I – O nascimento do homem
Havia escuridão, silêncio, vento incerto, caminhando da esquerda para a direita, na direção do tudo e do nada. Uma voz perfurou o seio da existência; a luz rompeu a placenta que a imobiliza e, simplesmente nasceu, clareando desejos e vontades. A Terra, às águas, os peixes, os pássaros, as borboletas coloridas, presas à velocidade de suas vidas; as árvores desenhadas a partir de suas sombras, também surgiram; o movimento esticou os braços, as pernas, a partida e a permanência deu os primeiros passos sobre o corpo da mãe natureza. E uma fração normal dos acontecimentos, as mãos de Deus moldavam pedaços brilhantes de argila; os dedos trabalharam orientados pelo calor artístico e, sem a marcação imposta pela geração de formas, sons, cores, nasceu o homem. Após um breve suspiro, a mulher colocou os pés no chão, ao lado de todas as criaturas que continham vida em movimento.
II – A imaginação
Os sentimentos, a tristeza, a alegria, a paz, o descontrole, o amor, a paixão, o ódio, a violência, chegaram ao entardecer; vagavam diante da firmeza aparente da Terra; não conhecemos o horário exato, porém resolveram ficar, fixar-se, provocando brisas e vendavais.
Nesse panorama rápido; passageiro agarrado a sua distância, a humanidade começou a entender a presença constante da imaginação, um fenômeno que habita o espírito do homem, da mulher, das crianças e idosos; não conhecem limites possíveis e impossíveis, não obedecem às fronteiras e portas fechadas. A imaginação coloca o mundo em dois berçários feitos de marfim; um deles chama-se realidade; uma sensação que toca com a ponta dos dedos os nossos sentidos, nossa razão, consciência, o entendimento que temos da natureza existencial. O outro berço, busca a imagem, ou seja, a representação da realidade pelos olhos da alma, do sobrenatural, do extraordinário, da quebra dos limites lógicos e razoáveis. A imaginação mantém um diálogo com a realidade, no entanto, cria uma natureza especial, telepática, premonitória, artística, que não se encaixa na ciência, na psicologia, no universo dos entendimentos tradicionais. A imaginação é uma parteira que coloca a luz, mundos possíveis, ideológicos sonhados, seres que um dia poderão existir.
III – Stephen Edwin King
Ele nasceu contaminado pela capacidade de costurar a imaginação no tecido da arte literária. Recebeu o nome de Stephen Edwin King, nas águas do Rio Jordão, circulando numa pia batismal. O lugar escolhido para sua chegada foi a cidade de Portland, nos Estados Unidos, em 1947.
Aos dois anos de idade, na chegada da primavera, seu pai abandonou a família; fugiu com uma brasileira para nunca mais voltar. Stephen viu a ausência, no rosto do abandono, do medo, da inconstância do futuro. Chorou em frente à escuridão da noite. Sua mãe Mellie Ruth Pillsbury assumiu a criação de Stephen e David, seu irmão mais velho, adotado pelas mãos da carência e do destino.
Na sua infância não criou muitos amigos, porém, nas idas e vindas da escola, desenvolveu amizade por um menino ruivo, inteligente, bom narrador de lendas adormecidas. Numa quinta-feira, com cheiro de final de semana, viu seu único amigo prender um dos pés nos trilhos da ferrovia. O trem surgiu na boca do dia, barulho, apitos, velocidade e seu coleguinha deixou de existir.
A partir desse fato horrível e trágico, passou a viver pesadelos, visões perturbadoras, todas embebidas em terror, abstracionismo, dores causadas por vidas paralelas à realidade. Procurando sentir o tempo, lia histórias em quadrinhos e recriava histórias baseadas em filmes que assistira.
Na Universidade, nas horas vagas, escrevia para o Jornal Universitário, histórias curtas, mostrava o firmamento que ainda não chegara. No campus da escola superior, conheceu a jovem Thabitha, e o amor tomou conta do seu coração. Casaram-se e foram morar num trailer. No ano de 1974, usando um bloco de papel sobre o joelho, escreveu o romance “Carrie”. Era uma história de uma adolescente dotada de poderes paranormais. No meio do livro, sentiu seu corpo arrepiar-se motivado por uma revolta pessoal e inexplicável. Jogou os originais no lixo e correu pelo Parque dos Pinherais, por duas horas. Sua esposa recuperou a obra do lixo, insistiu com muito jeito, e Stephen terminou o livro. Mandou o texto pronto para editora, recebeu mais de dois mil dólares de adiantamento, os direitos autorais, por outro lado, pagaram-lhe 200 mil dólares. O impacto de “Carrie” o levaram ao alcoolismo, outras drogas mais pesadas, usadas por uma década. À noite, sem revelação das estrelas, escreveu “O Iluminado”, elaborando o personagem Jack Torsance, a partir dele mesmo. O filme é uma fotografia dos seus delírios, loucuras, gritos que não saiam; sua boca estava lacrada.
Na chegada do sol revelador e desregulado, foi atropelado nas proximidades de sua casa. O traumatismo craniano percorreu seu corpo, as fraturas ósseas escolheram os menores espaços para agir, perfuração de um pulmão. Na morte de sua mãe, ao fazer o discurso de despedida estava bêbado e drogado.
Com a ajuda de fãs e amigos recuperou-se, passando a escrever o maior tempo possível; produziu mais de 60 romances, aproximadamente 200 contos; produção literária que ultrapassou a literatura para nadar nas águas do cinema, televisão, teatro.
IV – O encontro com a realidade
Ele era um menino negro, estudioso, adorava ler a Bíblia, cantava nos rituais da igreja; a sua inteligência ultrapassava os limites de sua idade de 14 anos; um menino com a face do século XX, chamado George Stenney Jr. morava numa casa simples, ao lado de um terreno sem trato e construção. Na cidade, com suas ruas, praças, clubes, bares, escolas, igrejas; estupraram 2 meninas gêmeas, a morte estava calada na garganta das duas crianças. Os assassinos jogaram os corpos das meninas ao lado da casa de Stenney.
V – A força sem cérebro, cérebros sem produção e inteligência
A polícia, pressionada pela sociedade, prendeu George Stenney Jr. como suspeito do crime.
Ele jurava inocência,/seus olhos ultrapassavam a violência dos fatos,/mesmo na cadeia aproximava-se de sua Bíblia,/os seus lábios afirmavam inocência,/o julgamento, feito por brancos, encobriu as horas,/foi condenado sem uma única prova/a negritude de sua pele produzia a sentença,/foi executado na cadeira elétrica, mesmo sendo uma criança,/a sua Bíblia permaneceu no chão, ao lado de seu suplício.
Baseado nesse fato real, Stephan realizou uma experiência literária escrevendo “The Green Mile” – A milha verde, a última milha marcando a distância da sala da morte, mais ou menos mil e seiscentos metros.
A obra, segundo Stephn é um retorno a sua infância, quando consumia literatura em episódios. O artista queria testar se esta técnica funcionava nos dias atuais. Assim dividiu o romance em seis partes, o que poderia aumentar o suspense. O primeiro volume: “As duas meninas mortas”; o segundo: “O Rato do Corredor”; o terceiro: “As mãos de Coffey”; o quarto: “A Morte Horrenda de Edward Delacroix”; o quinto: “Execução Noturna”; o sexto: “Coffey no Corredor”.
V – O filme
“A Espera de Um Milagre”, filmado em 1999. A direção e o roteiro nasceram das mãos de Frank Darobont.
O filme abre com Paul Edgecomb numa casa de repouso em Luisiana, ao lado de outros idosos e de sua companheira de quarto, Elaine assistindo ao filme Picolino, da década de 30. Os seus olhos, o seu coração, o seu peito, não aguentaram as dores que o invadem através das memórias. Paul deixa as lágrimas correrem pelo rosto; levanta-se e, como um fugitivo, afasta-se do ambiente. Usando a técnica de flash-back, narra a sua vida, a dilatação de seu ego espremido e fixado lá pelos idos de 1935, à companheira de quarto.
VI – O corredor da morte
Ele fora chefe da guarda penitenciária de Cold Mountain e encarregado do corredor da morte a “Milha Verde”, um corredor com o piso pintado de verde, são mil e seiscentos metros que separam o condenado da “Velha Fagulha”, apelido da cadeira elétrica.
Paul supervisionava os oficiais Brutus Howell, um lírico contido, Harry Terwillinge, um técnico humano e experiente, Dean Stantos um lírico trabalhando em meio à dor e desespero, Percy Wetmore um sádico abusivo, trazendo a maldade nos poros da pele, mas era sobrinho da mulher do governador. Todos estão no corredor da morte à espera do novo condenado, julgado por ter estuprado e matado duas meninas irmãs.
O novo prisioneiro tem mais de dois metros de altura, musculoso, negro, parecendo que carregava em si o universo e a força física. Seu nome é John Coffey.
VII – As dores do mundo
Paul faz tudo para não demonstrar que está muito doente, acometido de uma séria infecção urinária. A ida ao banheiro é um relato de dor, suor, lágrimas, sensações que parecem implodir o seu corpo, sua relação com a esposa, levando-o a um isolamento interno. A primeira execução, de um nativo americano chamado Arlen Bitterbuck, acusado de assassinato, é chocante. O capuz, os eletrodos, a esponja molhada e a respiração do condenado, uma sinfonia que nos leva a reavaliação do organismo social. O guarda Percy acha o espetáculo maravilhoso, digno dos grandes espetáculos da terra.
VIII – A presença do lado subcutâneo da terra
No corredor, profundo e verde, aparece um ratinho. Ele vem dos mistérios mais profundos da terra e dos homens. Sem muita força, torna-se mascote dos guardas, menos do maníaco Percy. Um dos detentos no corredor da morte, Eduard Delacroix (Del), adotou e treinou o ratinho, dando-lhe o nome de Sr. Jingles, uma espécie de tinir dos sinos. O ratinho corria sobre o braço de Del, empurrava um carretel de um lado para o outro, como se representasse o infinito do tempo, a pureza recuperada. No dia que o Sr. Jingles caminhou pela milha, Percy quebrou os dedos de Del, com seu cassetete, para satisfazer o seu ego desconjuntado.
Na passagem dos dias e das horas, John Coffey vai demonstrando o seu interior. A criança que fora executada no início do século XX, está dentro dele. A ingenuidade, a candura dos gestos, a sinceridade, o medo do escuro, a paranormalidade, as lágrimas que escoam do seu rosto, parecem soluções de anjos desconhecidos.
Ele cura a infecção de Paul com o toque de suas mãos. A doença retirada do guarda parte de sua boca em uma onda de insetos, demonstrando o percurso da inveja, da ganância, do egoísmo, da cabeça dos outros.
Percy, num impulso de ódio pisoteia o corpo do Sr. Jingles, fazendo a morte realizar o seu serviço. O desespero de Del assemelha-se à ansiedade do pintor Delacroix extravasando o seu romantismo em tintas. John coloca o corpo do ratinho entre as suas mãos, sopra e inspira, em meio de luzes inexplicáveis, e a vida retorna ao coração do Sr. Jingles.
O sadismo exposto e desenhado na execução de Eduard Delacroix, sob o comando de Percy, propositadamente ele não molha a esponja transmissora da eletricidade. A cena é horrível, a morte, a insanidade do carrasco, o corpo do condenado transformado em chamas, o fogo faz o seu retorno simbólico, ao destruir as possibilidades da justiça, do amor, da projeção dos sentimentos.
O assassino em massa, William “Wil Bill Wharton” lotado no corredor da morte, cumpre o seu papel de antítese do próprio sistema. É encrenqueiro, agride os guardas, racista, irônico, desequilibrado e sem princípios. A sua presença estabelece e exemplifica a agonia da sociedade.
A esposa do diretor da prisão adoece seriamente, um tumor no cérebro aproximou a morte de sua existência. Paul e outros guardas retiram John Coffee da cela durante a noite, planejam leva-lo a casa do diretor, para ver sua esposa, Melinda, instalada no fundo de uma cama. No caminho, Coffey olha para o céu e chama a atenção de Paul, ao apontar a estrela Cassie, a senhora da cadeira de balanço, da mitologia grega, a consciência que sustenta todas as coisas. Na casa do diretor, Coffey cura Melinda, ganhando a medalha de São Gonçalo.
Ao retornar a prisão, Coffey coloca a doença de Melinda em Percy, transformando-o num alienado que mata, a tiros, o desvairado William “Wild Bill” Warton, o verdadeiro assassino das duas crianças, causa primeira da condenação de Coffey. Quando prenderam John, com as crianças mortas em seus braços, ele está tentando ressuscitá-las.
O tempo corre no corredor da morte, o dia da execução de John, um prisioneiro inocente, se aproxima. Como é o costume para quem está entre a vida e o extermínio, faz o seu ultimo pedido: assistir a um filme, comer um bolo de carne e uma broa de milho. John assiste ao filme “O Picolino” com Fred Astaire e Ginger Rogers do ano de 1935, dançando e cantando “Cheek To Cheek”. John Coffey afirma que os cantores e dançarinos são anjos.
A execução de Coffey transcorreu entre lágrimas. O condenado pediu para não colocar o capuz em seu rosto, pois tinha medo do escuro. Paul chora por não ter impedido a morte de um inocente, de um ser vivo de Deus.
Paul, no momento da narrativa, está com 108 anos. O ratinho Sr. Jingles, com 64, ainda sonhando com o circo dos ratos.
O filme “A Espera De Um Milagre” se passa na época da grande recessão americana. A história narrada não apresenta a origem de John Coffey, não comenta há quanto tempo vive nesta Terra, não justifica as suas cicatrizes; sua condenação satisfaz as exigências da sociedade movida por estereótipos que se encaixam na aparência física, na justiça elaborada em códigos mudos. Ao assistir ao trabalho do diretor cinematográfico Frank Darabint, só nos resta ocuparmos, por alguns segundos, o corpo do guarda Paul e, juntos questionarmos a nós mesmos: “O que diremos se acabarmos de pé diante de Deus, o Pai todo poderoso e Ele nos pedir para explicar porque permitimos a norte de John Coffey? A nossa resposta, com toda certeza, será: ”Era nosso Trabalho! E Deus, com certeza chorará!
Receita
MEATLOAF – BOLO DE CARNE AMERICANO
Ingredientes:
Para o bolo de carne: 2 colheres de azeite; 1 cebola finamente picada; 2 talos de aipo finamente picados; 1 cenoura grande descascada e picada finamente; 2 dentes de alho esmagados; 500 g carne suína moída e 750 gramas de carne bovina moída; 50g de bacon defumado finamente picado; 1 colher de chá de orégano seco; 1 colher de chá de folhas de tomilho fresco; 2 colheres de alho em pó; 1 colher de mostarda; 100g de farinha de rosca; 50ml creme de leite; 1 ovo; 10 fatias de bacon em tiras; sal e pimenta preta moída na hora
Para o molho: 50g de ketchup de tomate; 1 colher de mostarda; 1 colher de sopa de xarope de bordo (ou açúcar mascavo macio ); 1 colher de chá de alho em pó defumado; 1 colher de sopa de vinagre de cidra.
Modo de fazer: Pré-aqueça o forno a 200C/180C. Para o bolo de carne, aqueça o azeite em uma frigideira e adicione a cebola, o aipo e a cenoura. Frite até que a cebola fique translúcida e todos os legumes estejam macios. Aumente o fogo e cozinhe por mais alguns minutos até que as cebolas fiquem levemente caramelizadas. Adicione o alho e cozinhe por mais 2 minutos. Retire do fogo e deixe esfriar.
Coloque as carnes moídas e o bacon em uma tigela grande e adicione as ervas, o alho em pó, a mostarda e a farinha de rosca. Adicione os legumes, despeje o creme de leite e quebre o ovo. Tempere bem com sal e pimenta. Misture tudo muito bem, certificando-se especialmente de que as carnes bovina e suína estejam bem combinadas.
Corte as fatias de bacon ao meio e estique-as com a ponta de uma faca. Você deve achar que eles são longos o suficiente para cobrir as laterais e o topo do bolo de carne. Arrume-os sobre o bolo de carne em um padrão cruzado e dobre o excesso de bacon nas laterais. O bolo de carne inteiro deve ser coberto pelo bacon, exceto pelas duas extremidades.
Para o molho, coloque todos os ingredientes em uma panela pequena e mexa em fogo baixo até ficar bem combinado (e qualquer açúcar é dissolvido se estiver usando). Pincele todo o bolo de carne generosamente com a maior parte do molho. Cozinhe no forno por 30 minutos, depois retire e pincele com o molho novamente. Asse por mais 25-30 minutos até ficar cozido. O bacon deve estar crocante e brilhante e o bolo de carne deve estar cozido e bem quente no meio.
Por Adriana Padoan