I – O mar perdido em cores
As ondas do mar batendo sobre as pedras, as águas das profundezas davam um banho nas rochas solitárias, escuras, atemporais. Um homem introvertido em seu coração, observava uma nau, parecia de brinquedo, aproximando-se da linha do horizonte. As velas resolveram sumir, o madeirame foi desaparecendo pouco a pouco, alguns riscos de homem marítimo voaram sem nada a dizer. De repente não precisamos falar de tempo exato, a nau desapareceu, engolida por uma boca aberta em algum lugar.
O homem que observava a navegação, os peixes pulando as ondas, a nau girando em uma massa de água chamava-se Cristovão Colombo. Ele era alto, porque a altura estava por dentro dele; naquele momento divino, o desaparecimento da nau nas garras das linhas do horizonte, deu a ele a certeza de longo tempo, ou seja, a Terra era redonda e podia-se chegar às Índias por um caminho marítimo bem mais rápido.
II – Cristovão Colombo na Universidade de Salamanca
A Universidade era da dimensão do mundo. Formada por autoridades eclesiásticas, professores, doutores, geógrafos, cartográficos. Alunos donos de olhares espantados. Colombo falou por uma hora, voz pesada. As autoridades eclesiásticas duvidaram dos seus pontos de vista. Deus, presente no meio dos alunos, acreditou. O assunto era a possibilidade da circunavegação da Terra.
O chão tremeu.
A ignorância desmaiou.
Um desmaio inexplicado.
As andorinhas, sentadas
No batente das janelas.
Ouviram Colombo e cantaram!
III – Colombo e os reis de Castela
Colombo entrou no salão nobre onde os reis Fernando e Isabel o esperavam. Sua cabeça pensava nos desvios do tempo, no cheiro de cada época. O navegador sabia por informações e comentários que Fernando era primo de Isabel em segundo grau e, para que o casamento se realizasse tiveram que pedir permissão ao Papa Sisto IV, que aceitou que a união fosse realizada.
Os dois ouviram o projeto de Colombo, desvendaram a realidade e a crença que havia no olhar do desbravador dos mares, da proposta de economia de tempo e, ao mesmo instante, abrir a rota do sol com as mãos das certezas que corria nos olhos de Deus.
Isabel viajou sem sair do chão, sentiu que havia segredos dentro das nuvens, nas brincadeiras das estrelas. Esse segredo reentrante no olhar daquele aventureiro do oceano fortaleceu a fé que o corpo de Cristo orientava as suas decisões. A sua voz, a sua sentença, garantiram os sonhos que moravam na alma de Cristovão Colombo. Evidentemente que, por traz da cortina do teatro histórico, não podemos nos esquecer da concorrência entre Espanha e Portugal diante do processo denominado de expansão marítima no movimento comercial europeu.
IV – 1492 – A marca no rosto da época
O filme 1492, a conquista do paraíso, procura criar uma espécie de fábula em torno do pensamento puramente eurocêntrico que sustentava Cristovão Colombo. O diretor Ridley Scott, lança os seus olhos de cineasta na beleza estética que abraça esse sonho e sua realização. A trilha sonora movimenta cada gesto dos atores e o balanço vitorioso dos navios desafiando a bravura do mar, os peixes maiores flutuam na dianteira das emoções, comemorando os 500 anos da aventura de Colombo.
O cenário grandioso, elaborado num estúdio acima da lua, acaricia as madeiras da Nau Santa Maria; a dança das caravelas Pinta e Niña. Colombo, agarrado aos cordames vislumbra as ondas e o medo da noite que, no fundo do seu caráter escuro, sente pânico da coragem daqueles homens que costuram a sua própria mitologia. O nome de Colombo integrou-se nos livros que tentam desvendar os impulsos do enredo engolido pelas escolas.
E a flor que Francisco
Levava na mão,
Ninguém viu
O pedaço de pano vermelho
Que o Juan beijava,
Lembrança da Helena,
Não consta dos livros
E o brinco feito de caroços
De manzanas.
O José Antônio o trazia colado ao peito.
Ninguém fala essas coisas em sala de aula.
E o pedacinho de pão com pesto, duro como o convés, que o Javier, quase garoto, traz enroladinho no lenço, lembrança da mami e do seu avental cheirando carinho, ninguém o colocou numa lousa preta, verde ou digital; nem a lágrima escondida de Javier os professores escrevem, falam, comentam.
A navegação é um longo suspiro, os desejos de Colombo veem na distância do caminho das Índias, mas as Índias não veem em direção a Colombo. A coroa espanhola boia em qualquer espuma do mar em forma de rodeio e os sonhos navegam.
V – Um índio triste porque o outro está alegre
O sol só mostrava as sombrancelhas de fios de ouro. O dia, visto na marcação da suja folhinha mostrava o número 12 do mês de outubro. A nau avistou a ilha de Guanani, pedaço de terra estendido em si mesmo. Colombo pulou na água, ajoelhou-se a e a batizou de São Salvador.
O navegador e os marinheiros viram os índios, uma mistura de carne bronzeada com sentimento. O primeiro pensamento dos navegantes foi: “Vamos levar esse povo a Deus”.
O filme mostra um Colombo abrindo a camisa, mostrando o peito, parte do corpo que carrega benevolência, bondade, amor simples, amor de subsolo. O castigo apareceu, no entanto, nos atos de desobediência dos indígenas.
O pacifismo durou pouco tempo, deu somente para as ondas brincarem, um pulinho bem raso, para depois surgirem os tiros, as agressões, a loucura pelo ouro e pela prata. Para os índios, aqueles homens brancos, visitantes longínquos, filhos dos oceanos, do sol, foram enviados pelos deuses.
As batalhas não acordaram muito tarde. A cultura saia da pele branca, tentando perfurar o bronze. Os brancos escreveram na areia nevada da praia, suas leis repressivas e onipotentes. O índio, ser humano, para o europeu, não valia muita coisa, era diferente de gente, andava pelado, carregado de pecado.
A formiguinha vermelha
Fez um buraquinho no chão
Do lado direito do buraco,
O branco desenhado por Deus.
Do lado esquerdo o índio,
Responsável pelo choque entre duas etnias
O tucano de múltiplas cores
Ao lado de sua esposa, dizia:
“Isso não vai dar certo”.
Colombro partiu sem levar muitas coisas aos reis da Espanha, mandou encher os navios com esperanças, possibilidades, dúvidas, e uma goiabinha no bolso chamada araçá.
No seu casaco de lona
No bolso esquerdo
Um pedaço de papel dizia:
Colombo almirante
Colombo vice-rei
Governador e capitão geral
VI – Américo Vespúcio
Américo Vespúcio navegou pelas mesmas águas nascidas dentro dos oceanos. Colombo retornou várias vezes. Construiu igreja, casa do conselho, sino chamando o entardecer. No entanto, Américo Vespúcio viu a descoberta de Colombo sem máscara no rosto e, por isso, percebeu que não estava na Índia, o que ele observava era “um novo mundo”, uma América.
Peneirando a poeira da história, a descoberta da América reuniu forças fervidas nas panelas da civilização. A Igreja temperou os caminhos e estradas; os reis católicos mandaram um desfile de jesuítas; os índios entraram na flor chamada girassol para ganhar a domesticação; a nudez vestiu roupas carimbadas com a palavra “escravos”; a economia dançou o ritmo do mercantilismo, do ouro e da prata; a espada e a cruz perfuraram o solo, a terra, em nome da civilização.
A noite chegou sem bater na porta. A data, mais curiosa do que dotada de certeza era 20 de maio de 1506. Colombo, deitado em sua velha cama, morria e pensava na duração da vida que passou pelo buraco da fechadura:
“Não é fácil, nada fácil,
Construir um mundo novo.
Naveguei para provar uma teoria.
A paz que eu procurava,
Misturada com desejos de riqueza
Virou atrocidades e muita violência.
Estive preso, punido, e reconheceram,
Junto com a minha dor,
Que Américo Vespúcio descobrira a minha América”.
O obra de Ridley Scotly, com roteiro escrito por Roselyne Bosh, usa na abertura do filme as pinturas do artista Thodore de Bry, pintada de vermelho, simbolizando que a colonização da América não empregou processos pacíficos para plantar o poder na beirada de um barranco.
O filho de Colombo,
Preso em seu silêncio,
Escreveu a biografia do pai,
Colocando-o como o verdadeiro
Descobridor da América.
O nome de seu filho era Fernando,
Mas isso costuma não entrar na casa dos livros didáticos.
RECEITA
TOCINO DE CIELO
Ingredientes: 500 gr de açúcar; 12 gemas; 2 ovos; 1 colher de sopa de água; 250 ml de água; 1 casca de limão; caramelo; folha de alumínio.
Preparação: Coloque um pouco de caramelo no fundo das formas e reserve. Junte o açúcar com a casca de limão e 250 ml de água e leve a fogo brando, deixando ferver por 5 minutos (105ºC). À parte bata as gemas com os ovos inteiros e a colher de sopa de água, até formar um creme fofo. Retire a casca de limão e sem parar de bater verta a calda em fio sobre o creme de ovos. Divida o preparado pelas formas e tape-as com folha de alumínio. Leve ao forno, pré-aquecido a 180ºC, a cozer em banho-maria. Deixe esfriar completamente antes de desenformar.
Por Adriana Padoan