I – O vencedor nas bilheterias
As pessoas movimentavam-se pelas ruas do mundo. Estudavam, brincavam, dançavam, conversavam, apaixonavam-se, escrevendo declarações de amor num pedaço de papel, metade de uma folha de caderno.
Em 1985, um jovem chamado Steven Spielberg, filmou “Tubarão”, “E.T. o Extra Terrestre” e “Os Caçadores da Arca Perdida”. O mar escuro, o movimento do tubarão passando por um bosque de algas esverdeadas; o monstro conhecido pelas suas barbatanas, tamanho dos dentes, nadava em câmera lenta, imaginando encontrar o corpo de um banhista perdido de amor e por isso buscou o fundo do mar, lugar bom para amortecer a dor.
O E.T. veio do espaço, de galáxias desconhecidas, a sua nave espacial ou disco voador, riscou mais de dez atmosferas e, por fim, aterrissou no planeta Terra. Andou pelas florestas ressuscitando flores que estavam perdidas para vida. O mundo se emocionou, se encantou, chorou o que havia para ser chorado.
A arca estava perdida, desaparecida dentro de todas as bíblias. As pistas eram poucas, quase inexistentes. No entanto, para uma missão desse porte Steven construiu, no interior de sua câmera um herói chamado Indiana Jones e o mistério sobre a arca saiu dos sorrisos da areia do deserto.
As bilheterias dos cinemas do mundo levantaram lucros que ofuscaram as garras dos famintos e gulosos estúdios americanos. O roteiro econômico atravessou os morros, as montanhas, pedaços dos oceanos bravios, desceu e subiu as encostas. Nesse sentido e motivados pela abrangência dos meios de produção, tentaram convencer Steven a desvendar o gênero dramático, os suspiros presos no coração das grandes obras da dramaturgia e da literatura, para poder disputar os grandes prêmios da academia cinematográfica. Foi dessa forma e pelos motivos apontados que o filme “A Cor Púrpura” caiu nas mãos e nas sensibilidades do diretor que seduzia lucros fantásticos.
II – Todas as cores são misteriosas
A cor púrpura representa para muitos povos e nações a penitência; para outros, está nas ramificações do nosso corpo, ou seja, a cor de nossas veias. Há populações que interpretaram a cor púrpura como o coração de espiritualidade, as mãos estendidas da intuição, o balanço do vento, a formadora da metafísica, a sedutora da alquimia, a criadora da formosura, da magia mais distantes.
Na Grécia antiga havia um molusco que habitava a quentura das praias, era o animal de onde os artesãos extraiam o corante vermelho, próximo ao roxo e ao negro, que transformava a arte num mistério direcionado à interpretação do que era visível. Os magistrados de Roma, homens nascidos na tensão da justiça usavam togas púrpuras. No passar dos anos e da providência a púrpura tornou-se a cor do Império Romano e de todo o seu poder.
III – A cor púrpura de Alice Walker
Estamos falando de um livro que foi publicado em 1982. A autora era filha de um agricultor. Sua mãe era costureira muito conhecida na região. Uma noite, segundo consta nas anotações dos gnomos andarilhos, Alice resolveu escrever um livro epistolar entre duas irmãs e, ao mesmo transcurso questionar o que a sociedade americana realizou e permitiu que acontecesse aos escravos após a abolição.
IV – Roteiro – Câmera – Coragem
Steven Spielberg confessou várias vezes, em centenas de entrevistas que dirigir A Cor Púrpura foi o maior desafio de sua carreira. A história, para ele, continha episódios pesados, duros, cruéis, toda via e infelizmente, reais. O diretor suava, pensava, sentia uma dor profunda, pois desconhecia esse drama que cortou a carne da história americana. A sua capacidade de criar cenas lindas, sentimentais, otimistas, caminhando em direção a esperança, secaram de repente, escorregaram por barrancos que pararam diante do olhar da câmera. Muitas cenas não foram mostradas, como a passagem da personagem Sofia pela prisão.
V – Celie – A dor e o olhar
O filme narra a história de Celie, uma mulher negra que morava no sul dos Estados Unidos. Ela vivia encolhida pelos cantos da casa, olhar assustado, chegando ao pânico. No silêncio da noite, durante o canto das folhas das plantações era abusada sexualmente pelo padrasto para proteger a irmã menor Nettie.
O terror espalhado pela boca da sociedade, fazia com que Celie tivesse várias gravidezes, entendidos como fatos normais. Os filhos eram retirados ao nascer e vendidos a casais, missionários, religiosos, comunidades de assistência social.
Os dias e as noites de Celie não possuíam sons, rezas, orações; o seu isolamento, para dentro de si mesma nascia na chegada ou despedida da lua; no calor raivoso do sol; nas correntezas de rios sem princípio e sem fim.
No milharal que tomava a distancia do olhar, uma espiga soltou seus cabelos vermelhos, seu corpo dançou na sombra de sua beleza e, nessa oportunidade, Nettie resolveu fugir de casa prometendo a irmã Celie, escrever-lhe cartas, para que nunca se separassem nessa ou em outra vida.
VI – A brutalidade muda de casa
O padrasto entrega Celie em casamento a um fazendeiro da região chamado Albert Johnson. Pela lei americana, pelos olhos da cidade e região, Albert era um negro lavrador e, por isso identificado como fazendeiro. Em casa e para Celie era um maníaco sexual, um homem violento, torturador físico e psicológico. Os dias de Celie eram marcados pela violência, pelo abuso e covardia, no entanto, no cantinho do seu coração ainda havia um pedaço de esperança, receber uma carta de Nettie.
VII – A chegada da cantora Sugar Avery
Sugar era cantora e fora amante de Albert. Cantava blues, música que compunha uma somatória de tristeza e dor, no único bar da região. Vestia-se bem, vivera em grandes cidades, era filha do pastor da igreja local que a repudiava, embora, no passado tenha sido amante de Albert, Sugar passa uns tempos na casa de Celie.
Celie oferece a Sugar os cuidados que ela nunca teve, pois como toda mulher negra, na época pós-abolicionista, fora judiada, massacrada por muitos homens, até fazer sucesso.
No dia a dia, na passagem das horas arrastadas, Sugar mostrou a Celie que, nunca conhecera uma mulher, dona de uma beleza interna tão intensa como a de Dona Celie.
As mudanças não aconteceram nos finais pintados pelas estações do ano, mas, lentamente. Celie começou a sorrir e abandona a sua roupa de mulher intimidada, medrosa, solitária, passando a vestir a roupa e a alma de uma mulher decidida.
Com a ajuda de Sugar, Celie encontra centenas de cartas que escrevera a irmã Nettie e que foram desviadas e escondidas por Albert. No mesmo esconderijo havia centenas de cartas enviadas por Nettie que tivera o mesmo destino.
Lendo essas correspondências feitas de palavras simples, contendo erros gráficos, Celie revê as suas conversas com Deus, ideias profundas, pensamentos filosóficos registrados por um corpo, uma raça, uma alma oprimida. Na verdade, é um grito lançado por quem só conheceu a violência, a dor, a desilusão, a solidão; sem consciência de que vivia, andava, respirava.
A partir dessa cena, a personagem torna-se complexa, dona de um destino que caminha na frente da história, da organização social. A sua coragem e transformação lhe dão forças para abandonar o marido Albert, abrir um negócio na cidade vizinha tornando-se vitoriosa.
As cenas finais são filmadas num campo florido; o mesmo vento que balança as flores traz a irmã Nettie de volta. Ela partira para sua terra de origem, para participar de um trabalho missionário e, sem que Celie soubesse tomara conta dos seus dois sobrinhos, desta forma Celie conheceu seus filhos.
O filme “A Cor Púrpura” aponta as falhas ocorridas pós-abolição, nos Estados Unidos. Assim conseguiu abrir um espaço histórico que possibilita o aparecimento da esperança, do reencontro, da vida que deveria ter sido. A libertação como processo real, após tantos anos de sofrimento deu uma partida no levantamento documental que comprova cientificamente esse período. A intelectualidade estendeu o olhar na direção do horizonte e, num ponto qualquer descobriu que o direito de sonhar, não poderia passar por um período de tanta repressão. A cultura leu a poesia, o drama, o vagido daqueles tempos; ouviu o canto de um pássaro, uma mistura de penas vermelhas, azuis, roxas, uma ave com a cor púrpura, soltando uma cantilena acompanhado por um coral feito de vida e brisa, um som que provavelmente dizia: Celie! Celie! Você se tornou a mãe da América”!
RECEITA
MUNGUNZÁ
Ingredientes: 2 copos de leite de coco; 2 copos de açúcar; 2 copos de leite; 1 unidade de canela em pau; 5 unidades de cravo-da-índia; canela em pó a gosto;500 gr. de canjica.
Modo de fazer: Coloque a canjica de molho durante 12 horas. Leve ao fogo com água para cozinhar. Quando a canjica estiver tenro ainda e com um pouco da água do cozimento, coloque o leite de coco, o leite, o açúcar, os cravos e a canela em pau. Deixe cozinhar mais um pouco ou até ficar bem macia. Sirva em prato fundo ou em taças individuais, polvilhado com canela.
por Adriana Padoan