I – Apresentação da pata
Eu sou uma pata da raça real; minhas penas são brancas profundas, mas as penas da minha cabeça são pretas noturnas. Estou aqui para contar a história do filme “Tomates Verdes Fritos”.
II – A abertura do filme
A câmera registra um carro parado ao lado de uma estrada de ferro. Dentro do carro, no volante está Ed Couch, comendo um sanduiche com um mapa em uma das mãos. Ao seu lado, sua esposa Evelyn, mulher de 40 anos, sorri, um riso descontente. Eles estão na cidadezinha para visitar a tia de Ed, que se encontra internada em uma clinica de repouso. A tia de Ed, não suporta Evelyn, por isso não permite a sua entrada no quarto. Em todas as visitas, enquanto Ed dá atenção à tia, Evelyn o aguarda na sala de espera.
Como já se disse, sou uma pata narradora, por esse motivo observei que, enquanto o carro estava parado ao lado da linha férrea, Evelyn ouve o ruído de um trem aproximando-se. Demonstrando um ar de quem procura entender algo, pergunta a Ed se ouvira o barulho de um trem. Ele a olha meio espantado e responde-lhe: “não”. O trem não veio, não apontou na distância dos trilhos, apesar disso, lança no ar uma profecia importante para o enredo – existe um trem e a sua presença compõe o perfil do povo daquela cidadezinha.
III – Evelyn, o encanto no encarte do desencanto.
Hoje, ela tem 40 anos, mais ou menos a mesma idade do marido. Ambos engordaram o delineamento do corpo, mergulhando num viver desapressado em relação à correria fadada da existência. O casal teve um filho, Karl, que ganhou os caminhos da distância para encontrar a sua saga.
Eu fico espantada diante da Evelyn que vive o seu presente. Ela, por um ou por vários motivos, tornou-se uma mulher reprimida emocionalmente, não consegue externalizar o que sente, não gosta da sua aparência física, desvia a sua libido para comida, principalmente para os doces, a sua autoestima não consegue ressignificar-lhe os desejos, sua capacidade de sedução empacota-se nos processos de ingestão alimentar. Movida por desespero, devora cursos e palestras que trabalham técnicas para salvar o casamento.
O marido, Ed Couch, foi consumido pela insensibilidade, seu romantismo debruçou-se na boca de um poço tampado, a indiferença pela mulher parece uma doutrina. Ed chega do trabalho sem demonstrar o mínimo desejo de entrar em casa; abre uma cerveja, segura o prato com a comida feita por Evelyn, liga a TV para assistir aos jogos dos mais variados esportes; a esposa, para ele é invisível. A simbologia usada no filme é uma gravura em alto relevo, pois Couch, sobrenome de Ed, em inglês é sofá; exatamente no que ele se transformou.
IV – A memória de Ninny – o retorno ao passado
Vou contar agora, por precisão, como que a década de 20 enrolou-se na década de 80. Evelyn está sentada num sofá da sala de espera da clínica de repouso aguardando o marido Ed.
Aproxima-se dela, inesperadamente, uma senhora de 83 anos, risonha, simpática, cativante. A conversa entre as duas circula em direção a mundos profundos. A idosa chamava-se Ninny e num repente começa a contar a Evelyn a história dos Thereadgoode, uma família vivente na década de 20. A filha mais velha da família está se arrumando para o seu casamento. A filha mais nova Edgie, uma composição meio antagônica solta na natureza, uma mistura bem feita de doçura, silêncio, rebeldia, tem problemas em arrumar-se; briga com o irmão menor e desaparece. Buddy, o único irmão que a entende, convence a irmã a voltar para casa e participar do casamento. Após o casamento, Buddy, a namorada Ruth, e Edgie vão caminhar sobre as águas da barragem, uma das cenas mais lindas do cinema. O chapéu de Ruth voa de sua cabeça, tocado pelo vento, caindo nos trilhos do trem, Buddy corre nos trilhos da estrada de ferro tentando recuperar o chapéu, seus pés ficam presos nos dormentes; o trem surge na curva da estrada, a morte de Buddy ocorre entre os apitos desesperados da máquina e a fumaceira desencantada, vomitada pela chaminé.
V – O amor encoberto pela nuvem
A morte de Buddy causou um vendaval na existência de Edgie, transformando-a numa pessoa isolada, briguenta, inquieta, calada em si mesma e para o mundo.
Numa manhã nascida de um sol acanhado, Ruth veio passar uns tempos na casa dos Thereadgoode e daqui para frente o filme penetra numa espécie de poesia escrita com palavras fortes.
Em uma noite, Edgie e Ruth entram num trem, passando a distribuir, ao povo oprimido pela fome parte do estoque de mercadoria de um dos vagões. Num determinado momento as duas saltam do trem em movimento. Os corpos estão no espaço, numa espécie de voo mútuo. Aqui a amizade começa a se consagrar.
A câmera focaliza uma estradinha perdida no meio de um vasto campo. O carro rodando em direção ao incógnito; a árvore solitária, o pano estendido na grama. Os olhares ampliados na profundidade da natureza e na densidade da alma das duas mulheres. Edgie levanta-se, caminha até a árvore retirando de uma colmeia um favo de mel, ofertando-o a Ruth. Esse gesto fortalece os laços de amizade entre Ruth e Edgie. No retorno para casa, Ruth anuncia a Edgie a sua partida, para casar-se com Frank Bennett. Um verdadeiro ranço da Ku k lux klan. Tempos depois Edgie descobre que Frank agredia Ruth violentamente e, além disso, estava grávida. Num gesto de amizade, Edgie consegue retirar Ruth de sua casa, fazendo com que ela se separasse de Frank.
VI – Tomates Verdes Fritos
Afastada do marido, Ruth e Edgie abrem o restaurante Whistle Stop Café, servindo o famoso churrasco feito por Big George e os Tomates Verdes Fritos. As duas trabalham juntas, vivem a consolidação de uma família, o que fortalece a relação familiar e de amizade que o filme tematiza.
A morte de Ruth eleva o filme a conduzir um manifesto em nome da comoção, da história, da lenda, da superação. A história de Edgie narrada por Ninny a Evelyn, capítulo por capítulo, funciona como a introdução do direito de realização de uma metamorfose na existência da ouvinte, reprimida em seu minúsculo espaço. Amparada pela história de Edgie, Evelyn refaz o seu mundo, a sua valorização como mãe, esposa, mulher e para isso, ressignifica a sua sexualidade, liberando-se para sentir e viver uma nova fase no interior de um destino rarefeito.
Dessa forma, o filme consegue unir a década de 20 à década de 80, refazendo a performance da psicologia humana, buscando no passado, a valorização e correção do presente.
Agora é o meu momento, espero ter narrado o filme direitinho, o meu bando de patos arruma as malas para nova migração, antes de ir, deixo a todos a seguinte mensagem:
O trem, no filme, é o signo do movimento. A representação da chegada e da partida, da vida e da morte, da permanência e da fuga, da alegria próxima e da tristeza distante.
O dia em que o trem parou, a cidade Whistle Stop morreu a casa de Ninny desapareceu só os tomates verdes fritos ficaram
Receita
Ingredientes: 4 tomates verdes; 1 xícara de farinha de trigo; 2 ovos; ¼ xícara de leite; ½ xícara de farinha de rosca; ½ xícara de fubá; ½ colher de sopa de páprica picante; pimenta preta; sal; óleo para fritar.
Modo de fazer:
Corte os tomates em fatias grossas. Tempere com sal, forre uma travessa com papel toalha e deixe-os descansar por aproximadamente 15 minutos. Enquanto isso prepare os ingredientes para empanar. Em uma tigela coloque a farinha de trigo e tempere com um pouco de sal. Em outro prato bata os 2 ovos e o leite e for fim em uma tigela misture a farinha de rosca, o fubá com a pápricas e pimenta preta a gosto. Empane os tomates verdes passando-os pela farinha de trigo e pressionando para que fiquem bem cobertos, em seguida passe pela mistura de ovo e despois na mistura de fubá. Aqueça uma frigideira com olho garantindo que as fatias ficarão submersas pelo óleo. Quando o óleo estiver bem quente comece a fritar, virando para que os dois lados fiquem bem corados. Retire com uma escumadeira e acomode sobre papel toalha para eliminar o excesso de gordura.
Por Adriana Padoan