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sexta-feira 15 novembro 2024
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Comilanças Históricas e Atuais – A luta, a dor e a dança Grega

A década dos anos 60 abriu, com as mãos trêmulas, o pano de boca do teatro de milhões de vida. Pisou no palco e, assumindo o papel de um bufão coloridíssimo, anunciou inúmeras guerras, ditaduras irrefreadas, revoluções embutidas em teorias incompatíveis, ideários polarizados, comportamentos conflitantes. No outro lado do palco, encolhidos ou alucinados, surgiram os hippies, contestadores dos sistemas, da política criadora da miséria, da violência das tradições, da opressão, das vozes produzidas pelas metralhadoras. A orquestra mudou o ritmo, o estilo, a convenção e o rock deu as mãos ao grito de Woodstock , enquanto centenas de jovens queimavam seus sutiãs no meio das ruas.

Nessa época marcada pelas convulsões sociais, o cineasta grego Michael Cacoyannes, teve a lucides de roteirizar o livro de Nikos Kazantzakis, Zorba, O Grego, retirando-o das páginas da literatura, para banha-lo nas águas do cinema. O escritor Nikos Kazantzakis, grego de nascimento, uma mistura de poeta das profundidades humanas, romancista das obscuridades deixadas na terra, pelos pés dos homens, filósofo de um mundo em processo de decantação, filtrado na filosofia de Nietzsche e Bergson, colocou em Zorba, O Grego, as injustiças que respiram e se alimentam dos sofrimentos femininos, a face monstruosa e ao mesmo tempo sensível, fixada dentro dos homens, a busca desvairada para encontrar o amor, amizade, paz, prazer e glória.

O filme Zorba, O Grego, é um projeto de Michael Cacoyannes, realizado em 1964, rodado na Ilha de Creta, portanto, produzido na efervescência cultural da década de 60. Por este ângulo, Zorba tem na sua estrutura psicológica, a ebulição antagônica do período, uma colherada do olhar estranho dos hippes, uma pitada de angustia, algumas gramas de loucura, uma xícara de rusticidade, um copo raso de miséria.

O roteiro organizado, conduzido por Cacoyannes, captado pelas lentes de suas câmeras, conta a história de Basil, um escritor, ensaísta, intelectual britânico que, com justificativa plausível, enfrenta uma crise de criatividade. Tentando recuperar o seu estado emocional, viaja até a Grécia, pretendendo chegar até a Ilha de Creta, terra natal de seu pai.

Na Grécia, enquanto espera pelo navio que o levará a ilha, onde pretende restaurar uma mina que pertencera a seu pai, conhece um homem simples, pobre, inculto, um típico homem rude, porém, possuidor de uma originalidade comovente. Eles estão no porto, a chuva de vento movimenta o espaço, o povo congestiona-se movida pelo destino. Zorba pede que Basil permita e aceite a sua companhia, pois conhecia todos os mistérios do trabalho em minas.

Misteriosamente, como um lembrete escrito nas estrelas, os dois homens se aceitam, se unem, vestem as roupas do mesmo projeto.

Ao chegarem ao vilarejo rural de Creta, onde fica a mina, instalaram-se na pensão humilde, ainda assim, denominada “Hotel Ritz”, de Madame Hortense, uma ex-prostituta francesa, solitariamente vivendo a mesma pobreza dos habitantes do lugarejo. Zorba, vivendo e dominando o seu eu mais recôndito, ama Madame Hortense tentando reviver personagens de seu passado em Paris.

Há na ilha a mulher conhecida como “a viúva da janela”, linda, fechada em si mesma, isolada num ambiente que está dentro de sua memória, embora desejada por todos os homens do lugarejo: Na entrada da noite, no imaginário dos machos, a viúva está eroticamente deitada na cama de cada um. Um jovem, de nome Pavio, meio desnorteado de paixão pela viúva, ao lado do pai Mavandroni, sofre de fúria interior quando vê a imagem da mulher fora de sua janela. Essa viúva, mesmo presa ao passado, abre-se para o intelectual Basil.

Os trabalhos na mina entram na existência de Zorba e Basil. As madeiras estão podres, Zorba projeta um tipo de teleférico para extrair e transportar madeira do Mosteiro dos Frades, no alto de uma montanha, para substituir as madeiras podres que suportam as escavações. É um plano muito bom, leva e engole muito tempo. Zorba cozinha sopa de peixe salgado, de peixe fresco, de legumes; preenche e sustenta o sonho de Hortense; Basil visita a viúva, depois de muita insistência de Zorba. O teleférico despedaça-se nas alturas, nada dá certo no trabalho da mina, fato que coloca um ponto final na reconquista da jazida e na amizade entre dois homens, dois cosmos totalmente opostos mas que se complementaram.

Além de receber três oscars, inúmeros prêmios nos festivais de cinema, há inúmeras cenas que se transformaram em obras primas da sétima arte, pela beleza, profundidade, relevo social, antropologia, revelação carregada de aspectos psicológicos.

A cena da viagem de navio até Creta é antológica, ela encanta, assusta, penetra na alma como voo de um cisne. O mar está revolto, jogando o navio para cima, baixo, dos lados. O navio aderna para esquerda e para direita. Numa grande sala, dezenas e dezenas de pessoas são jogadas de um lado ao outro; elas se acotovelam, se espremem, são empurradas. A câmera pega o close de rostos, de olhares, de choro, de pobreza, de fome, de pavor. A beleza iguala-se à feiura, o riso disfarçado.

Há um momento no filme que a viúva está na janela, lá fora o mundo continua passando através dos vidros encardidos e embaçados. Basil a visita, demonstrando um pouco de medo, insegurança, coragem. Ele bate à porta, ela abre e o manda entrar. Pavio, o jovem apaixonado pela mulher viúva, não resiste, e o suicídio acontece. O povo reúne-se para apedreja-la. O tumulto leva o filme a outro patamar, Zorba intervém, mas a facada parte das mãos de Mavandrone e o corpo da viúva, desejada por todos, tomba, como um corpo sem vida tomba, em frente a violência sem explicação, sem boca para falar.

Num outro lance, um dos mais tristes do filme, Tanatos entra na pensão de Madame Hortense exercendo a sua função de deus da morte, Zorba a ampara em seus braços, as carpideiras gritam, choram, lamentam. Hortense, como um anjo criança, parte desse mundo. Uma lágrima escorrega dos olhos de Zorba. Em menos de um tempo minimamente marcado, o povo esfomeado invade a casa da Dama de Paris, levando todos os seus pertences. A vida, desconsolada, abraça outra vida, procurando encontrar um sentido que valha a pena ter vivido.

No alto das colinas, da Ilha de Creta, num bosque feito de recordação, Zeus, rei dos deuses, lembra-se de seu louco amor por Europa. Ela o amou e gerou o rei Minos. Minos ordenou a Dédalos, o grande arquiteto da época mitológica que construísse, nessa mesma ilha de Creta um labirinto para prender o Minotauro. A história do Minotauro é singular, ela começa quando Paseidon presenteia o rei Minos com um lindo touro branco. Pasifae, mulher de Minos apaixona-se pelo touro, dessa união nasceu o Minotauro que foi derrotado por Teseu. Tudo isso, detalhe por detalhe aconteceu na Ilha de Creta e, nessa mesma ilha estão gravadas com letras azuladas, numa nuvem feita de perolas o pensamento do homem chamado Zorba, um camponês, pedreiro, mineiro, contador de histórias, sedutor de memórias, um participante vivo da Ilha de Creta, o microcosmo do mundo feito de coisas boas e coisas más.

Falas do Zorba

“Meu chefe, você diz eu não quero problemas. A vida é problema. Só a morte é que não é. Estar vivo é desamarrar o cinto e procurar problemas”.

“Meu patrãozinho, eu sou um homem e um homem não é tolo? Eu sou um homem, então eu me casei. Tive mulher, fiz filho, construí casa, tudo. Vivi a catástrofe completa”.

A última cena do filme apresenta uma resultante bem clara: a mina não deu certo. Hortense morreu. A viúva linda partiu do mundo. Zorba, depois de uns copos de vinho, diz ao amigo Basil: “no funeral do meu filho, morto aos 3 anos de idade, eu dancei para estancar a dor. Eu canto, danço, toco Santuri, quando estou muito triste ou muito alegre. Agora estou alegre, de acordo com o meu desejo, dancemos”. E o filme termina com os dois amigos dançando o Sitarke numa praia deserta, mar deserto, mas vivos, e esta cena conquistou o mundo.

Receita

Ingredientes: 8 unidades de maçãs vermelhas, sem casca e sementes, cortadas ao meio; 1 litro de vinho tinto suave; 500 ml de suco de laranja; 2 unidades de limão siciliano; 300 gramas de açúcar; 5 unidades de anis estrelado; 2 unidades de canela em pau; 8 unidades de cravo; 300 gramas de queijo mascarpone; 200 ml de leite fresco; 400 gramas de amêndoas laminadas; a gosto de limão siciliano em raspas; 100 ml de leite, 40 gramas de gelatina incolor.

Modo de fazer: Ferva as maças com o vinho, suco de laranja, suco dos limões sicilianos, açúcar e especiarias até que elas fiquem levemente macias. Reserve as maçãs e corte em lâminas sem que elas soltem do cabo. Reserve 1 litro da calda. Amorne a calda de vinho e dissolva 30 gramas de gelatina.

Em um refratário forrado com plástico filme, organize metade das maçãs e coloque metade da calda de vinho cobrindo-as. Deixe gelar por 2 horas. Esmague o queijo mascarpone com o creme de leite e as raspas de limão até formar um creme homogêneo. Coloque metade das amêndoas laminadas e misture delicadamente. Aqueça o leite, dissolva 10 gramas de gelatina e acrescente ao creme de mascarpone. Continue a montagem colocando o creme de queijo, o restante das maçãs e da calda.

Deixe gelar por 24 horas. Retire da forma e decore com amêndoas e fatias delicadas de limão siciliano.