I – FRIO E TURBULÊNCIA NA ALMA
Era uma tarde de inverno singularizada, o frio resolveu crescer em seu domínio, mesmo fechando a porta do meu escritório, percebi que havia uma entrada de vento vindo de algum lugar e, mesmo sendo ousado, soprava as páginas dos livros arrumados sobre a mesa.
Minhas mãos, geladas, procuravam uma fração de calor, as letras, as frases, as orações nascidas neste momento, indefiniam-se na folha de papel. Levantei-me, fui até a sacada e percebi uns raios de sol, embora fragilizados, aqueciam o povo que caminhava nos pontos isolados da praça. Desci, chequei os espaços banhados pelo sol, o meu corpo sentiu a chegada do respiro da vida. Taubaté, a cidade feita de gomos do passado, as lojas, bancos, banca de jornal, cafés, lanchonetes, sentiram a presença de pessoas soprando as mãos com os lábios possuidores de um pouco de contenção do calor.
O meu coração pensa em seus momentos incertos, havia poucas pessoas porque estava frio e o medo da pandemia escorria pelas paredes geladas, perdendo-se pelo acaso do nada. Ouvi, empacotado pelo vácuo, uma voz chamando-me; era uma amiga da minha infância, que estudara comigo do primário ao colegial. Ciclos escolares que nos tentaram enquadrar no conhecimento humano. Em nossa cabeça e na voz, desfilaram colegas, amigos, professores, funcionários e cheiro da vida. Lembramo-nos, também, da mudança de escola, ao término de uma vida.
Abraçada em um ensino reflexivo, os professores despontaram como seres humanos normais, tocáveis, e o nosso tempo mudou de norte para sul. Falamos dos meninos, dos homens que de um jeito, ou de outro, nós amamos. Esse encontro, o diálogo, a confissão, levaram-me a alugar o filme “Sociedade dos poetas mortos”, uma história que me encantava. Deitei sob as cobertas, um saco de pipoca na mão, a televisão e o meu “eu” estava preparado para me recosturar.
Quando falamos em educação, não precisamos gastar o nosso olhar, ela está à nossa volta, em cada pedaço de rua, dentro de todas as casas, nos sinos que repicam nas igrejas. A educação sempre está nos ensinando, nos esclarecendo, nos reprimindo, nos preparando, às vezes, para o que não queremos ser.
II – O filme “Sociedade dos poetas mortos”
O filme se passa em 1959, numa escola imaginária, dos Estados Unidos, chamada Academia Welton, caríssima, antiga, especializada em preparar os seus alunos para estudar nas maiores universidades do mundo, inclusive em Havard. O seu modelo educacional baseou-se sobre os ideais de valores burgueses que deram o norte a um infinito número de gerações. No vinhedo que sustentava o aprendizado da Welton, cada cacho de uva simbolizava a consistência do seu sistema de ensino: tradição, disciplina, excelência. A educação se bordava em nome e composição de abstratos. A tradição é uma espécie de grandeza transferida de geração a geração; a disciplina possui um significado amplo, mas vamos ficar em obediência, subordinação; excelência é uma palavra que exala o cheiro de notável, ótimo, distinção. A honra representa o estímulo incutido no cérebro de alguém como verdade imbatível.
Por outro lado, mesmo estando sob o calor das cobertas, consegui pensar nos fatos ocorridos nos Estados Unidos em 1959. Um dos fatos marcantes, tingidos com a cor da dor e do desespero foi o início da Guerra do Vietnã, instante que o enredo da sociedade dos poetas mortos acontece.
Nesse momento e contexto um ex-aluno da Wilton, apresentando ótimo curriculum, foi contratado pela referida instituição para lecionar literatura, o professor Jonh Keating.
A entrada do professor, na sala de aula, mesmo sem falar uma única palavra começa a demostrar uma pedagogia contrária ao ensino inflexivo da escola, John Keating demonstra aos alunos o conceito poético partindo do ser livre e da criação, aproveitando-se para definir e demonstrar a existência do “Carpe Diem”, ou seja, viva o seu dia, guie os acontecimentos do seu presente, colocando os educandos numa posição crítica à sociedade que fora imposta as gerações antecessoras. O professor Keating analisa um quadro repressivo apresentando, com novas posturas didáticas, o direito à liberdade, o direito de escolher os seus caminhos, os seus sonhos, os seus desejos íntimos. O novo professor apresenta o rosto, a face do conhecimento e não, simplesmente, a indução a um processo de aprendizado. O professor desejava, em suas aulas, o confronto de valores, a valorização da expressão artística, a liberdade de escolha, levando alunos a pensar por si próprios, ampliar a visão da vida e da sociedade e a colocar para fora do peito os seus sentimentos.
O roteirista Tom Schulman reúne o conflito entre os jovens, as suas necessidades e vontades pessoais, bloqueadas pelo sistema de ensino, pela educação recebida em sua casa, pela opressão dos pais que lançam suas expectativas e frustações na imagem do filho. O roteirista Tom Schuman inteligentemente coloca em dois personagens simbólicos Todd e Neil, os grandes problemas educacionais de nossa época. Todd era a tipificação de filho de pais distantes, frios, insensíveis, aprendendo a viver encolhido, tímido, medroso, recluso. Neil era filho de pai extremamente controlador, que decide tudo pelo filho, inclusive a sua vocação.
As aulas do professor Keating levavam os alunos a não se conformarem com as castrações de suas convicções, buscarem os significados de seus desejos, sentirem-se capazes de romper imposições, lutar para a libertação das amarras pessoais, não temerem a repressão familiar, levar todas as sensações para o plano do diálogo, caso contrário, o fracasso de suas capacidades os levariam ao estresse diante da vida, da sociedade, da mesmice mundial.
Os alunos, apaixonados pelo professor Keating, descobriram num velho anuário, que o mestre destruidor das paralisias tradicionais, pertencera, no passado, a uma “Sociedade dos Poetas Mortos”, uma reunião de alunos, numa caverna existente nas proximidades da escola, onde se reuniam para ler, interpretar, escrever poesias. A alma navegava, voava, saia da caverna, encontrava Platão, e outros poetas mortos, e a poesia viva rondava o ar e as palavras destruindo um mundo hipócrita.
O roteirista tinha uma certa urgência em passar um enredo que exemplificasse o trabalho feito por Keating e o risco existente quando dois sistemas de ensino se confrontam, são gerações que se debatem entre duas posturas de vida.
O estudante Neil decide e pretende participar de uma peça de teatro que seria apresentado na escola, “Os sonhos de uma noite de verão” de Shakespeare. A peça tem um espaço que é Atenas, local que o feto do sistema educacional vem ao mundo. Tiseu e Hipólito, Hermia e Lisandro, Helena e Demétrio, personagens da peça, lutam para ficar com a pessoa amada. Foi dessa pessoa amada que Carlos Drumond de Andrade, enquanto tomava chocolate quente, escreveu o poema doído, “Quadrilha”. Os que morrem e os que ficam. Neil na peça faz o Puch, uma criatura de fada, é travesso, servo do amor.
A peça no palco. Os olhares buscando o sonho fantasiado de verdadeiro. O pai, o ódio, a oposição familiar representada pelo professor, pela sociedade, pela escola, pela rebeldia do filho.
O espaço fora da casa é representado pela residência de Neil. O coração do pai bate pelo curso de Direito; o coração de Neil deixa as lágrimas caírem no palco.
A renúncia do estudante, não consegue vencer o seu desejo. Da mesma forma que acontecia na tragédia grega, Neil se caracteriza, desce os degraus do teatro de Atenas, o revolver na mão, o suicídio na ponta dos dedos, o suicídio parando o coração.
O colégio abre uma sindicância
Buscando forçar um tempo passado
O presente mostra a personagem e a personalidade de Neil.
O poder morre de medo da didática,
Da visão do mundo de Keating
A expulsão é um ato de covardia,
De terror, de desespero, da certeza que a voz de Keating mudará o mundo.
O professor entra na sala, pela última vez, para retirar os seus pertences; Todd sobe na carteira e é acompanhado pela maioria dos alunos. O filme termina afirmando que a voz de Keating venceu, novos tempos virão, o conhecimento mudará de lugar, o aprendizado morará num cantinho da sala de aula. A poesia Capitain!, my captain, de Walt Whitman, de 1865, não é uma pedra de gelo, é transformação: ”Esta manhã, antes do alvorecer, subi numa colina para admirar o céu povoado”!
O filme “Sociedade dos poetas mortos” termina e acaba com os seus medos diante do futuro de todas as vidas.
O sono tomou conta dos meus pensamentos. Sonhei com uma montanha amarela. Escalei-a. Em seu topo estava Deus, lindo, sorridente, dizendo-me: “o meu verdadeiro nome é liberdade”!
Receita
CHOCOLATE QUENTE CREMOSO
INGREDIENTES:
50 g açúcar cristal;
125 ml de água;
2 canela em pau;
12 cravo seco;
50 ml de conhaque ou rum ou whisk ou licor;
6 g cacau em pó;
200 g chocolate meio amargo;
500 ml leite desnatado ou integral;
6 g amido de milho;
30 ml deágua;
5 ml essência de baunilha;
creme de leite fresco/pasteurizado(para decoração, opcional);
cacau em pó (para decoração, opcional).
MODO DE PREPARO:
Caramelize o açúcar em uma panela larga em fogo médio até ficar com um tom âmbar e sem cristais de açúcar, cerca de 5-6 minutos. Pode mexer de tempos em tempos.
Adicione 125mL de água com cuidado, irá borbulhar bastante. Coloque canela, cravo e continue a cozinhar por mais 5-6 minutos ou até reduzir cerca de 1/3.
Acrescente conhaque (se usar) e cacau em pó, misture bem. Deixe ferver por mais 2-3 minutos.
Coloque o chocolate meio amargo e misture ligeiramente.
Adicione o leite e misture bem para dissolver todo o chocolate.
Dissolva o amido com os 30ml de água em uma tigela pequena, então, adicione na panela.
Cozinhe o chocolate quente até ferver, mexendo sendo, ou até ficar levemente mais espesso, cerca de 2-3 minutos.
Sirva com creme de leite batido e polvilhe cacau em pó.