• Marcus De Mario – Instituto Brasileiro de Educação Moral-IBEM/RJ
Com a divulgação e aceitação cada vez maior do Espiritismo, a literatura espírita conheceu vertiginoso crescimento, contando-se aos milhares os livros espíritas que estão à disposição em distribuidoras e livrarias, não apenas espíritas, mas igualmente no mercado livreiro em geral. Várias editoras não-espíritas abriram selos específicos para publicação de obras espíritas e, nessa verdadeira explosão literária, proliferam como campeões de venda os livros de origem mediúnica, notadamente romances e narrativas sobre o mundo espiritual.
Entretanto, será tudo verdadeira literatura espírita? Como explicar a eclosão pandêmica da mediunidade literária?
Estudar esse tema é de máxima importância, pois quando alguém se interessa por um livro por ele tratar do Espiritismo, mas sem nada conhecer do assunto, poderá ter um mau começo no estudo e compreensão da doutrina, caso o livro em questão ofereça conceitos que não se coadunem com os princípios espíritas encontrados nas obras da Codificação, ou seja, os livros assinados por Allan Kardec.
É extremamente preocupante verificar que muitas editoras têm no movimento espírita apenas um nicho de mercado, de onde podem retirar lucros, mas sem nenhuma preocupação de ordem doutrinária.
Há tempos nos batemos pela necessidade das editoras que publicam livros espíritas terem um Conselho Doutrinário, formado pelo menos por cinco espíritas reconhecidamente sérios e detentores de maior conhecimento do Espiritismo, para que analisem com critério os originais. E vamos mais longe: que os membros do Conselho Doutrinário não se conheçam, ou que residam distantes, evitando-se assim trocarem informações, para que suas análises sejam imparciais. A editora, desse modo, assumiria compromisso com a doutrina espírita, mesmo que não se declare de fato espírita, e falamos aqui do compromisso de respeitar os fundamentos do Espiritismo, evitando publicar obras que possam deturpar a doutrina e confundir adeptos e simpatizantes.
Igualmente nos preocupa a criação de editoras por parte de centros espíritas, ou mesmo de um médium, pois elas tendem a endeusar a mediunidade e publicar tudo quanto um ou dois médiuns produzem. É um erro grave, pois Allan Kardec alerta para que tenhamos dois critérios de análise antes de qualquer divulgação: o crivo da razão e da lógica, e a concordância universal do ensino dos Espíritos. Desde que a editora só publique livros de um único autor ou médium, temos grande risco de erros doutrinários. É o que temos assistido.
Algumas editoras e médiuns se defendem das críticas literárias e doutrinárias alegando que os Espíritos estão fazendo novas revelações. Sem a concordância universal do ensino dos Espíritos, ou seja, sem que outros Espíritos, através de diferentes médiuns, em locais variados e espontaneamente, tenham falado a mesma coisa, só podemos tomar a nova revelação como ideia pessoal do Espírito. Não pode ser divulgada sem a sanção desse critério, ainda mais quando se choca frontalmente com os princípios espíritas consagrados e exaustivamente estudados.
Temos também de compreender que nem todo médium que psicografa uma mensagem é, necessariamente, um médium literário, apto a receber romances, contos, narrativas, poesias.
O médium literário é um médium especial e, por isso mesmo, não encontramos um médium desses em cada esquina, ou em cada centro espírita. Uma boa leitura de O Livro dos Médiuns será suficiente para esclarecer essa questão, onde compreendemos que boa parte da produção mediúnica é exercício (que se joga fora) e de interesse particular (para o próprio médium, familiares, pessoas que o procuram ou para o grupo ao qual pertence).
O próprio Allan Kardec afirma ter aprovado para publicação apenas dez por cento de todas as mensagens que recebia, provindas das mais variadas fontes. E ele não pode ser acusado de rigor excessivo, pois era considerado o bom senso encarnado. Critérios existem para serem aplicados sem parcialidade, independente do médium, do autor espiritual, do grupo espírita, e era justamente o que o codificador fazia. Façamos o mesmo.
Por outro lado, os dirigentes dos centros espíritas possuem uma responsabilidade adicional, a de aplicarem os critérios acima citados na livraria, pois é cômodo adquirir para revenda o que está sendo publicado e divulgado, mas a comodidade pode acarretar irresponsabilidade.
É dever dos dirigentes espíritas igualmente submeter a análise literária e doutrinária os livros publicados pelas editoras. O que vale para editores vale também para distribuidores e livreiros. Como existe o livre-arbítrio e tudo pode ser escrito e publicado em nome do Espiritismo, e não temos como coibir isso, pois de tudo pode se abusar, compete ao movimento espírita o dever e o direito de submeter a análise e rejeitar tudo quanto seja contrário aos princípios da doutrina espírita. Como as análises variam de pessoa a pessoa, de grupo a grupo, poderemos encontrar o livro que procuramos nas mais diversas fontes, mas teremos, pelo menos nos centros espíritas, a garantia de que estamos comprando livros que passaram por criteriosa análise, conforme preceitua a codificação. Longe de nós considerar que esse sistema seja infalível, mas tornará cada vez mais raro a exposição de maus livros, sejam eles de autores encarnados ou desencarnados.
Como assevera Erasto, no item 230 de O Livro dos Médiuns: “Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea”. É o compromisso doutrinário que médiuns, escritores, críticos, editoras, distribuidoras e centros espíritas devem assumir, pois sabemos, voltando à questão do livro mediúnico, que entre os Espíritos os há de graus bem diferentes, do mais ignorante ao mais sábio, e que, portanto, nem tudo pode ser aceito.