I – A paz na alma
O domingo permanecia em estado de vigília. Os carros da cidade resolveram desligar os motores; os pássaros cantavam uma canção desconhecida, mas simbólica. Os sinos da Igreja da Catedral, como dizia Fernando Pessoa, despertavam os aniversariantes, os casamenteiros, os batizados, os dorminhocos, a procura do verbo fazer, fazer alguma coisa.
Eu penetrei em mim mesma, coloquei uma rede na sacada do meu apartamento, sintonizei uma emissora engajada em trazer o passado para o presente; deitei-me, os sons liberaram lágrimas navegantes de um instante marcado pela profundidade, sentimentos dançando em salões coloridos, os momentos, a alegria e a tristeza, a melancolia e a paz, os meus limites de amor, esperanças. Nós somos levados pelo vendaval que surgem em todos os lugares e, assim, na correria do vento nascido em qualquer caverna, clara ou escura, os meus ouvidos registram o “Tema de Lara”; música forte, orientadora e gestadora de presença e ausência, dúvida e certeza, medo e coragem, amor e acontecimentos históricos.
A música foi composta por Maurice Jane, em 1965, pedaço de vida marcado por contrastes, revoltas, rebeliões, passeatas, ideologias oferecidas dentro do papel de bala. O meu coração acredita que, no exato momento da composição, Deus colocou suas mãos sobre a cabeça do compositor. Essa canção possui um mistério, um segredo, ela nos transporta para o frio, o gelo, a neve, e para o mundo do filme “Dr. Jivago”, um personagem que sai das páginas da literatura, penetrando no universo da linguagem cinematográfica. O domingo, a comoção agitando a minha alma, a memória abrindo e fechando portas, e o meu olhar tentando entender como um livro pode balançar a sociedade, a política, a educação, as ideologias, e mover as minhas sensibilidades na ponta de suas raízes. Por esse motivo, talvez justo, resolvi escrever sobre o filme Dr. Jivago.
II – A origem do livro
Havia uma casa num lugar qualquer da Rússia. A casa tinha chaminé, fumaça, jardim, flores, um pequeno lago. No interior da residência, entre paredes e telhados morava um poeta chamado Boris Pasternak. Ele dormia, sonhava, alimentava-se e via o mundo de dentro para fora.
A neve chegou mais cedo. A noite acompanhou o movimento da neve. Nessa noite fria por si mesmo, Boris Pasternak começou a escrever Dr. Jivago. Doeu muito, os dramas do povo entravam nas páginas do livro, transformados em palavras. O suor, o espanto, o medo, a incerteza da vida e, numa manhã de sol meio atrevido, o livro ficou pronto. Ele nasceu, chorou, gritou, sentiu fome, e foi proibido por cinquenta anos na Rússia.
A existência tem lugar e momento para acontecer, saltar do útero da opressão. No ano de 1957, um editor italiano conseguiu os originais de Pasternak. A primeira edição do livro percorreu as livrarias europeias e, devido ao grande sucesso e a revelação dos crimes que ocorriam na Rússia, foi traduzido para 18 línguas.
III – O sonho
Na época da primeira edição europeia, os Estados Unidos e a Rússia disputavam uma Guerra Fria. A CIA, órgão de inteligência americana, viu no livro um grande valor propagandístico, na medida em que o tema abordado era humanista e, por esse motivo, de interesse da população russa, do homem culto às pessoas comuns, todos costurados pelos mesmos sentimentos.
O governo americano financiou a tradução para o idioma russo e publicou milhões de exemplares. Escolheu para distribuir e apresentar o livro de Pasternak, na Feira Mundial de Bruxelas, de 1958, que ocorreu no pavilhão do Vaticano. A denúncia contida no livro era a ideologia humanística aos ideais cristãos.
O livro foi indicado para o Prêmio Nobel de Literatura. Concorreu com várias obras consideradas destaques intelectuais. O júri leu, o povo sentiu, os estudantes amaram, as mulheres se emocionaram, os sinos expressaram a alegria e o espanto, e Dr. Jivago venceu, e o Nobel tinha um endereço certo – a casinha com chaminé.
IV – A dor e a censura
Boris Pasternak soube que ganhara o Nobel de Literatura. Ele sabia que do interior da sua alma, nasceu o Dr. Jivago. Ouvindo o seu coração, percebeu a vida de Lara, o seu alter-ego, nascida para lutar, amar, viver. Na sua consciência equilibrada com o passado da nação, encolhida em sua sombra, vivia Tonya, a aristocracia dominada pelas regras culturais da época.
No entanto, nas torres do poder ditatorial russo, homens banhados pelo ódio, inimigos da poesia, endurecidos diante da arte, proibiram o poeta Pasternak de comparecer a cerimonia e receber a medalha do Nobel.
V – O milagre
O ano de 1988 veio trazendo um semblante dirigido a estabelecer a esperança no mundo.
O filho de Boris Pasternak – Yevgeny Borisovich Pasternak entrou no trem às seis horas da manhã. O seu sentimento de filho parecia estar diante de uma pia repleta de paz. As rodas do trem pareciam hinos tocados ao nascimento do sol; o caminho o levava a Estocolmo, terra do Nobel. Foi recebido no teatro municipal, entregou o seu corpo para que a medalha de seu pai, proibida há cinquenta anos, fosse colocada em seu peito. A orquestra tocou Aleluia de Bach, e as suas lágrimas quentes, alegres, tristes, perdoou a ignorância que galopa pelo mundo.
VI – O filme
O começo do filme nos apresenta o menino Yuri Jivago afastando-se de tudo que tem valor em seu mundo. Ele é um menino testemunhando o momento em que todas as estabilidades do seu mundo são destruídas. Os adultos estão de preto, algumas flores na mão e Yuri sabe que está se despedindo de sua mãe que morrera no dia anterior. A partir desse momento, o filme trabalha com a tentativa de recriar a segurança que lhe foi tirada tão jovem e simbolizada por uma balalaika.
Vou fazer um breve comentário, não por vaidade ou exposição de conhecimento, mas preciso citar Freud que afirma que todos nós quando perdemos nossas mães desenvolvemos uma síndrome chamada “objeto materno” que, numa linguagem mais simples, significa amor e afeição femininos.
Jivago foi criado pelos tios ao lado de sua prima Tonya. Na juventude foi a Moscou fazer medicina e Tonya, mais aristocrata foi para Paris estudar.
Durante o estudo dos dois personagens e a sua formatura, a Rússia mergulhou na Revolução de 1917 propondo uma ideologia contraditória, confusa e desestabilizadora do país.
VII – O amor amigo
Jivago ainda estudante recebe Tonya na estação ferroviária de Moscou, mulher linda, aristocraticamente vestida, correndo em direção a Yuri. Essa chegada traz um signo muito comprometido com a psicologia, que é o encontro da amizade, companheirismo, parentesco e alguma sexualidade.
VIII – Por traz da aristocracia
Na região mais pobre da cidade havia uma costureira, mãe de uma jovem chamada Lara. Lara estudava em um colégio particular, sustentada pelo dinheiro do amante de sua mãe, Victor Komarivsky, um político crápula e corrupto e os salários da costura. Victor apaixona-se por Lara, estupra-a e tenta aproximá-la a um jovem revolucionário, romântico chamado Pasha Shelnikoff para esconder a sua sedução por Lara. A mãe descobre o relacionamento de seu amante com sua filha e tenta o suicídio. Jivago e um amigo salvam a mãe de Lara e, pela primeira vez o olhar de Jivago encontra-se com o olhar de Lara. Neste momento pretendo chamar a atenção dos leitores que ambos estão no escuro, com pouca luz.
IX – Noite de natal
A noite de natal sempre uniu a aristocracia russa. A nobreza se reunia, bebia, cantava, armava árvores de natal e dançavam valsas vindas de terras distantes. Numa destas festas Lara invade o salão e atira em Victor, o que, em verdade é o encontro de duas facções opostas. Não posso deixar de mais uma vez citar Freud por um motivo simples, no momento em que ele diz que o amor natural ou violento quando se torna explicito confronta o expectador e a sociedade.
X – Tonya e Dr. Jivago
Na mesma noite que Lara atira em Victor, depois do susto, da confusão, do espanto é que a anfitriã da festa anuncia o casamento de Tonya com Dr. Jivago. Um fato deve chamar a atenção, pois Dr. Jivago cuidara dos ferimentos do político irresponsável e vê Lara pela segunda vez. A partir deste instante os nossos olhos voltam-se para a psicologia que identifica que, no casamento de Tonya a união se dá por vivência, amizade e Tonya torna-se uma substituta da mãe perdida na infância. Ao ver Lara Jivago bate de frente com o desejo, a sexualidade, a proibição social e a castração imposta pela aristocracia.
XI – Encontros e desencontros
Durante a Revolução Russa dezenas de grupos rebeldes possuindo ideologias diferentes combatem em vários pontos da União Soviética. A presença de Dr. Jivago é uma constante participativa como médico em quase todos os grupos, acompanhado por Lara que era enfermeira.
Num desses grupos, em momento de calma, Dr. Jivago observa Lara passando roupa. O ferro era aquecido por carvão e todos nós sabemos que o fogo é o símbolo da erotização, ação que justifica o pedido de Dr. Jivago para ficar com Lara. Só ela permanece na luz, ele permanece na sombra o que realça a recusa de Lara. Outra cena que chamamos a atenção é o campo de girassol contendo flores vivas e outras morrendo, esgotando assim, as esperanças de Jivago.
O nascimento da poesia envolve a imagem, sentimento, horário e o objeto de seu amor. Em uma madrugada Lara está deitada. Ele escreve os poemas dedicados a ela, mas os lobos uivam no silêncio gelado das montanhas, lembrando que um destino infeliz poderá acontecer. Foi neste instante que os dois se separaram para sempre e os lobos mantiveram a imagem de que os futuros são incertos.
XII – A morte do Dr. Jivago
Ele está num trem elétrico muito comum na Rússia. Carrega em seus braços uma pequena maleta de médico. Pela janela, mesmo com o movimento do trem, Dr. Jivago sente a premonição da presença de Lara caminhando pela rua. Sente dor no peito, tenta descer do ônibus, consegue após um tempo, dando início à perseguição da mulher e mesmo levando-nos ao sentimento mais profundo, ele tomba no meio da rua, morrendo solitariamente, a sua Rússia, o seu amor, a sua crença e esperança amorteceram a dureza áspera do chão e o “Tema de Lara” o leva, talvez, para o seu destino traçado e correto.
Receita
Frango à Kiev:
Ingredientes: 2 peitos de frango; 100g de manteiga; 1 colher (sopa) de cebolinha picada; 1 colher (sopa) de salsinha picada; 1 dente de alho amassado; 2 ovos batidos; 100g de farinha de trigo; 100g de farinha de rosca; 50g de queijo parmesão; Sal e pimenta-do-reino.
Ingredientes do Ratatouille: 6 abobrinhas italianas; 1 berinjela grande; 1 pimentão verde; 1 pimentão vermelho; 6 tomates; 2 dentes de alho picados; Sal e pimenta-do-reino a gosto; Azeite para regar.
Ingredientes do molho do ratatouille: 5 tomates sem pele e sem sementes, picados; 1/2 cebola picada; 1 dente de alho picado; 1/2 xícara (chá) de azeite; Sal e pimenta-do-reino a gosto; Folhas de manjericão a gosto.
MODO DE PREPARO: Em um recipiente, coloque a manteiga, a salsinha, a cebolinha e o alho e misture tudo muito bem, temperando com sal. Espalhe a mistura sobre um plástico-filme e enrole-o, fazendo um rolinho, e leve ao congelador por 1 hora ou até endurecer. Enquanto isso corte o peito de frango ao meio e abra-o, de forma que ele fique em um formato de borboleta.
Com um martelo próprio para carne, bata até que a carne fique fina e, em seguida, tempere-a com sal e pimenta-do-reino. Retire a manteiga temperada do congelador e corte-a em rodelas. Recheie cada peito de frango com cerca de duas ou três rodelas da manteiga temperada. Feche os frangos com o auxílio de palitos. Passe cada peito pela farinha de trigo, seguido pelos ovos batidos e, por fim, pela mistura da farinha de rosca com parmesão. Asse por vinte e cinco minutos em um forno pré-aquecido a 200 C. Sirva em seguida.
Ratatouille: Lave bem os legumes em água corrente. Corte a berinjela em rodelas finas e coloque-as de molho em um recipiente com água. Faça fatias finas de abobrinha, cebola, tomate e pimentões sem sementes e reserve.
Molho raratouille: Refogue a cebola e o alho no azeite para fazer o molho. Adicione os tomates picados e refogue por mais cerca de 5 minutos. Acrescente os demais temperos e misture, deixando cozinhar por mais alguns segundos. Desligue o fogo, coloque a mistura em um liquidificador ou processador e bata até formar um creme homogêneo, reservando em seguida.
Em um refratário, coloque metade do molho. Coloque os legumes fatiados, intercalando as rodelas de tomate, abobrinha e pimentão como se fossem peças de dominó caindo. Repita o processo até que todas as rodelas acabem. Adicione azeite, sal e pimenta-do-reino por cima e finalize com o restante do molho e o queijo parmesão ralado. Cubra o refratário com papel-alumínio ou papel-manteiga e leve para assar em forno preaquecido a 180ºC por cerca de 40 minutos.
Sirva em seguida e bom apetite!
Por Adriana Padoan