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segunda-feira 25 novembro 2024
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Coluna Espírita – Há de fato uma moral espírita?

• Rogério Miguez – São José dos Campos/SP
Esta bem consolidada a visão de que a Doutrina espírita compreende aspectos científicos, filosóficos e morais, sendo o último basicamente desenvolvido em O Evangelho segundo o Espiritismo e na terceira parte de O Livro dos Espíritos.
Interessante notar, contudo, embora Allan Kardec tenha registrado inúmeras páginas explicando como funcionam os aspectos morais dentro do corpo doutrinário, a rigor, o Codificador não criou uma moral espírita, ou por outra, uma moral elaborada especificamente para o Espiritismo. Todos os conceitos morais básicos descritos no Pentateuco espírita, sem exceção, não são novos.
As leis morais hão de ter sido reveladas à Humanidade em todas as épocas, em muitas civilizações, por diversos mensageiros ou missionários. Tome-se, por exemplo, estes conceitos emitidos por Jesus: Ele [Jesus] respondeu: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas (Mateus 22:37-40). Entretanto, estes dois fundamentais ensinos já haviam sido registrados há séculos no Antigo Testamento:
1. O primeiro está registrado no último livro do Pentateuco de Moisés – Portanto, amarás a Iahweh teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força – Deuteronômio 6:5.
2. Enquanto o segundo vem de permeio a uma lista de orientações sobre condutas morais em sociedade – Não te vingarás e não guardarás rancor contra os filhos do teu povo. Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou Iahweh – Levítico 19:18.
Como se observa nem mesmo conceitos consagrados emitidos por Jesus são originais, e não nos surpreendamos, pois não poderia ser diferente, porquanto, as leis divinas são únicas e imutáveis e foram divulgadas por emissários diversos em diferentes momentos, em diversas culturas, de maneira peculiar à cada grupo.
E foi o próprio mestre de Lyon quem por mais de uma vez confirmou esta realidade: Perguntam algumas pessoas: Ensinam os Espíritos qualquer moral nova, qualquer coisa superior ao que disse o Cristo? Se a moral deles não é senão a do Evangelho, de que serve o Espiritismo? […] Não, o Espiritismo não traz moral diferente da de Jesus.1 (Negritamos.)
Mais à frente, na mesma referência, acrescenta: Jesus veio mostrar aos homens o caminho do verdadeiro bem. Por que, tendo-o enviado para fazer lembrada sua lei que estava esquecida, não havia Deus de enviar hoje os Espíritos, a fim de a lembrarem novamente aos homens, e com maior precisão, quando eles a olvidam, para tudo sacrificar ao orgulho e à cobiça?2 (Negritamos.)
Observe-se nesta última passagem, Allan Kardec informando ter Jesus vindo para lembrar a lei divina, desta forma, só se pode concluir que ela já havia sido revelada no passado, senão não faria sentido dizer ser necessário recordá-la. E mais, esclarece que agora vem o Espiritismo para relembrar mais uma vez os conceitos divinos, através dos depoimentos e mensagens ditadas por uma multidão de Espíritos desencarnados, ou seja, pela voz dos chamados mortos.
Passaram-se sete anos, e o Codificador, agora em 1864, enfatiza na terceira obra do Pentateuco: Jesus não veio destruir a lei, isto é, a Lei de Deus; veio cumpri-la, isto é, desenvolvê-la, dar-lhe o verdadeiro sentido e adaptá-la ao grau de adiantamento dos homens. Por isso é que se nos depara, nessa lei, o princípio dos deveres para com Deus e para com o próximo, base da sua doutrina.3
Complementando na mesma fonte: O Cristo foi o iniciador da mais pura, da mais sublime moral, da moral evangélico-cristã, que há de renovar o mundo, aproximar os homens e torná-los irmãos […].4
Além disso, participou também da elaboração da obra um único Espírito puro, segundo o nosso entendimento e conhecimento – o próprio Jesus -, assim, nada a estranhar, porquanto estes Espíritos conheciam e conhecem perfeitamente as leis da vida, comunicando este cabedal de conhecimentos a Allan Kardec, e este, por sua vez, soube sabiamente bem registrar o que lhe foi revelado.
Contudo, de modo a não haver a menor sombra de dúvida sobre esta tese, pode-se relembrar de igual modo o que Allan Kardec escreveu, quatro anos mais tarde, em 1868, quando publicou a última obra fundamental: A moral que os Espíritos ensinam é a do Cristo, pela razão de que não há outra melhor.5
Vale observar também, Allan Kardec, ao proferir a sua célebre máxima: Fora da caridade não há salvação, o fez quando desenvolvia o capítulo XV de O Evangelho segundo o Espiritismo, após comentar a Parábola do bom samaritano e o Mandamento maior, passagens da vida de Jesus onde o Nazareno esclareceu seus seguidores sobre a imperiosa necessidade do exercício da caridade, como prática única para se ter acesso ao reino e Deus.
1 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. Edição Histórica. Conclusão VIII.
2 ____.____. Conclusão VIII.
3 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. cap. 1, item 3.
4 ____. ____. cap.1, item 9.
5 ____. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Caráter da revelação espírita, item 56.