I – Eu e minhas buscas
Há dias que buscamos assistir a um filme que, dá primeira a ultima cena, consiga nos levar nos braços para conhecermos a profundidade da arte cinematográfica. Pensando dessa forma, reencontrei-me com o filme “Perfume de Mulher”, estrelado por Al Paccino. O perfume, o cheiro, a marca, a simbologia atravessaram os séculos. A referência e a centralização do perfume estar ligado a imagem da mulher, estabeleceu, em mim, a sensação de que a história vivia no mundo dos homens.
Meus queridos leitores, leitoras, o filme “Perfume de Mulher” gira em torno de duas histórias, duas narrativas. A primeira, abarca o espaço do colégio Baird, um guardião da educação americana; a educação destinada aos futuros dirigentes da nação, como se isso fosse possível e real.
A segunda narrativa precisou de uma espécie de preenchimento, da necessidade de elaborar uma história para compor o ponto inicial – essa história nasce num painel colocado num dos corredores da escola, oferecendo trabalhos temporários aos alunos pobres, bolsistas, mas brilhantes. Esse instante do filme é um reencontro com o teatro grego que abria uma possibilidade chamada prólogo, onde se expunha o tema da peça; nesse mesmo teatro existia o epílogo, o desfecho final, a recapitulação, o remate dos acontecimentos, isto é, união das duas pontas que costuram todas as vidas.
II – O filme
A Câmera abre filmando a beleza da escola Baird, uma visão geral da instituição, alunos andando depressa em busca do saber e do futuro. O prédio histórico, a arquitetura, os jardins, os meninos riquinhos, ricos, sorrindo porque o dia pedia para sorrir. O aluno Charlie Simms estava na biblioteca com outro amigo chamado Jorge. Ao saírem, no escuro perceberam alguns alunos, vândalos, organizando uma brincadeira de mau gosto, de violência, de humilhação contra o diretor da escola.
No dia seguinte, após a tragédia, os alunos Jorge e Charlie foram chamados à direção. O diretor vaidoso, pouco sintonizado com os processos de aprendizagem, exigiu que o bolsista Charlie entregasse os nomes dos autores da brincadeira. Ele é chantageado pelo diretor, ameaçado, mas mantem a postura de não apontar os culpados. A decisão do problema seria tomada numa reunião do conselho escolar após o feriado do dia de Ação de Graça.
III – O trabalho
O aluno Charlie, verificando o oferecimento de trabalhos temporários optou pela proposta de fazer companhia a um senhor deficiente visual enquanto a família do homem viajaria no feriado de Ação de Graças. Charlie aparece para o trabalho, levando toda a sua juventude e o desejo de arrumar dinheiro para passar o natal, e o final do ano, com a sua mãe no Oregon.
Charlie, entrando devagar no cômodo dos fundos da casa da sobrinha de seu cliente conheceu o Tenente-Coronel Frank Slade, um veterano de guerra, próximo da loucura, completamente perdido no mundo. Essa perdição caracterizava-se pelas diferentes tonalidades de voz: gritada, grossa, fina, arrogante, mandão, dono de um plano guardado em seu interior, embalado pelas mãos de Eros e Tanatus; viver intensamente para depois morrer.
IV – Ida para Nova York
Em seu plano produzido pelo filho de uma guerra, ele e o jovem voaram ao destino planejado. O avião, primeira classe, o uísque, as nuvens, as conversas desvairadas, a Estátua da Liberdade e o roteiro se fizeram. Os dois hospedaram-se num hotel de luxo, arrumaram-se, foram jantar num restaurante cinco estrelas. A iluminação, as pessoas vivendo sonhos diferentes, a mulher sentada numa mesa próxima, à espera de alguém. Ele, Coronel experiente advinha o perfume que Dona estava usando, ele e Charlie aproximaram-se da mesa, sentaram, conversaram.
O reconhecimento do perfume usado pela mulher é um típico exemplo da sublimação freudiana, justificada pela perversão ligada ao prazer de sentir cheiros vitais do organismo humano e a substituição do desejo, paixão, gozo, em troca de impossibilidade amorosa.
Ele a convida para dançar um tango, “Por una cabeza” de Carlos Gardel, o jogo misturado ao desejo da mulher apaixonada, visualizada no corpo e no prazer. Em nove metros de salão o Coronel consegue dar um show de voz, movimentos, a música preenchendo a temática do filme e o tango original, nascido nas vielas de Buenos Aires, traz o sorriso da prostituta abandonada, no salão encerado, luxuoso do restaurante símbolo da riqueza de Nova York.
O Coronel e Charlie, sentados nos bancos de uma limusine, aproximam-se da casa do irmão do Coronel. A família reunida para o jantar de Ação de Graças, um dos feriados mais celebrados dos Estados Unidos. A maioria do povo viaja. Na casa do irmão de Frank, a mesa está posta, o peru assado e temperado, os pratos, a exposição da festa e do trágico, as acusações dos crimes de guerra do Coronel, a cegueira, a bomba explodindo, a morte. A agressão física dá um final ao jantar de Ação de Graças e a despedida do Coronel, apoiado pelo jovem Charlie.
À noite sem explicação, a parada da limusine numa esquina, a saída do Tenente-Coronel Frank sozinho, sem o apoio de Charlie, entrando uma das casas das mulheres perfeitas, sofisticadas, e o sexo praticado desde o tempo do império romano, documenta a necessidade do homem que não sabe nem da sua estrada, nem do seu caminho.
Na manhã seguinte, dia meio indefinido, o Coronel aluga uma Ferrari, a movimentação pelas vias desertas e o ronco do carro como nas pistas de corrida; e o Coronel Frank libertando do porão de sua memória os episódios traumáticos da infância, da adolescência, da guerra, se transforma na própria ventania dentro do tempo. Ele, no volante, atravessando sinais vermelhos, curvas imperfeitas, aproximando-se do sonho, da despedida, do cheiro de uma vida sem o mínimo sentido.
No hotel, vestindo a farda que presenciou atos de coragem, de loucura, de violência e medo, tudo embasando o desejo de praticar um suicídio. Charlie, com sua juventude, tenta impedi-lo, representando como ator um papel tão forte e representativo ao nível do próprio Al Paccino. Esse momento é o clímax de duas eras dentro da mesma história, no entanto as lágrimas que escorrem do rosto da juventude vence a dor, a depressão e o medo de viver.
O retorno à casa embebido e movido por sensação de bondade, solidariedade e compreensão. A defesa de Frank Slave na assembleia de julgamento de Charlie em meio à simbologia repressiva da educação marca através das palavras ditas com o coração. O Coronel, rosto de quem está de bem com a vida diz: “Qual é o seu lema aqui? Meninos, denunciando seus colegas de classe, salvando seu próprio segredo, qualquer coisa menos forte do que uma brasa. E se você, senhor diretor, acha que está preparando estes meninos para serem homens, é melhor pensar novamente, porque eu digo que o senhor está matando o espírito destes jovens. Eu já vi meninos como estes, até mais jovens do que estes, seus braços rasgados, suas pernas decepadas. Tudo isso eu vi. O senhor está silencioso internamente, está com medo, absolva estes meninos e durma em paz”.
Antes de terminar este texto queria homenagear a música que deu suporte ao filme inteiro, que tirou algumas lágrimas dos olhos dos sensíveis e insensíveis:
Madrugada sem cor.
Carlos Gardel bebeu o sonho da lua.
A sua mão registrou os sons
Que produziram o tango
“Por una cabeza”
Gardel viajou à Colômbia,
Cantou para um povo sofrido, mas esperançoso.
No retorno, o seu avião chocou-se com outro.
Exatamente na decolagem.
A sua morte não chegou a morrer.
A sua música deu vida ao cinema, a arte, ao amor,
Que embala o filme “Perfume de Mulher”.
Gardel, obrigado, você também ainda vive.
Receita
SUFLÊ DE QUEIJO
Ingredientes: 2 e meia colheres (sopa) de manteiga; 2 colheres (sopa) de farinha de trigo; 1 xícara (chá) de Leite ; 4 ovos; 1 lata de Creme de Leite; 1 colher (chá) de sal; 1 pitada de pimenta-do-reino; 1 pitada de noz-moscada; 1 xícara (chá) de queijo parmesão ralado; 1 xícara (chá) de queijo prato ralado.
Modo de preparo: Em uma panela, aqueça a manteiga, junte a farinha de trigo até dourar e aos poucos. Acrescente o Leite mexendo sempre. Acrescente as gemas batidas com o Creme de Leite, o sal, a pimenta-do-reino, a noz-moscada e os queijos. Deixe esfriar. Em uma batedeira, bata as claras em neve e incorpore delicadamente à mistura de queijo. Coloque em uma forma de suflê (cerca de 20 cm de diâmetro) untada com manteiga e polvilhada com farinha de trigo e leve ao forno médio (180°C), preaquecido, por cerca de 30 minutos ou até que esteja dourado e firme. Sirva a seguir.
Por Adriana Padoan