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quinta-feira 28 novembro 2024
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Coluna Espírita – O Evangelho de Judas

• José Passini – Juiz de Fora -MG
A publicação de um manuscrito encontrado em 1978, a que se deu o nome de Evangelho de Judas, provocou o pronunciamento de teólogos de vários grupos religiosos e também de analistas leigos que chegaram a conclusões apressadas, como esta: “… foi revelado publicamente ontem, fazendo estremecer as estruturas do Cristianismo.”
Equivoca-se o articulista ao confundir Cristianismo – que é o conjunto dos ensinamentos e exemplos de Jesus, expostos principalmente no Sermão da Montanha – com as interpretações dos teólogos que contribuíram para o surgimento das várias correntes cristãs.
O teste do carbono 14, que foi positivo ao constatar que o documento tem mais de mil e setecentos anos, apenas comprova a sua idade, de vez que só por ser antigo não significa que não registre unicamente a posição pessoal, apaixonada e equivocada de algum cristão dos primeiros tempos.
É de se estranhar o caráter de certa forma evasivo de alguns pronunciamentos levados a efeito por religiosos e por leigos, o que se deve talvez a uma falta de compreensão profunda da missão libertadora do Mestre, situando-o apenas no campo místico, apartado da objetividade da vida humana.
Analisando-se a atuação de Judas, segundo os Evangelhos contidos no Novo Testamento, verifica-se que o traído foi ele e não o Cristo, pois Jesus demonstrou, na ceia, conhecer-lhe os pensamentos. Judas foi, seguramente, o discípulo que menos entendeu o alcance das lições do Mestre. Demonstrou não ter-lhe compreendido as propostas para a libertação espiritual da criatura humana, e não para a libertação física do povo judeu, submetido ao poderio romano, conforme tudo indica deve ter o Apóstolo almejado.
É muito ingênuo imaginar-se que alguém poderia trair Jesus. O Mestre penetrava profundamente o íntimo das pessoas, conforme se vê também no seu encontro com a Samaritana, quando demonstrou conhecer-lhe o pensamento e a vida nos seus mínimos detalhes. Além do mais, já havia anunciado que o momento do seu martírio se aproximava. Ele entregou-se porque já havia terminado sua missão, deixando mais um testemunho do valor relativo da vida física e do valor absoluto da não-violência.
Acreditar-se que Jesus “convenceu Judas a traí-lo, a fim de que pudesse libertar-se da vida física”, conforme o documento achado, é imaginar o Mestre induzindo alguém a um erro capaz de imortalizar negativamente seu autor, o que é simplesmente absurdo.
O texto certamente foi redigido por alguém que desejava tirar o terrível estigma que marcava Judas, mas que por não conhecer suficientemente a estatura espiritual de Jesus e a natureza de sua missão, foi capaz de colocar-lhe na boca afirmativas de teor ingênuo, completamente destituídas da objetividade educativa das lições do Mestre: “Olhe, já lhe contei tudo. Levante os olhos e olhe para a nuvem, para a luz dentro dela e as estrelas que a circundam. A estrela que comanda o grupo é a sua estrela.”
O texto vem a propósito. Nota-se, nas últimas décadas, uma tendência à discussão mais profunda a respeito da missão de Jesus, suscitada pelo aparecimento de obras como “O Código da Vinci”, “Um Judeu Chamado Jesus”, “Arqueologia de Madalena”, dentre muitas. Há um lado positivo a ser observado nessas obras de caráter iconoclasta e até escandaloso: levar o homem a pensar, a raciocinar em matéria religiosa, não mais vendo Jesus como um salvador que ofereceu seu sangue inocente graças à traição de um discípulo que não entendera o alcance de suas lições – para a redenção da Humanidade, mas descobrindo no Mestre um educador de almas. Pelo estudo, pela reflexão, é possível escoimar a figura de Jesus de todos os aspectos místicos de que alguns teólogos o revestiram, para descobrir nele, não um Deus encarnado, mas um Espírito sábio e santo que desceu à Terra, em missão sacrificial, para indicar-nos o caminho para Deus, não mais através de oferendas, de autoflagelações e de rezas, mas do esforço de autoaprimoramento e do serviço ao próximo.