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domingo 12 janeiro 2025
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Comilanças Históricas e Atuais – A dor e o amor cantado no fado Português

A visão passada de Portugal parece um cordão tecido de mil cores; há gemidos transcritos em palavras; existem pedaços de poesia espalhados na poeira do tempo. As coisas que doem caminham ao lado das manifestações indolores.

A consciência, mesmo procurando um vácuo para poder continuar, não consegue entender o real motivo que levou familiares da cantora, atriz, Amália Rodrigues representando a impressão imortal do povo português, a tentativa de suspender a projeção, a circulação, do filme “Amália, o filme”, acusado de exibir pormenores da vida privada, de momentos íntimos, da vivência da cantora.

Ao assistirmos ao filme, ao lermos os livros escritos sobre a fadista, batemos de frente, rosto a rosto, com um ser humano que girou sobre os seus extremos, em direção a plenitude que a sobrevivência desejável nos oferece, mesmo que o gosto amargo das ações leve-nos ao chão duro da tragédia.

Os momentos que o pai da cantora, senhor Albertino de Jesus Rodrigues, marido de Lucinda da Piedade Rebordão, amaram-se diante da curva de um tempo e desse amor nasceu a criança Amália Rodrigues, o mundo passou a cantar em seu balancete diário o surgimento de um novo ser na terra. Como acontece com grande parte das famílias, enfrentando problemas econômicos, o casal resolve retornar ao Fundão, levando os outros filhos, mas deixando Amália sobre a responsabilidade dos avós.

Essa separação marca fundo, abre um traço de ausência na alma da fadista, um espaço acinzentado projeta-se em seu espírito.

Os seus pés pequenos a levam a Escola Oficial da Tapada da Ajuda, e, adentrando a sua timidez, canta nos eventos e nas festinhas escolares. Os seus dedos movem-se na função de bordadeira, engomadeira, e na feitura de bolos na fábrica da Pampulha.

Um dia de princípio domado, a sua família retorna a Lisboa. Amália canta nas praças, nas quermesses, e nas vendas de frutas no cais da rocha. Havia gente indo e vindo. Amália oferecia as suas frutas, cantando um fado saindo do recanto de sua alma e, dessa forma a venda de frutas se realizava com muita aceitação.

Aos domingos, dia boquiaberto, Amália canta na Sociedade do Recreio, participa de concursos, trabalha no Retiro da Savera, conhece o mecânico guitarrista Francisco da Cruz; apaixona-se, vive noites e momentos perturbadores; casa-se em momento inoportuno, enfrenta dois anos muito difíceis, mas consegue mudar o calendário, alterar os caminhos trilhados.

A sua voz, os seus gestos, levam-na aos retiros de fado, no Café Luso, no Solar da Alegria; veste-se de preto, e o fado, a voz, os gestos, a sensualidade, a roupa, a sexualidade, transformam os seus sonhos em dinheiro.

Na esquina havia um teatro a espera de Amália. Ela sobe a escada em direção ao palco, entra na coxia, decora o texto, enfrenta o público. No teatro, um lugar de engravidamento de personagens, de passo em passo, rápidos ou não, apresenta-se em Madri, cantando e dançando e interpreta e apaixonando-se pelo flamenco, pelo povo, pela cultura, vê Don Quixote pelo buraco da fechadura do seu quarto.

O avião está apressado, o mundo diminui o seu tamanho, Amália chega ao Brasil. O Cassino de Copacabana esquece o mar e a praia, para amar Amália; o teatro João Caetano a festeja dia e noite, a peça “Numa Aldeia Portuguesa”, permanece quatro meses no Copacabana; Amália ama a comida, a música, e os amores que surgem incorporados em sua sedução.

O seu andar passa a ultrapassar os minutos e os segundos; grava disco no Brasil, trabalha no teatro, participa de revistas, óperas e também invade as cadeiras e as cabeças dos diretores de cinema, fazendo os filmes “Capas Negras”, “Fado, história de uma cantadeira”, realiza uma série de curtas em Madri, recebe prêmios, canta em Londres, Rio e Portugal. Amália vive, ama, entrega-se, fuma, bebe e nos silêncios solitários que penetram os seus poros, imagina o fim de tudo, pensa no suicídio vestindo roupas frequentes e tornando-o uma visita normal, possível.

Na década de 50, o mundo recolhido em reflexão sobre a destruição causada pela 2ª Grande Guerra, Amália registra-se no Plano Marshal, cantando em Berlim, Roma, Trieste, Dublin, Berna e Paris. Em um quarto qualquer, afastado do movimento das ruas, Alberto Janes compõe, visualizando a sua voz, a música “Foi Deus” e Amália parte para Moçambique, Congo Belga, Angola, San Sebastian e Bearritz. O seu corpo enfrenta climas e estudos emocionais, a paixão, a alma revelada aos olhos do mundo, a sombra do suicídio oculto dentro das pilastras de sua construção.

As estradas estão em movimento, os aeroportos agitam-se na temperatura dos horários. Amália leva a sua voz ao México, Madri, Nova York; entra no famoso programa do americano Eddie Fisher, e uma artista portuguesa, pela primeira vez, levada pela televisão, navega por todos os lugares do mundo.

Na tarde do santo de qualquer dia, sentada em sua mesa na sala, compra a sua casa na Rua de São Bento, espaço de fixação, de pertencimento no mundo.

Em 1961, no Rio de Janeiro, casa-se com Cesar Seabra, ameaçando dar uma parada em sua carreira artística. O amor formava a sua metade, a paixão não chegava a um quarto e o seu sentimento profundo não fora abalado. O casamento e a apresentação em Madri, Angola, Edimburgo, Paris, o show no Líbano, realiza o lançamento de um álbum em Londres.

A história não escolhe pessoas, praças, pastelarias, restaurantes, creches; a história simplesmente abraça a inconsequência. Há pessoas cultas ou incultas, analistas políticos ou não, que apontam Amália como simpatizante e participante do regime fascista de Salazar. Entre esses homens e mulheres, morando dentro dessa opinião apontam a cantora como informante da Pide, a polícia política do regime. Um organismo violento, torturador, massacrante, provocador de incapacidades físicas e mentais, nos políticos denunciados.

Salazar despencou no espaço apoiado num balão de dois vinténs, o regime implodiu, e Amália viveu um período de sofrimento, de ostracismo, de ofensas pessoais.

Mas, como sabemos, não existe história perpétua, Amália deu uma volta sobre a poeira movida no chão, impôs a sua arte, gravando o hino da Revolução dos Cravos, Grândola Vila Morena. O mundo entendeu a sua verdadeira participação na política portuguesa, voltou a trabalhar e ser homenageada nas catedrais da arte da música e cantou nas grandes portas dos imensos teatros de Portugal e do mundo, fez o casamento da música com a poesia.

O dia 06 de outubro tirou uma telha do telhado da casa da Rua São Bento, entrou sem fazer barulho, os anjos o acompanharam e sentada num sofá, Amália Rodrigues sorriu, fechou os olhos, e partiu para o espaço infinito cantando: “Não sei,/Não sabe ninguém/Por que canto o fado/Neste tom magoado/De dor e de pranto/…/Foi Deus/Que deu a luz aos olhos/Perfumou as rosas/Deu ouro ao sol/ E prata ao luar/”.

Receita
Pastel de Belém

Ingredientes: 10 gemas de ovo; 2 ovos; 2 paus de canela; raspas de 1/2 limão; 500 g de açúcar refinado; 500 g de massa folhada; 100 g de farinha de trigo; 1 L de leite; 1 colher de chá de extrato de baunilha

Modo de Preparo: Pré-aqueça o forno e coloque-o à temperatura de 200º; Coloque o açúcar e a farinha numa taça e misture bem. Reserve. Leve o leite a ferver com a casca do limão e os paus de canela. Desligue o fogo e retire a casca de limão e os paus de canela. Adicione ao leite a mistura reservada e mexa o preparado com um fouet. Deixe a mistura esfriar por uns 10 minutos. Só depois adicione à mistura os ovos e a baunilha. Volte e misture bem. Reserve. Depois, enrole a massa folhada descongelada e corte em cilindros (de 3 cm cada). Distribua os cilindros por cada uma das formas. Abra a massa com os dedos e preencha as formas com o recheio reservado. Leve as formas a assar por 15 minutos, em forno bem alto, 240ºC.

Nota: Ou aguarde até a superfície dos pastéis estarem douradas, podendo levar mais ou menos tempo.
Antes de servir, polvilhe com açúcar em pó e canela.

Por Adriana Padoan