I – Nikos Kazantzakis
O mundo produz milhares de vidas, paixões, crenças, operários, empresários, intelectuais, artistas, e seres humanos com problemas tão singulares que, por falta de estudos científicos, fogem de classificações.
A Ilha de Creta, em 1983, foi o berço de um escritor chamado Nikos Kazantzakis. Na juventude foi morar em Atenas, onde realizou o curso de Direito. De Atenas, sentindo um ardume cultural no peito, viajou para a França, entrando em cursos de filosofia em Paris. Nessa escalada se apaixona pelo pensamento de Herri Bergson, o autor que entendeu a filosofia como barco navegante no mar da intuição, do tempo, da congestão da memória, e do impulso vital. Ele viu a filosofia no mesmo galho da ciência, embora mantendo uma relação oposta aos pensadores científicos, ao observar o relacionamento das coisas. Filosofia, para ele, é o conhecimento do poder absoluto. A ciência leva no bolso do casaco um conhecimento relativo.
Entre taças de vinho, mulheres, amigos, escreveu uma tese sobre Friedrich Nietzsche, observando a “Filosofia Do Direito De Estado”, num filósofo, no mínimo inovador. Com um colega intelectual viaja pelo mundo, mais especificamente, aos países influenciados pela cultura greco-cristã. Atravessou nações em guerra; estudou e escreveu sobre a herança cristã: Jesus, Francisco de Assis, Dante Aligheri.
Morreu de leucemia, enfrentando longos dias de reflexão e dor. Foi cremado longe de sua cidade, pela culpabilidade de produzir uma literatura sobre o entendimento, aprendizagem e teorização. Suas cinzas estão num pequeno túmulo no alto de uma pequena elevação, nos limites da cidade. A sua lápide, por ele escrita, é uma exposição dos seus sentimentos: “Espero por nada. Não tenho nada. Estou livre”.
A sua obra literária trabalha os temas universais; amor, solidão, pecado, violência, hipocrisia, a religião como domínio de classes. Os seus livros ultrapassaram os limites do mundo, entraram em todas as portas abertas em qualquer ponto da terra. Os seus textos estruturam as páginas dos livros: “O Cristo Recrucificado”, “A Última Tentação de Cristo”, “Zorba, o Grego”, “Relatório AlGreco”, “Os Irmãos Inimigos”, “Pobrezinho de Deus – Francisco de Assis”, “Ascese”, “Os Salvadores de Deus”, “Liberdade ou morte”.
Há conceitos que se formam no próprio meio social. Eles crescem envolvidos pela fé, pela história, pelos cânticos das lendas, pela penetração do acontecimento do corpo do estado comportamental, da psiquê, do retorno aos conceitos humanistas. A Semana Santa abriu caminhos estreitos ou largos, possibilitando a humanidade um despertar da reflexão pessoal ou coletiva. A indústria cinematográfica produziu centenas de filmes sobre Jesus Cristo, sua história, sua família, a morte, a ressurreição, a distribuição da esperança sobre a terra, independentemente do credo religioso de cada ser existencial. Neste instante, o relógio que despertou a loucura das guerras, das revoltas, das greves, das ideologias absurdas e caóticas, resolvemos visitar a obra de Nikos Kazantzakis, filmada por Scorcesi, um dos destaques do cinema na função de diretor, que voltou os seus olhos ao texto: “A Ultima Tentação de Cristo”.
II – O filme “A Última Tentação de Cristo”
O filme, segundo a visão do autor do livro apresenta um ser humano chamado Jesus, vivendo como um dos homens mais comuns do seu tempo, uma época do domínio romano, da imposição cultural, do trabalho produtivo, da cobrança absurda de impostos, do aumento da pobreza, da fome, do desemprego, do afastamento da crença na vinda de um messias, por opressão do poder romano.
Esse homem, Jesus, trabalhador, vive no mundo abalado pelas ideologias importadas da ditadura romana, que, de certa forma, desviaram o homem do mundo da fé judaica. Em seu interior Jesus sabe e sente a presença do messias em seu corpo, porém, no mundo vivencial sente a fragilidade dos homens, a depressão humana, o medo dos açoites e das prisões.
III – Jesus
Ele tem a sua vida próxima como um homem do seu tempo, sua luta nos dias que nascem e morrem; está combatendo o medo, a dúvida, a relutância e sua imaginação voa em direção a Deus, que mantem o amor e a unidade social.
Existe uma cena no filme que ultrapassa a temática de todas as eras: Jesus está deitado, sussurrando, desespero e sentimento dormem no mesmo quarto, pensa nos jejuns, na tortura antes de dormir, as vozes vindas do invisível alertando-o da sua missão. A sua Nazaré, cidade pequena, o seu ofício de carpinteiro, o seu trabalho de todos os dias, a força que o mantem vivo. A nuvem que passa sobre a cabeça dos homens também é uma espécie de calendário daqueles movimentos de sua época. Jesus percebe que o seu momento chegara, que o seu interior misterioso deveria revelar-se a todos os homens da terra. Arruma o seu alforge, desce a ladeira de Nazaré.
IV – O início missionário
Andando ao encontro do seu mundo reconhece Maria Madalena, andando numa rua estreita. Aproxima-se, pede-se perdão por todos os homens que há viram somente como prostituta, esquecendo-se que ela é um ser vivo, uma mulher, uma mãe.
Segue o seu caminho em direção a João Batista que o batiza e o reconhece, porém vê que, através dele havia a possibilidade de se livrar dos romanos, e, num segundo momento levar o mundo aos braços do Senhor.
Jesus fala-lhe em amor, espiritualidade e, sem referir a qualquer outro assunto, parte sozinho em direção ao deserto, para encontrar sua conexão com Deus. Ele é tentado por satanás na figura de uma cobra, de um leão, de vários pilares se destruindo pelo fogo. Ele vê um machado passando diante de seus olhos. O machado de satanás é substituído pela sua palavra, pelo seu amor, pelo seu coração e fraternidade.
V – O retorno do deserto
Jesus chega à casa de Marta e Maria de Betânia, irmãs de Lazaro, que lhe restauram as forças do homem e do espírito. Na sua caminhada, os discípulos vão sendo escolhidos. Com as suas mãos devolve a visão a um cego, transforma a água em vinho, ergue Lazaro do reino dos mortos. Fala ao povo com voz firme; descobre a parábola como estratégica pedagógica; prega os seus discursos acompanhados de gestos, elevação de voz, representação facial denunciando os sacerdotes do templo, a violência humana, lança as ideias transformadoras diante de um mundo que precisava de fé, de amor, de paz.
VI – Mundo de pedras
Jesus se aproxima de uma praça. Centenas de pessoas perseguem uma mulher, uma prostituta que, pelo direito terreno, deve ser apedrejada. Jesus desafia a lei perguntando ao povo quem jamais havia pecado, rompido os seus direitos, mesmo nos seus silêncios. Os homens, cumpridores de ações hipócritas se afastam; ele salva Maria Madalena.
Judas Iscariotes, um zelote, junta-se aos discípulos de Jesus, procurando colaborar com os revolucionários. Sua missão é agregar-se às pregações de Jesus, entendendo-as como palavras revolucionárias; no entanto, durante o convívio do dia a dia se converte e acredita que Jesus é o Messias prometido pelas escrituras hebraicas. O discurso em nome do amor lançado pela alma de cada um, a humildade na fronteira com o outro, é um ato que movimenta a força do espírito.
O Ministério de Jesus entra em Jerusalém como uma avalanche. Usando o seu corpo, suas mãos, sua voz e sua mensagem, realiza uma limpeza no Grande Templo. O dinheiro, o lucro, a ganância, a desumanidade se desfaz em sua passagem pela Casa de Deus. Suas mãos sangram, sua testa tinge o suor de vermelho, o sinal lhe fora dado.
VII – O Sêder ou Páscoa
Um jantar cerimonial judaico em que se recorda a história do Êxodo e a libertação do povo de Israel é realizado pelos apóstolos sob o comando de Jesus. Judas, conforme combinação prévia, o entregaria naquela noite. Jesus divide o pão e o vinho. Marca a presença simbólica neste gesto, e a necessidade de se refazê-lo no futuro, na fé da Eucaristia.
VIII – A profecia
Depois do Sêder ou Santa Ceia, Jesus caminha até o Jardim do Getesemani. Ajoelha-se, conversa com o Pai e a profecia será cumprida. O ruído de passos acorda a noite. Soldados e sacerdotes, com Judas à frente, marcham em direção a Jesus. Judas se adianta do pelotão, beijando o Mestre. O beijo da paz foi criado por Jesus como um sinal de fraternidade. A prisão do homem e do Filho de Deus, pode ser considerada o ato mais injusto da história da humanidade, pois ele configura uma violência religiosa, uma injustiça jurídica, um gesto ditatorial, e, uma ignorância interpretativa sobre o discurso de um ser vivendo num universo identificado como espaço humano, como ambiente habitado por seres racionais e não pela selvageria.
Durante a prisão de Jesus, Pedro corta a orelha do soldado Malco, sinalizado uma atitude de defesa. Jesus abaixa-se, pega a orelha caída no chão e a reata no lugar onde fora decepada.
IX – Jesus e Pilatos
Pilatos conversa com Jesus. Essas vozes que ainda circulam pelo espaço, defrontam-se à procura, por parte do governador da Judéia, de um único gesto praticado por Jesus que ferisse a justiça romana. As frases ditas por Jesus ao representante do Império de César o levaram a entender que a verdade dos fatos ultrapassava o enredo comum e, ao mesmo tempo, pequena, da história registrada pelos homens. Pilatos condena Jesus de Nazaré em nome de suas parábolas, dos seus sermões, das suas colocações lapidadas pelo amor, pelo respeito ao próximo, à sua realidade pessoal, o que, lendo e ouvindo as lições de um mestre destoavam da ideologia imposta por Roma e pelos sacerdotes do templo. Pilatos ordena o seu flagelamento. Os açoites, a dor, o rompimento da sequência da vida representa muito. A coroa de espinhos antecipa a morte sem significado lógico, mas reveladora da fé e da verdade. As ruas, a cruz, as quedas, os cravos, a cruz em elevação.
X – O que significa A Última Tentação
Até esse momento do filme, a vida de Jesus é narrada na ordenação estabelecida pelos Evangelhos; na cena da crucificação o diretor invade a leitura ficcional de Nikos Kazantzakis, possibilitando um voo sobre a vida da humanidade, por quem Jesus estava entregando a sua existência. Na cruz, sentindo o peso dos pecados de todos os homens, Jesus conversa com uma jovem que alega ser seu anjo da guarda. Ela o tira da cruz, levando-o até Maria Madalena com quem se casa.
O casal tem um filho e vivem uma vida comum. Maria morre de repente, sem uma explicação que justifique a causa, mas é uma ação do dia a dia da vida humana. O anjo o transporta a casa de Lazaro, Jesus se une a Maria e a Marta. Os filhos nascem, a vida é devorada pelo tempo. Um dia qualquer, andando por uma rua, Jesus ouve Paulo pregando sobre o Messias, sobre a ressureição do Grande Mestre e o nascimento de um novo mundo. Jesus, já idoso, convida seus antigos discípulos ao seu leito de morte. O seu anjo da guarda, uma jovem linda explode em meio a fumaça e satanás assume a sua forma, após tentar realizar a última tensão e domínio do pensamento do filho de Deus.
Jesus retorna a cruz, assume a sua missão de messias, o salvador; implora ao pai a salvação dos justos e percebe que, por alguns segundos, sonhara com os dramas do dia a dia da humanidade, mas vencera satanás em sua última tentativa de afastá-lo de sua missão. Jesus olha para o céu, reúne as forças que lhe restam pronunciando: “Tudo está consumado”!
Receita
Suflê de Bacalhau Sete Claras
Ingredientes: 1 kg de bacalhau já dessalgado; 2 cebolas de tamanho grande raladas; Salsa picadinha a gosto; Cebolinha verde a gosto; 2 colheres de manteiga ou margarina; 3 colheres de farinha de trigo; Sal a gosto; Azeite de oliva a gosto; Pimenta-do-reino a gosto; 1/2 litro de leite integral; 7 claras de ovos; 100 gramas de queijo ralado tipo parmesão.
Modo de fazer: Ponha o bacalhau em uma vasilha para cozinhar por quinze minutos. Após, espere esfriar e desfie em lascas pequenas. Em uma panela de tamanho adequado, coloque a cebola para refogar no azeite até ficar bem douradinha. A seguir, junte o bacalhau desfiado, a salsinha picada, o cheiro verde picado (cebolinha), a pimenta-do-reino a gosto, faça o ajuste do sal e reserve. Coloque outra panela no fogo com a margarina e espere derreter. Agora, ponha também a farinha de trigo e espere dourar. Na sequência, adicione o leite desnatado e espere a mistura engrossar. Reserve. Com o auxílio de uma batedeira, bata as sete claras em neve e também reserve. Agora, faça a mistura do bacalhau desfiado com o molho branco e as claras batidas em neve. Despeje tudo em um refratário de tamanho apropriado untado com azeite de oliva ou manteiga. Por cima, acrescente e distribua o queijo parmesão ralado e leve ao forno pré-aquecido a 180ºC por aproximadamente vinte minutos ou ficar bem douradinho. Prontinho, a receita de suflê de bacalhau sete claras está perfeita. Agora, é só retirar do forno e levar à mesa para servir quentinho. Arroz branco acompanha bem o prato.
Por Adriana Padoan