Fellini era criança, andava e corria pelas ruas de Roma. Em cada rua onde brincava, pensava uma história para distinguir aquela rua, de todas as outras. Ele registrava o cheiro, as pessoas que a frequentavam; sentia dor no coração quando observava uma prostituta chorando. Nesses momentos, aproveitava a luz da lua e desenhava uma lágrima em forma de gente, era sua maneira de concretizar a dor.
Na chegada do sol Romano, sol forte e claro, carregado ainda dos desejos de conquistar o mundo conhecido de uma fatia da antiguidade, e da disciplina dos sedentos soldados criados por uma loba, Fellini andava pelos atalhos desse mundo, desenhando tipos humanos, correndo ou parados, adorava os espécimes excêntricos, singulares, loucos, sonhadores, possuidores de olhares perdidos.
Nas tardes povoadas de mitos fabricados nos impérios e nos desvarios dos imperadores; tardes avermelhadas e indefinidas, Fellini brincava com marionetes e, sob o seu comando, representava as lendas, contos de fadas, as histórias em quadrinhos que lia na infância. Alguns cidadãos apressados e descaracterizados, o menino os enquadrava em caricaturas.
A mudança
Num tombamento do sol/Fellini tomou a estrada de Florença./tenta o rádio, participa das telenovelas./na lua sorridente, bebe com os atores, sonha com os astros./beija o cinema representado por lábios carnudos sensuais.
A busca de si mesmo
Anda em busca de si mesmo, encontra-se com a atriz Guiletti Masina, o coração bate e rebate dentro de sua cabeça; casam-se numa igreja transbordado de sinos, As câmeras de cinema começam a chorar de satisfação antecipada. Para sustentar a família, trabalha em um jornal, encontra-se com o cinema na existência do diretor Roberto Rosseline e outros diretores. Ao dormir sob o espojar das estrelas que se aventuraram pelo silêncio do céu; o espírito da sétima arte invadiu o sangue, o cérebro, a alma, o além dos marcos possíveis do jovem cineasta.
Nesse instante de invasão poética,/suas ideias remexeram a realidade e o sonho/personagens imaginários pediram-lhe socorro/e o seu corpo retornou à infância/à adolescência, à juventude,/aos sonhos de cada fase da vida./dessa forma nasceu o Saltinbanco do cinema; assim foi o parto de Fellini!
O filme “La Dolce Vita”
Meus queridos leitores, pensem na Segunda Guerra Mundial. Façam uma força de imaginação, visualizem a cidade de Roma destroçada, moída e desfeita pela brutalidade da guerra. O ano de 1945, final do conflito, não despertou sorrisos, euforia, mas acordou o medo e o pesadelo que estavam dentro de cada sobrevivente. Esqueci de dizer, as lágrimas e a saudade haviam secados.
Mão a mão, os tijolos com resto de vida, foram recolocados./os Estados Unidos, por meio do Plano Marshall enviaram milhares de dólares à Itália, e o país deu de renascer./renascendo!
Década de 50 e 60
Na década de 50 as indústrias foram buscar os camponeses embrenhados nos sertões; na década de 60, época do filme “La Doce Vita”, a burguesia ganhou muito dinheiro e passou a viver uma vida que não existia, as festas, as loucuras, a orgia, o sonho representado pelas visitas das atrizes internacionais, no entanto, todos estavam vazios, esmagados pela lembrança da guerra, uma guerra que, usando o sorriso das bombas, o gargalhar das metralhadoras, mataram cento e cinquenta e três mil e duzentos italianos.
La Doce ou Amarga Vita
É uma espécie de um quadro abstrato que se transformava num mural sem sequência definida, sem episódios lineares, sem preocupação com a continuidade. É a realidade de um mundo que está tentando despertar de um pesadelo.
O homem procurando o seu rosto
O protagonista, interpretado por Marcelo Mastroiani é um repórter de um jornal sensacionalista. Cada passo que dá nas ruas da capital italiana tem uma função, ou seja, flagrar pessoas da alta sociedade perdidos nos braços da noite. Essas personagens, dilaceradas por dentro, cruzam-se com sua própria vida. A sua noiva obcecada por ele, ciumenta, possessiva, neurótica, é um exemplo. Encontra um amigo intelectual, casado, autor de livros, com dois filhos, vivendo em crise existencial nas profundezas do seu ser.
A câmera – nasce o Paparazzi
A câmera registra a extravagâncias visuais, situações que levam o ser humano a fingir que a vida é real, mas ele, ser que se diz humano, em sua psique profunda, vive um aberração trancada e costurada no reverso da pele. Uma atriz estrangeira, linda, famosa, visita as terras da Itália. Centenas de jornalistas fotografam a sua chegada, os seus passos, o seu riso, a sua roupa, o seu discurso medíocre, os seus casos amorosos, pedaços da sua vida. O protagonista, jornalista chamado Marcelo, recebe a incumbência de entrevista-la, acompanha-la por uma noite, juntamente com seu fotógrafo chamado Paparazzo, nome que permaneceria no mundo da mídia, rotulando um certo tipo de fotógrafo.
Marcelo se encanta pela beleza de Silvia, a atriz estrangeira, interpretada por Anita Ekberg. Eles caminham pelas noites de Roma. A cada movimento eles sentem o vazio do mundo, da realidade, do fingimento, da interpretação. Ela podia obter todos os olhares do mundo que necessitasse para compor o seu bem estar, mas sua vida pessoal é conturbada e insegura, não existe nada palpável, o vazio é o mesmo que se reflete nas noites de Roma. Ela encontra a Fontana de Trevi, monumento de 1732, imagina estar numa grande cena, entra na fonte, demonstra a sua sensualidade, recebe o batismo religioso do país; o jornalista Marcelo entra na Fontana para acompanha-la, tenta beija-la, mas ela consegue dissimular uma saída, tentando salvar um gatinho abandonado. A cena levou uma semana para ser realizada, e marcou a carreira e a vida de Anita Ekberg como uma das melhores cenas feita pelo cinema. Os carros, o giro da vida, se atropelam nas ruas de Roma; os playboys, bêbados ou drogados, circulam sem destino real ou imaginário. No castelo medieval há uma festa, uma orgia, um strep tease, mulheres, homens, velhos agindo como animais presos em um zoológico. Fazem uma excursão pelo castelo, todos movidos pelo macabro; não se esqueceram também de realizar uma seção paranormal encabeçada por um médium.
A realidade tem um rosto
Para se entender o filme “La Doce Vita” precisamos fechar os olhos, memorizando a desorganização das imagens. O filme começa com um helicóptero levando, pendurado por cordas, uma imagem de Cristo para o Vaticano. O jornalista Marcelo transa com uma milionária, na cama alugada de uma prostituta, todos são seres vazios e problemáticos.
Num restaurante a beira de uma praia o jornalista Marcelo tenta escrever o seu livro, sonho de um homem que já não tem o direito de sonhar. A sua impotência trava os tipos da máquina, não há um espaço em sua vida para construção; ele é um ser desconstruído. Nesse hotel, com cheiro de mar deslavado, conhece uma garçonete chamada Paola, uma menina linda e inocente, representante de um tempo que a guerra destruiu.
O pai
Em um dia qualquer, monótono e sem segurança recebe a visita de seu pai. Na chegada da noite leva o genitor a uma boate, confessando a um amigo, que quase não vira seu pai quando era criança, portanto não o conhecia direito. Parece uma triste figura.
O jornalista sensacionalista
O protagonista Marcelo vive dos escândalos da sociedade. Essa vivencia o leva a uma área enorme, onde duas crianças afirmam terem visto e falado com a Virgem Maria. A TV manipula os presentes e os telespectadores, centenas de jornalistas fotografam as duas crianças, e tudo penetra no mundo do faz-de- conta.
O tempo engole tudo, o seu trabalho de jornalista sensacionalista o leva a casa do seu amigo Steiner, um intelectual feliz, um ser completo, coerente aos seus princípios. Os seus olhos focalizam o acontecimento, o senhor Steiner, seu entusiasta praticara o suicídio e matara os dois filhos. Ele não fora capaz de perceber a agonia que corroía o coração de grande intelectual.
A morte vivida
À noite, uma boca escura e sem dentes, Marcelo está fazendo a cobertura de uma festa. Ao amanhecer, embriagados e drogados, todos vão até a praia, conversar com o mar. Os pescadores estão puxando uma raia, peixe enorme, parece um ser deformado, solitário, preso e morrendo. O olhar do peixe não se afasta do olhar daquele grupo de rapazes e moças, pois todos, de alguma forma estão deformados e mortos.
Receita
ASSOBUCO A MODA ITALIANA
Ingredientes: 7 peças de ossobuco; azeite; 6 colheres de sopa de manteiga; ½ cebola picada; 1 xícara de vinho tinto; ½ xícara de caldo de legumes; 1 cenoura picada; 1 caule de salsa picada; Farinha de trigo; 2 colheres de sopa de polpa de tomate; Flor de sal e pimenta.
Preparação: Tempere a carne com sal e pimenta e reserve por 15 minutos. Passe as peças na farinha de trigo, e retire o excesso de farinha. Numa panela já quente, coloque azeite e os pedaços de carne. Se não couberem todos os pedaços, repita a operação. Core as peças de ambos os lados até a farinha formar uma crosta. Retire da panela e reserve.
Na gordura que sobrou na panela, frite a cebola em fogo alto e quando esta estiver dourada, acrescente o alho, a cenoura, o aipo e o tomate. Mexa bem até o tomate começar a despedaçar-se. Despeje o vinho e deixe evaporar o álcool. Junte o caldo de carne, a polpa de tomate e a salsa. Acrescente o sal e a pimenta e prove. Coloque as peças de ossobuco dentro do molho, cubra a panela com papel de alumínio. A cozedura deve ser feita em fogo brando durante aproximadamente duas horas.
Sirva sobre uma porção de espaguete.
Por Adriana Padoan