I – Justificativa Histórica
Estava fazendo uma pesquisa no Museu da Imagem e do Som, quando me deparei com um documentário “não há nada além do silêncio”, abordando a Guerra do Vietnã, como um conflito armado que jogaria os Estados Unidos nos braços da contra cultura.
A história norte-americana mora numa casa de madeiras, as portas permanecem sempre abertas, convidando os passantes a entrar, olhar, sentir, averiguar o desfile perpétuo dos heróis e anti-heróis, de fatos normais e, ao mesmo tempo, transformadores da realidade e das formas de viver do mundo.
Não sei bem o que me levou a observar a década de 60; os movimentos que agitaram a consciência de um mundo que ainda não se refizera completamente do quadro de horror pintado nas décadas anteriores. Partindo de um instante marcado em qualquer lugar daquele período, coloquei meu olhar na figura do presidente John Kennedy; um político jovem, um cavaleiro espalhador de esperança para o povo americano e ao universo, que caminha pelas ruas do mundo. Na sua sombra, em alto relevo, surgiu a crise dos mísseis em Cuba; o medo despontou na agonia da respiração, no entanto foi solucionada politicamente. Os direitos humanos, os direitos de todos os homens, foram assuntos discutidos em todas as esquinas da América do Norte, tudo parecia ser diferente na era Kennedy.
Foi no seu governo, contudo, que os primeiros gritos sobre a guerra do Vietnã entraram na vida de todos nós. O presidente americano enviou armas para fortalecer a luta contra os comunistas do norte do Vietnã. Numa participação mais compromissada, enviou 16 mil homens capacitados para orientar os combates e autorizou o uso da napalm e do agente laranja, em áreas não povoadas por civis. Ao escurecer de um dia indiferente, Kennedy pensou em um plano para retirada dos soldados americanos do Vietnã.
O balanço da história e do momento levou o presidente até a cidade de Dallas, no Texas, com a finalidade de lançar sua campanha de reeleição; mas duas balas de um fuzil, disparadas às 12 horas e 30 minutos, atingiram a cabeça do jovem político, e a morte levou o homem que pretendia retirar seus soldados do Vietnã.
A guerra resolveu por si mesma e pelo desequilíbrio dos outros, transformou-se num dos conflitos mais violentos do mundo. Movida por esses acontecimentos tão desconcertantes, resolvi assistir ao filme “Nascido em 4 de Julho”, do cineasta Oliver Stone, um filme que, além demostrar a violência da guerra, enfoca as suas trágicas consequências, os desesperos presos na garganta.
II – O Filme
Existia uma família típica da população formadora da sociedade americana, mãe religiosa até onde a razão pode chegar; um pai, veterano de guerra, funcionário de um supermercado, três filhos vivendo os prenúncios e a adolescência. O filho mais velho, Ron Kovic reúne em si todos os ideais dos jovens americanos; estudioso, atleta, apaixonado por uma menina chamada Donna, trabalha com o pai no supermercado. Ron tem amigos, gosta de conversas, cria os seus planos; respeita os pais, é amigo dos irmãos e aguenta uma descompostura da mãe, por ter uma revista playboy em seu quarto. Vivendo no tempo em que a televisão inicia a sua invasão às casas da América, Ron atende ao chamado do país, da nação, do governo, dos políticos, dos fanáticos, das propagadas, alistando-se como voluntário, para lutar na Guerra do Vietnã.
À noite, em seu quarto, pensa em seu baile de formatura que, por falta de insistência, não pode ir. A sua namorada Donna, com toda certeza, dançava com outro homem. Caminhava de um lado para o outro, o quarto parecia minúsculo, os pensamentos saltam distancias incríveis; a chuva, do lado de fora, constitui-se numa realidade cansativa, repetitiva. Ron, vestindo uma camisa esporte, sai de sua casa, enfrenta a chuva, invade o baile, e dança Moon River, com Donna, é a sua despedida, antes da guerra. O diretor Stone usa a música Moon River, demonstrando a sua extraordinária capacidade artística, pois é a música tema do filme “Bonequinha de Luxo”, uma história cravada no coração dos americanos, uma espécie de matriz do grande sonho da América.
III – A Guerra
A guerra não sofre inovações, não há alterações dos ângulos de filmagem de Platoon; a mesma artilharia, os mesmos helicópteros, os incêndios, o desespero. A única dessemelhança existente está no personagem Ron Kovic. A cena distintiva das outras filmagens está numa Vila de Camponeses. O comandante do pelotão americano tem a certeza absoluta que o Vilarejo é um esconderijo de soldados inimigos. Ele dá a ordem de ataque. Os tiros, a metralha, o napalm, civis correndo cercados pelo inferno, Ron entra num dos casebres e se depara com uma família morta, homens, mulheres metralhados e uma criança viva, recém nascida chorando. A cena é a mesma de tantos outros filmes sobre o Vietnã, mas os efeitos provocados em Ron, em sua estrutura psíquica é desastrosa, destruidora, aniquiladora.
IV – O Outro Ron
Há um ataque do exército inimigo; o sol reflete-se nos olhos dos soldados americanos; Ron vê um soldado dentro do sol, correndo em sua direção, o reconhecimento é impossível; Ron atira. O corpo tomba, agoniza, morre. Ron mata, por engano, um soldado amigo. Esse acontecimento, comum à guerra, detona o psicológico de Ron. Poucos minutos após a cena, Ron é atingido nos pés, reage dando prosseguimento ao combate, leva um tiro nas costas.
Ron muda todo o seu perfil; chegou um soldado idealista, o choro de uma criança ressoava como imagem da injustiça, matando um amigo, e perde os seus movimentos. Os acontecimentos são fragmentos de um jovem, de um corpo jovem, oferecido à pátria.
V – O Hospital
É o mesmo hospital dos filmes anteriores sobre o Vietnã. A falta de higiene, a desumanização, o cheiro dissonante do odor de um país, a tentativa de sobreviver, a luta pessoal, o pedido de socorro e um padre dando-lhe a extremunção. A diferença entre o 4 de julho e o Platoon, centraliza-se no seguinte: Platoon aborda a guerra; o 4 de julho se preocupa com os efeitos da guerra na juventude, na sociedade americana.
VI – O Retorno de Ron
Ele retorna acreditando ser um herói, um defensor da pátria. A primeira realidade que atinge os seus olhos, ele não é um super-homem, é um paraplégico. O seu irmão, a nova geração, mostra-lhe a verdade sobre a guerra, o jogo político, a fragilidade, os interesses internacionais; ele como um soldado, atuou como marionete do poder.
A discussão com a mãe dessacraliza a instituição familiar americana, a religião, o amor a Deus, a dúvida sobre a existência do divino.
Ron sai de casa, tenta representar o idealismo americano, a validade e os efeitos da guerra. Na contramão assiste aos movimentos contra a guerra, presencia as passeatas, testemunha a força, a irreverência, a ideologia dos hippies, e a negação de qualquer finalidade da guerra do Vietnã.
Ron aventura-se num modelo de vida desconhecido, as noites, as bebidas, a droga, a vida colorida na mentira dos efeitos rotulados por segundos.
O encontro com Donna, a sua antiga paixão, engajada nos movimentos contra a guerra do Vietnã, revela-lhe a inutilidade de seus atos, de sua luta, de sua exploração como ser humano. Ron veste sua farda, senta-se em uma cadeira de rodas, tornando-se um participante ativo contra a violência, a guerra, e o choro dos recém-nascidos que, sobre o mesmo céu azul, ainda continuam chorando.
O filme terminou. O público saiu em silêncio, em algum rádio distante, ouvia-se a voz de Bob Dilan cantando “Masters of War” – “Vocês põe uma arma na minha mão/ E se escondem dos meus olhos”.
Entrei no restaurante mais próximo.
O frio de São Paulo batia na leveza da porta.
Queria entrar, mas sentia medo.
Pensando ainda na realidade do mundo, no choro do recém-nascido.
Fato do outro lado do mundo
Pedi ao garçon um caldo de mandioca com costela para aquecer meu coração.
Receita
Caldo de mandioca com costela
Ingredientes:
1 colher de sopa de colorau; 1 colher de chá de chimichurri; cebolinha verde picada; pimenta do reino; sal; 1 quilograma de mandioca; 1 quilograma de costela bovina; 200 gramas de linguiça calabresa; 1 cebola ; 4 dentes de alho; 1 colher de sopa de óleo; 1 tablete de caldo de costela (opcional)
Modo de preparo:
Primeiramente, pegue a costela e tempere com o chimichurri, os alhos, sal e pimenta do reino a gosto. Leve ao fogo uma panela de pressão com o óleo e doure a costela por uns 5 minutos, mexa a costela de vez em quando para evitar queimar o alho. Depois de refogar a costela cubra-a com água ou caldo de carne caseiro e coloque o tablete de caldo de costela. Tampe a panela de deixe a costela cozinhar por 40 minutos. Depois da costela macia coloque a mandioca, descascada, cortada e sem o fio interior, a calabresa picada, o colorau e sal. Cubra com água, tampe e deixe cozinhar por mais 20 – 30 minutos. Você saberá que o caldo com costela está pronto quando estiver cremoso, com a mandioca desfeita. Acerte o sal e finalize com cheiro verde.
Bom apetite!!!!
Por Adriana Padoan