja, concorrência. Aos poucos, porém, passa a entender o projeto, os sonhos, a missão que, por algum motivo, foi colocado nas mãos e coração de Patch. Esse aluno, nesse instante crítico, auxilia e orienta Patch a apelar para a Junta Médica Estadual que, nos Estados Unidos, fiscaliza, recebe denuncias, apura a verdade, nos cursos de medicina.
No dia da audiência, o salão estava abarrotado, tomado por alunos, funcionários, pacientes, curiosos, defensores e opositores das ideias de Patch. A junta responsável pelo processo lê os termos da apelação, as causas, as justificativas, os compromissos assumidos, passando, em seguida, a palavra ao aluno em julgamento. A defesa de Patch é uma poesia em nome da humanização da ciência médica, e um grito de liberdade do profissional médico e o seu direito de penetrar no jardim misterioso que existe dentro de cada doente. Na defesa, término de um drama, Patch diz: ”Senhor quero ser médico de todo o meu coração. Quero ser médico para ajudar o próximo… quero dedicar a minha vida a isso. E, hoje, seja qual for sua decisão, juro por Deus que serei o melhor de todo o mundo. Podem impedir que eu me forme, podem me negar o título e a bata branca, sei que vencerei, porque sou um homem livre”
O filme terminou. Havia pessoas chorando. Eu também chorei; chorei porque vi a justiça sustentar uma boa ideia, apoiar um homem que colocou a emoção à frente do status, da imponência, pela primeira vez. Sai do cinema, uma chuvinha fina dançava sobre a rua, um menino comia um algodão doce colorido, uma folha amarela soltou-se de uma árvore, e a vida seguia o seu curso, calmamente.
Assim, nasceram os Palhaços da Alegria; comedores de rocambole, brioches e empadão.
Rocambole de carne moída
Ingredientes
Massa: 500 gramas de batata cozida e espremida; 3 gemas; 4 colheres (sopa) de trigo; 1 xícara de queijo parmesão ralado; 2 colheres de sopa de leite; 4 claras em neve; 1 colher de sopa de manteiga; sal a gosto.
Recheio: 500 gramas de carne moída; ½ cebola picada; 1 dente de alho amassado, ½ pimentão vermelho picado; sal, azeite, pimenta do reino a gosto
Molho: ½ cebola picada; 1 dente de alho amassado; 200 gramas de tomate pelado; sal, azeite e cheiro verde a gosto, queijo parmesão ralado e folhas de manjericão a gosto.
Modo de fazer:
Massa: Misture as batatas e as gemas, junte aos poucos o trigo alternado com o leite, adicione as claras em neve, o sal, e o queijo ralado, misture bem. Coloque numa assadeira retangular untada e leve ao forno a 180 graus por cerca de 30 minutos. Tire do forno e vire sobre um pano úmido, coloque o recheio sobre a massa, enrole com a ajuda do pano e cubra com o molho. Finalize com queijo parmesão e folhas de manjericão.
Recheio: Refogue no óleo o alho e a cebola, adicione a carne e o pimentão e continue refogando. Acerte os temperos.
Molho: Refogue o alho, a cebola, adicione o tomate pelado e acerte os temperos.
Por Adriana Padoan