Tarde de 5 de janeiro, quinta feira, às seis horas, o tempo começara a escurecer. Chovia muito, as nuvens andavam sobre os tetos dos prédios da Praça Don Epaminondas, onde eu moro. Não consigo pensar num motivo, numa causa, mas lembrei-me do filme “Ao mestre, com carinho”, estrelado por Sidney Portier. Localizei o filme e o assisti, observando cena a cena, para fazer o artigo dessa semana.
Nos Estados Unidos, em Los Angeles, na Califórnia, Sidney Portier, aos 94 anos, jantou, conversou, assistiu ao noticiário, despediu-se da família, foi para a cama e, após um suspiro fundo, na madrugada do dia 06 de janeiro viajou para nunca mais voltar; dizem que foi para um lugar distante, habitado por anjos amigos de sua alma. Não posso dizer que foi coincidência, também não posso afirmar que foi necessidade do destino.
O filme “Ao mestre, com carinho”, foi lançado no Brasil em junho de 1967, quatro meses após a posse do General Costa e Silva, eleito presidente do Brasil através do voto indireto. A data é importante para história do Vale do Paraíba, pois, no dia 18 de março do mesmo ano, houve o maior deslizamento de terra que abalou aquela beleza estendida nos braços da Serra do Mar, chamada Caraguatatuba, “Lugar de muitas caraguatás”, uma bromélia linda. Certo dia um índio deu uma bromélia à índia que caminhava pela praia, ganhou um beijo. Com a posse de Costa e Silva o Brasil quase se perdeu em incêndios, em inundações, em deslizamentos; em Caraguatatuba morreram 436 pessoas, 3 mil moradores perderam suas casas, mais de 30 mil árvores desceram as encostas perdendo-se mas ruas, nas praças, escolas e residências.
Nos cinemas do Vale, centena de pessoas formavam filas enormes para assistir “Ao mestre, com carinho.” O enredo gira em torno de um engenheiro negro, desempregado, que assume as aulas em uma escola pública, na periferia de Londres e decide enfrentar uma classe de adolescentes rejeitados por todas as demais escolas, disposto a realizar uma transformação no comportamento de jovens excluídos da sociedade, guiando-os em direção ao futuro que abre espaço aos “homens e mulheres de bem”.
Dentro desse painel encontraremos problemas marcadamente sociais, os conflitos racionais e éticos, os dramas que costumam costurar a adolescência num pedaço de tecido preenchido pela incompreensão, agonia e pasmo.
A primeira cena do filme apresenta a origem desses adolescentes e a falta de discrição existente nos lares dos alunos que vivem o espaço da sala de aula. O professor Thackeray está num ónibus a caminho da escola. Ao seu lado três mulheres comentam o perfil dos seus homens, tratando-os como objeto de suas intimidades; falam alto, riem, gargalham, esfregando-se no professor negro, culto, educado e o choque é estabelecido.
A chegada ao prédio escolar torna-se uma espécie de apresentação antecipada da tragédia, isto é, um aluno sai do banheiro fumando, sujo, despenteado, solitário e desamparado. O professor pensa, analisa, reflete, no entanto não se intimida diante da situação.
A sala de aula, em seu todo é uma vitrine onde transparece o péssimo comportamento, à aparência desleixada, a indisciplina, a proposta de desafio, rebeldia, tentativa de intimidação, de erguer uma barreira entre professor e aluno. A sala dos professores tem o rosto dos derrotados, preconceituosos, falidos; é o local onde a esperança despediu-se da luz, do aprendizado, da pedagogia. Os alunos não sabem ler e não entendem o pouco que leem; escrevem mal e não cuidam do material escolar. Ninguém presta atenção, as conversas paralelas eliminam a voz do professor; as insinuações e preconceitos marcam o tom da aula e dos processos de transmissão de conhecimento O líder da classe, o aluno Denham ele age dentro de rabiscos claros de quem precisa de auxílio. As meninas queimam absorventes na sala de aula.
O professor dá uma guinada no conteúdo, no planejamento, na técnica pedagógica e parte para o desmonte das forças que, na verdade, não existiam. Conversa com as mulheres, com os homens, percebendo que o livro, a apostila, material de leitura são inúteis naquela realidade social. Reúne o material escolar colocando-os na lixeira e lança um desafio, ou seja, não há mais espaço para a infância, o segredo é coloca-los no universo adulto.
As aulas passam a abordar a luta, a garra, a concorrência, o amor, o sexo, o preconceito, tudo indo em direção a uma visita ao Museu Natural, onde a classe observa a rebeldia de dois séculos atrás. A pedagogia sai da sala e penetra no mundo da cozinha.
A mudança de atitude diante da vida começa pelo corpo, pela consciência de que fora dos muros da escola existe um mundo esperando por todos. O ano letivo dispara na dianteira dos acontecimentos; a festa de formatura, despedida penduradas nos ponteiros dos relógios comemora o espaço dos entendimentos entre alunos, professores, escola, dança, presente e futuro, na música “Ao mestre, com carinho”, feita pelos alunos”. A educação transformou a realidade de todos; o professor desmontou o histórico de cada um. A letra de cada um dos alunos usa a palavra: desejo de aprender,/ a sua lição faz tão bem para mim,/ agradecemos de coração,/ por você existir,/ você é o amigo que eu posso acreditar,/ queria tanto te abraçar,/ alcançar as estrelas,/ com você eu aprendi a repartir tesouros,/ foi com você que eu aprendi a repartir o amor,/ legal ter você aqui,/ eu não esqueço mais a sua lição,/ ofereço essa canção,/ ao mestre, com carinho”.
A história está no centro do “Id”, determinando a vida psíquica do complexo de Édipo, ou seja, o desejo incestuoso pela mãe e uma rivalidade com o pai. Na verdade, os alunos nunca viram o professor, mas pela sociedade que viviam, inconscientemente, já o adoravam. Ele vem como a noite, na forma de um superego com giz nas mãos, para colocar limites no Id e o Ego tenta satisfazer os dois. Pamela, um protótipo na pele de uma aluna, deseja o professor, vendo nele a figura do pai que venera, conceituando uma relação primária onde o pai é um herói.
O aluno Seales (negro) é remetido a um útero objetal, as relações emocionais do inconsciente. Ele vê o professor como a figura do pai que odeia. Aqui, nesse ponto acontece a substituição, a transferência, na medida em que o professor deixa de representar a autoridade e passa a transparecer o formato de um modelo para os alunos.
O professor, por outro lado, representa também a síndrome “De Sisifo” de Camus e da mitologia grega. Segundo Camus, filósofo, o homem busca a sua essência no interior de um mundo desconexo, guiado pelo sufoco despertado por muitas religiões, a saída é levantar a bandeira da revolta.
Na mitologia grega, Sisifo, uma síndrome que surge dentro do homem ciclicamente, ou seja, desistir nunca. Sisifo foi condenado a subir a montanha empurrando uma enorme pedra. Lá do topo ele a vê descer e tudo recomeça.
Eu vi uma juventude cíclica.
Desajustada.
Mas descobriu a sua essência.
Juventude que aprendeu a amar.
Lutar.
Vestiu uma farda verde.
Olhou as estrelas.
Morreu no Vietnã.
Sem esquecer a pátria, a vida, o amor.
E o mestre com o seu carinho.
Uma das coisas que mais gosto de fazer quando estou em Londres é ir tomar chá e comer scones. Como tão cedo não vou poder voltar a passear pelas ruas da capital britânica, resta-me tentar reproduzir o chá e os scones macios e amanteigados. Fica aqui a receita, se estiverem interessados em me acompanhar.
RECEITA
SCONE – UM CLÁSSICO DO BRITÂNICO CHÁ DAS CINCO
INGREDIENTES: 85g de manteiga sem sal; 350 g de farinha para bolos; 1 colher (de chá) de fermento; 3 colheres (de sopa) de açúcar; 3/4 de chávenas de buttermilk. Se não encontrar buttermilk no supermercado substitua por 1,75 dl de leite morno, sumo de 1 limão e 1 colher (de café) de aroma de baunilha; 1 ovo grande + 1 ovo para pincelar; Sal a gosto.
PREPARAÇÃO: Pré-aqueça o forno a 200 ° C e forre uma forma com papel vegetal (ou unte com manteiga). Numa tigela grande, junte a manteiga, a farinha, o fermento, o sal e o açúcar e depois mexa tudo até ficar bem misturado. Noutra tigela, misture o ovo e o buttermilk. No centro da mistura de farinha preparada antes, faça um buraco, despeje o ovo e o buttermilk e misture com uma espátula. A massa deve ficar pegajosa, mas não molhada. Se ainda estiver úmida, adicione um pouco mais de farinha para poder trabalhar melhor a massa. Coloque a massa numa superfície polvilhada com farinha e estenda até ficar com cerca de 2,5 cm de espessura. Use um cortador redondo de 5 cm e corte o máximo de rodelas possível. Se quiser, pegue nos pedaços de massa que sobraram, volte a amassar e esticar e corte mais algumas rodelas. Coloque-as na forma, separadas por meio centímetro. Pincele a parte superior com um ovo batido e coloque no forno por aproximadamente 13 minutos, ou até os scones ficarem dourados. Retire do forno.
Sirva com geléia, cremes, manteias e acompanhe com chá.
Por Adriana Padoan