I – Espanha
Terra de lendas, aventuras, lutas e conquistas. Ao lado de Portugal, desbravaram os mistérios de um mar inquieto, descobriram novas terras, novas culturas, e povos com a pele encostadas no sol.
Nos bairros pobres de Madrid, nas ruas escuras de Andaluzia, os violões, as guitarras, o canto dos ciganos que atravessaram os séculos agitam a suas cordas, os pés dançam nos coros da terra nua, levantando a poeira do chão, os sapateados, as palmas, marcam o ritmo do flamenco e, segundo dizem, até a morte acorda de um sono milenar para, novamente, penetrar na vida.
II – A literatura
Os personagens que povoam as páginas dos contos, das lendas, são arquétipos que encantam o mundo. No século XVI, época das grandes vitórias sobre o universo de água salgada, Tirso de Molina escreveu a saga de Don Juan, o sedutor que galopava as noites, desafiando a lua, para seduzir a filha de um nobre homem espanhol que, por descuido, permitira que a filha vivesse a beleza das estrelas, pelos vãos de uma janela aberta. Ele, com o peito embebido em paixão, escalou as paredes do casarão, falou-lhe versos que a própria língua desconhecia. Seduziu a moça usando o seu ímpeto, a sua liberdade, a poesia sonhada pelos poetas. O pai, procurando defender a filha, sentiu o seu corpo ser atravessado por uma espada perdida nos desconsertos que agitam a vivencia dos mortais.
Em sua fuga, carreira sem limites e distancias, parou num cemitério de beira de estrada. Sobre um túmulo sombreado pela escuridão o conquistador deparou-se com uma estátua, uma imagem estática sobre sua própria história. Era a escultura do pai da jovem que seduzira; o mesmo homem que morrera tentando defender a honra da filha.
Embora o medo, invadisse o corpo, convidou o fantasma que estava sobre o túmulo para jantar com ele. A estátua parecia antecipar o final da vida de Don Juan; o fantasma procurava acompanhar os movimentos desesperados do sedutor. Por fim, depois da passagem de uma estrela errante pelo céu, a estátua estendeu-lhe a mão, solicitando-lhe o cumprimento entre os grandes amigos. O fantasma aperta-lhe as mãos, os braços, o corpo e, antes que a verdade entrasse pelos seus olhos, foi arrastado para as profundezas do inferno.
III – As diferentes versões
O conto “El Burlador de Sevilha” surgiu no desandar do ano de 1620. Ele era um jovem bonito, garboso, cantor das noites sem princípio e afastadas do fim. Usando máscara no rosto, seduzia as mulheres fingindo ser seus namorados, amantes ou maridos. Grande parte das vezes jurava-lhes amor eterno, prometia casamentos fantásticos, maravilhosos. Os seus caminhos ou por onde passava, deixava centenas de corações partidos, agoniados, martirizados por marcas de um amor inexistente.
Em uma de suas conquistas, enquanto jurava fidelidade permanente a uma jovem, matou o pai, um homem de bem chamado Don Gonçalo. Meses depois, ao atravessar uma praça deserta, encontrou-se com o fantasma de Don Gonçalo. Este, vivendo um tempo em outra dimensão o convida para jantar numa catedral que ficava no centro da cidade.
O jovem sente seu corpo amortecer os nervos, no entanto, para mostrar coragem, bravura de um conquistador barato aceita o convite. A sua covardia surge na quentura de sua pele, no fundo do seu coração sabe que é um homem cruel, mas procurando manter a fama que antecede as suas viagens, aperta as mãos do homem que assassinara, morrendo de medo, terror, fraqueza.
IV – 1844
Em 1844, o escritor José Zorilla cria o personagem Don Juan Tenório, um Don Juan envelhecido, amigo de Don Luis, ambos narrando as suas aventuras amorosas, as seduções que percorreram as ruas da Espanha, as casas pobres ou ricas, as palavras que se perderam no espaço e no tempo.
Os dois, em meio as loucuras vividas por cada um, propuseram um desfecho, ou seja, quem conquistaria a mulher que representasse a alma mais pura de toda a Espanha. A mulher devota ao amor e a Deus. Don Juan Tenório conquista Dona Inês, noiva de Don Luis. Na paixão vivida com Dona Inês, Don Juan Tenório encontra o seu verdadeiro amor e a vingança executada por Don Luis.
V – O filme “Don Juan de Marco”
Estamos falando de cinema, de imagem em movimento, uma releitura da alma romântica da Espanha. O filme é de 1995, produzido por Frances Ford Coppola. A direção é de Jeremy Leven, que também produziu o roteiro. O ator Johnny Depp interpreta o jovem sedutor; Marlon Brando representa o cansado psiquiatra Jack Mickler e a brilhante Faye Dunaway atua na apresentação da desencantada esposa do psiquiatra.
Um rapaz, usando uma máscara negra, ameaça se jogar do alto de um edifício. O trânsito se congestiona, centenas e centenas de pessoa tumultuam as ruas, avenidas, o ambiente. O jovem John Arnold de Marco acredita ser Don Juan, o lendário sedutor de mulheres perdidamente apaixonadas. O motivo do suicídio vai na contramão do mito literário, da lenda, da imaginação dominadora do século XVI. Don Juan perde seu verdadeiro amor, a mulher que invadiu o seu corpo roubando-lhe o coração. A questão que se apresenta não está ligada ao medo, a covardia, ao assassinato, à culpa, mas a depressão, a doença do século XX.
O psiquiatra Jack Mickler, faltando 10 dias para sua aposentadoria, um dos maiores especialistas do seu tempo que, na releitura das histórias que formata a vida, passara a sua existência ouvindo narrativas de amor, paixão, traição, infidelidade, depressão, é chamado para salvá-lo.
O velho psiquiatra sobe até onde o rapaz está, usando uma escada magirus. Os dois se encontram, olham-se profundamente, a voz do psiquiatra penetra como uma lâmina na consciência do suicida. Por outro lado, a narrativa do jovem, as descrições amorosas, a força das histórias e a sedução revigoram a alma do velho psiquiatra, o sedutor de universos desfeitos, traumáticos, imaginados, doentes, agoniados e depressivos.
VI – As duas faces da moeda
Don Juan de Marco, o homem que acreditou e viveu as realidades de um mito, de uma lenda, será o último cliente do famoso psiquiatra. Durante o tratamento, ambos se envolvem com realidades opostas, reais, nascidas no interior de uma verdade revelada pelo sonho de cada um. Don Juan seduziu mais de 1000 mulheres, revelou-lhes histórias possíveis, mas distantes da presença e do estar no mundo. No entanto, uma das mulheres despertou-lhe o seu avesso, o seu desejo e realização. O psiquiatra passou a vida ouvindo problemas alheios, sem, por outro lado, ouvir as verdades de sua mulher, de sua esposa, sempre relegada ao segundo plano.
O psiquiatra, usando a sua experiencia, convence Don Juan de Marco a não se matar, a lutar pela mulher que ama. No interior do velho psiquiatra, a lenda contada pelo jovem, refaz-lhe o jeito de ser, de amar, de viver o mundo sem as suas obsessões. A beleza do filme está na complementação das experiências humanas, a loucura que acompanhou os dias de Don Juan de Marco preencheu o vazio do mundo vivenciado pelo psiquiatra que alivia as dores dos outros, porém, ocultando, em grande parte, suas próprias dores.
RECEITA
QUEIJADA PASIEGA
INGREDIENTES: 1 Kg de queijo fresco de vaca, 4 ovos, 100 g de manteiga, 100 g de farinha, 250 g de açúcar, meia casca de limão ralada e canela em pó.
MODO DE FAZER: Bater os ovos com o açúcar e a manteiga derretida. Triturar o queijo fresco com a raspa do limão e um pouco de canela em pó. Acrescentá-lo aos ovos batidos, misturando bem até conseguir uma massa homogênea. Incorporar a farinha pouco a pouco, amassando com as mãos. Quando a mistura tiver absorvido toda a farinha, verter em um molde refratário para torta (não deve ter mais de 3 cm de altura). Levar ao forno a 200º C durante meia hora, até que a superfície esteja dourada e a massa se solidifique.
Por Adriana Padoan