I – O ano de 1995
Os representantes da ONU reuniram-se por horas, dias, semanas; as palavras e os discursos foram gravados pela camada atmosférica. No final dos debates, declararam o ano de 1995, como o momento ideal para que o mundo destinasse a data, mesmo sendo uma nomeação simbólica, dia da tolerância entre os homens. Não sei, e as vezes me calo, por não ter a mínima certeza se as mulheres, as crianças, os idosos, estão inclusos nessa homenagem.
Em outro espaço do mundo, num lugar destinado à arte, os diretores de cinema Francis Ford Coppola, Michael De Luca e Fred Fuchs tiveram a ideia de visitar a literatura espanhola, em sua grandiosidade, e restabelecer, num filme, o personagem, o mito, de Don Juan, e o seu olhar colado nas costas da lua. O roteiro, via de mão dupla, ficou sobre a responsabilidade de Jeremy Leven. O nome do filme nasceu de um suspiro, de um olhar nas noites que rondam as ruas de Sevilha, uma esquina meio sombria, mas de Don Juan De Marco. Os atores convidados resultaram da epopeia cantada pela própria história cinematográfica: Marlon Brando, Johnny Deep e Faye Dunaway. Foi assim, exatamente assim, que tudo começou.
II – Um breve afastamento
Os gregos, naquele instante, estavam preocupados com a filosofia, com o logos, ou seja, com o conhecimento, o desvendamento das ideias que virão. Antes da empreitada, porém, resolveram ouvir os relatos das aventuras do povo, as narrações contadas as libélulas, as fábulas, as tradições que atuaram no pensamento de gerações.
Essas histórias da realidade humana possuíam marcas insondáveis que, no processo de contar enredos, misturaram o homem, a natureza e a vontade dos deuses. O evento mais relevante, mais áspero, pela beleza ou rusticidade criava um totem chamado mito, um representante da evolução humana que, por razões que circulam a realidade e a fé, não deve ser tocado.
III – A criação de um mito
Havia um Frei na Espanha chamado Gabriel Tellez, vivendo as loucuras do século XVI. Descobertas marítimas, questionamentos religiosos, os avanços da matemática, da cartografia, dos amores, paixões, impérios corroídos pelo caldeirão onde se fervia a sexualidade. A chuva começou a cair no mar, do mar correu para a terra e para os mosteiros. O Frei dentro de sua cela, escreveu uma história adentrada na construção do personagem Don Juan, El Burlador de Sevilha e El Convidado de Piedra. Não existem teses nem justificativas, mas o frade assinou o texto como Tirso de Molina, um pseudônimo. A palavra pseudônimo vem do grego carregando o sentido de: “Aquele que usa ou dá nomes falsos”.
IV – O Juan de Tirso de Molina
Don Juan de Tenório é um homem sedutor, conquistador, libertino, bom amante, amante irresistível, seduziu centenas de mulheres falando de amor, casamento eterno, até o final da vida. Na tristeza do sol, partia para terra desconhecidas e, nesse desaparecimento ia mutilando corações, almas, essência da verdade do existir.
Em um tempo qualquer tenta seduzir Donna Anna. Jovem de família nobre, crente, simples. Don Juan é descoberto pelo pai da moça, o Comendador. Este, furioso, jura vingança, desafiando Don Juan para um duelo. Madrugada, brilho das espadas, gemidos, urros, abafamentos. Don Juan mata o Comendador que, no momento da morte fixa o seus olhos no rosto do sedutor.
Chove muito, os olhos não enxergam os pedaços da vida. Don Juan esconde-se num cemitério sob o túmulo do Comendador. No túmulo há uma estátua que ganha movimentos, voz e dá um recado a Don Juan: “Tu serás punido pelos seus atos”! Don Juan debocha, ri, humilha, e convida a estátua para um jantar.
O mito tem em si o inesperado e a estátua ganha vida, comparece ao jantar, dá um aperto de mão em Don Juan, aperto tão forte que os seus ossos de diluem e de forma justificável leva Don Juan ao inferno.
V – Don Juan de Marco
Um dos maiores psiquiatras de todos os tempos considerado o nível limite de sua especialização, está se aposentando. Faltam apenas 10 dias. Não há dúvida que, em termos profissionais, estamos diante de um mito intelectual.
Don Juan De Marco realiza uma conquista em um restaurante, falando tudo o que a mulher queria ouvir. O jovem Don Juan veste as mesmas roupas do século XVI. Usa uma capa para dominar o vento e, ao mesmo tempo, misturar-se com a morte. Usa uma máscara do tipo zorro, solicitação do seu ego, para fortalecer a personalidade desenvolvida pelo seu inconsciente. É com a mascara que consegue interagir com o mundo. Muitos riem de suas roupas, mas as mulheres veem-no com admiração, coragem, atitude, e promove o despertar do desejo.
Depois dessa conquista, sobe num local bem alto, acima de um outdoor, trazendo a foto de uma mulher de “biquine” que usa uma máscara idêntica a dele. Daquela altura, Don Juan anuncia o seu suicídio, por amar uma mulher, que vive na ilha de Eros mas não o aceitou.
O psiquiatra entra em cena, subindo através de um guindaste dos bombeiros. A chegada do médico, um mito, bate os olhos no outro mito: ”Você é o Don Juan, o grande Don Juan? E você quer tirar a sua vida por que”? Os dois descem no mesmo guindaste tomando caminho para o Hospital Estadual de Woadhaven.
VI – O doutor
O doutor Jack Mickler desde a subida no guindaste dos bombeiros, os primeiros diálogos com Don Juan, o psiquiatra se apresenta como Don Octavio Del Flores, identificando-se com o mundo do paciente, não deixando também, de ser uma máscara.
As seções psicanalíticas transcorrem dentro do plano traçado pelo “super médico”. O cliente afirma ser o verdadeiro Don Juan. O distúrbio parece, numa primeira sondagem, representar uma apropriação da personalidade de uma lenda. A revelação surge diante da lentidão do tempo. Don Juan era filho de Don Antônio Garibaldi, vendedor de remédios, que se mudara para o México. A noite estava estrelada por desejo próprio, o terraço de uma casa de pouso coberta de flores. Antônio, fixa o olhar nas proximidades de uma coluna, vê Dona Inês Santiago de San Martin e o seu coração explode de paixão.
Eles se abraçaram na louquidão,
Da noite iluminada.
Beijaram-se como poucos,
Se beijam nessa vida.
O coração batia e doía.
Ele era um brilhante dançarino.
Três dias depois, na onda de todos os beijos,
Casaram-se.
Era um campo aberto, a mataria vestia todos os pedaços de terra. O silêncio não tinha dono, e Antônio foi morto por um espadachim para defender a honra de Dona Inêz. Ele, nessa tragédia tinha 16 anos e já se chamava Don Juan.
Ele correu estradas e cidades, conquistou mil mulheres, todas buscando revelações que os violinos cantaram em forma de música. O seu caminhar estancou-se na ilha de Eros, onde conhecera Donna Anna que, pela sua formação não cedera a ele. Mas, de qualquer maneira ficaria aguardando o seu retorno, desgrudado da lenda do mito.
Don Octavio Del Flores o ouvia atentamente. Suas palavras avançavam por teorias pensadas e escritas por grandes estudiosos. A voz de Don Juan, no ponteiro dos segundos, avisou o médico que lhe tiraram a mascara que usara desde os 16 anos, na morte de sua mãe, extraíram-lhe de uma forma diferente; mas fez com que o psiquiatra lembre-se da adolescência, na intimidade que morava em seu ser. O cheiro da esposa renasce em seu corpo; o amor retorna descaradamente. As brincadeiras sobre as cobertas, os beijos, o sexo abrindo-se como um girassol atuando de forma inexplicável no psiquiatra. Os dramas de Don Juan começam a reconstruir a vida de Don Octavio.
VII – Don Juan – a narrativa
Ele teve um caso com sua professora primária. O marido dela Don Alonso espalhou que tivera um caso com sua mãe Inêz. O pai Antônio luta com Don Alonso e morre em combate. Don Juan luta com o marido a professora e o mata. Fugindo do crime que praticara ele entra num navio, que é sequestrado por um Sultão. Tem um caso com a mulher do Sultão. Para garantir a vida de Don Juan, ela o veste de mulher e o coloca no harem com 1500 mulheres.
As histórias fazem um giro na cabeça do psiquiatra que, através do mito de Don Juan o seu casamento é refeito e a vida continua como começara. Ele tem poucos dias para curar Don Juan, para libertá-lo do mito.
VIII – A presença da avó
O psiquiatra localizou a avó de Don Juan e pretende ouvi-la. Durante o interrogatório a avó diz: ”meu senhor, o pai de Don Juan morreu num acidente de automóvel. O casal nunca se dera bem; ela o traia com quem surgisse do tudo e do nada. Ela, Dona Inêz decide entrar para o convento procurando fugir e pagar pelos seus pecados”.
O grande profissional, o mito da medicina, olha através da janela do hospital, as vésperas de se aposentar. Ainda resta uma sessão com Don Juan De Marco. O conquistador, o devorador de mulheres, olha para o médico e diz: “vejo com toda clareza desse universo que o hospital psiquiátrico é a sua vida, era a sua casa e você é tão grande amante como eu, você ama o interior, os conflitos, as temperaturas altas”. O médico, nesse momento, cura Don Juan De Marco, a verdade de sua vida brotou como botões de orquídeas. Ele, por outro lado, redescobriu o casamento, a existência, o amante que pode estar fora do hospital. Os três tomam o avião, passam por cima das nuvens, não sentem que o azul do céu é tão distante.
Dom Juan De Marco fica na ilha de Eros e reencontra a sua Donna Anna. Ele e a esposa hospedam-se num grande hotel. Antes que os anões do relógio e do tempo batam meia noite, ele dança com a esposa uma valsa que, durante o convívio, esconderam numa gaveta.
IX – As cantigas de rodas
Cantadas e dançadas por todos que trabalham com os porquês das coisas:-Michel Foucault-Don Juan, infrator das regras, pula para lá, pula para cá. Ladrão de mulheres, sedutor, insulto aos maridos do país. Três pulinhos… troca de par… Fora da lei. Há dentro dele algo que arrebenta, sua morte é a sua vingança. Entrar no garrafão… entrar no garrafão…
Freud entrou na brincadeira, está suando as suas palavras ao dançar. Don Juan preso na fantasia edipiana. Sentar e escorregar, sentar e escorregar. Ele é alvo da paixão materna. Pular, pular, pular. Ele é imaturo, narcisista, delirante. Don Juan procura a mãe em cada mulher. Mamadeira, mamadeira. Seu eu inconsciente foge, grita e grita: incesto, incesto. A relação amorosa sofreu desvio. O amor também se desviou. A rejeição abraçou a rejeição e todos passaram a dançar: um para lá, dois para cá. É assim que eu vejo Don Juan, o conquistador.
RECEITA
CHILLI – FEIJÃO MEXICANO
INGREDIENTES: 1 kg de carne moída (patinho); 250 g de feijão rosinha; 250 g de feijão rajado; 250 g de feijão roxinho ou carioquinha; 4 tomates médios sem casca, muito bem picadinhos ou batidos no liquidificador; 1 caixa de 520 g de polpa de tomate; 1/2 pimentão vermelho cortado em cubos pequenos; 1/2 pimentão amarelo cortado em cubos pequenos; 1/2 maço de coentro; 2 cebolas médias bem picadas; 6 dentes de alho bem amassados; 2 pimentas vermelha (fresca), sem as sementes; 1 colher (café) de cominho; 1 litro de água fervente; sal a gosto; muçarela ralada a gosto; nachos de milho ou pão italiano.
MODO DE PREPARO: Cozinhe todo o feijão em uma panela de pressão por 15 minutos (15 minutos de pressão). Escorra todo o caldo e reserve apenas o feijão cozido. Em uma panela grande doure o alho e a cebola em óleo ou azeite. Acrescente a carne moída, sempre mexendo para deixá-la soltinha. Cozinhe por 5 minutos. Adicione os tomates sem pele picados (ou batido no liquidificador), a polpa de tomate, o pimentão, o coentro, o sal e a pimenta vermelha. Deixe cozinhar por aproximadamente 3 minutos. Acrescente o feijão. Acrescente a água fervente a seu gosto, para deixar mais seco, menos água, para deixar mais molhado (para comer com pão italiano, por exemplo) coloque mais água. Acerte o sal. Deixe cozinhar de 15 a 20 minutos em fogo baixo e com a panela tampada. Mexa com certa frequência e não deixe o feijão ficar muito cozido. Sirva bem quente em pratos fundos ou cumbucas de sopa. Salpique mussarela ralada por cima. Para acompanhar, nachos de milho ou pão italiano e uma boa taça de vinho.
Por Adriana Padoan