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terça-feira 26 novembro 2024
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Coluna Espírita – Epidemia da Ilha Maurício

• Rogério Miguez – São José dos campos/SP
Durante a missão de Allan Kardec na elaboração da codificação da Doutrina Espírita, além de obras básicas, foram publicados periódicos mensais a partir de 1858, as Revistas Espíritas, onde eram debatidas questões variadas sobre o Espiritismo, além de servirem para divulgar artigos e informes vindos de todo o mundo.
Uma destas notícias tem particular similaridade com o que está acontecendo na Terra neste momento:1
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[Allan Kardec] Há alguns meses um dos nossos médiuns, o Sr. T…, que frequentemente cai em sonambulismo espontâneo, sob a magnetização dos Espíritos, nos disse que naquele momento a ilha Maurício estava sendo devastada por uma terrível epidemia, que dizimava a população. Esta previsão realizou-se, até com circunstâncias agravantes. Acabamos de receber de um dos nossos correspondentes da ilha Maurício uma carta, datada de 8 de maio, da qual extraímos as passagens seguintes.
“Vários Espíritos nos anunciaram, uns claramente, outros em termos proféticos, um flagelo destruidor prestes a nos fulminar. Tomamos estas revelações do ponto de vista moral, e não do ponto de vista físico. De repente uma moléstia estranha irrompe nesta pobre ilha; uma febre sem nome, que reveste todas as formas, começa suavemente, hipocritamente, depois aumenta e derruba a todos os que pode atingir. É agora uma verdadeira peste; os médicos não a entendem; até agora, nenhum dos que foram atingidos se curaram. São terríveis acessos que vos prostram e vos torturam durante doze horas no mínimo, atacando, cada um por sua vez, cada órgão importante; depois o mal cessa durante um ou dois dias, deixando o doente acabrunhado até o próximo acesso, e assim se vai, mais ou menos rapidamente, para o termo fatal.
“Para mim, vejo em tudo isto um desses flagelos anunciados, que devem retirar do mundo uma parte da geração presente, e destinados a operar uma renovação tornada necessária. Vou dar-vos um exemplo das infâmias que aqui se passam.
“O quinino em dose muito forte detém os acessos apenas por alguns dias; é o único específico capaz de interromper, pelo menos momentaneamente, os progressos da cruel moléstia que nos dizima.
“Os negociantes e os farmacêuticos o tinham em certa quantidade, e lhes custava cerca de 7 fr. a onça. Ora, como esse remédio era forçosamente comprado por todo o mundo, aqueles senhores aproveitaram a ocasião para elevar o preço da poção de um indivíduo, de 1 fr., preço ordinário, até 15 fr. Depois o quinino veio a faltar; isto é, os que o tinham, ou o recebiam pelo correio, o vendiam ao preço fabuloso de 2 fr. 50 c. o grão, a retalho, e a 675 e 800 fr. a onça, no atacado. Numa poção entram pelo menos 30 grãos, totalizando 75 fr. a poção. Assim, só os ricos podiam comprar e aqueles negociantes viam com indiferença milhares de infelizes morrendo ao seu redor, por falta do dinheiro necessário para adquirir o medicamento.
“Que dizeis disto? Ah! é história! Ainda neste momento o quinino chega em quantidade; as farmácias o têm em abundância, mas não querem vender a dose por menos de 12 fr. 50 c. Por isso os pobres morrem sempre, olhando desolados esse tesouro que não podem alcançar!
“Eu mesmo fui atingido pela epidemia e estou na quarta recaída. Arruíno-me com o quinino. Isto prolonga a minha existência, mas, como receio, se as recaídas continuarem, caro senhor, palavra de honra! é muito provável que em pouco tempo terei o prazer de assistir como Espírito às vossas sessões parisienses e nelas tomar parte, se Deus o permitir. Uma vez no mundo dos Espíritos, estarei mais perto de vós e da Sociedade do que estou na ilha Maurício. Num pensamento transporto-me às vossas sessões, sem fadiga e sem temer o mau tempo. Aliás, não tenho o menor receio, eu vo-lo juro; sou muito sinceramente espírita para isto. Todas as minhas precauções estão tomadas; e se vier a deixar este mundo, sereis avisado.
“Enquanto espero, caro senhor, tende a bondade de pedir aos meus irmãos da Sociedade Espírita que unam as suas às nossas preces pelas infelizes vítimas da epidemia, pobres Espíritos muito materiais, na maioria, e cujo desprendimento deve ser penoso e longo. Oremos também por aqueles, muito mais infelizes que, ao flagelo da moléstia, juntam o da desumanidade.
“Nosso pequeno grupo está disperso há três meses; todos os membros foram mais ou menos atingidos, mas, até agora, nenhum morreu.
“Recebei, etc.”
[Allan Kardec] É preciso ser espírita de verdade para encarar a morte com este sangue-frio e essa indiferença, quando ela estende seus malefícios em redor de nós e quando se sentem os seus ataques. É que, em semelhante caso, a fé séria no futuro, tal qual só o Espiritismo pode dar, proporciona uma força moral que, ela mesma, é um poderoso preservativo, como foi dito a propósito da cólera. (Revista de novembro de 1865). Isto não quer dizer que nas epidemias os espíritas sejam necessariamente poupados, mas, em tais casos eles têm sido, até agora, os menos atingidos. Escusado dizer que se trata de espíritas de coração, e não dos que só o são em aparência.
Os flagelos destruidores, que devem causar danos à Humanidade, não sobre um ponto do globo, mas em toda parte, são em toda parte pressentidos pelos Espíritos.
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É surpreendente a coincidência dos detalhes sobre a epidemia que atingiu a Ilha Maurício com a nossa atualidade, destacando: o flagelo surgindo de repente e ceifando muitas vidas; o uso do quinino (sob prescrição médica) como tentativa de curar o mal que atingiu os ilhéus; a ganância dos comerciantes na venda do produto; a morte imediata dos que não puderam custear o tratamento; entre outros.
Há um aspecto significativo do relato no que tange a questão do passamento: o destemor do correspondente em presença da tão temida morte, conduta corretíssima confirmada por Allan Kardec na conclusão.
Não há o que temer! A Doutrina é dos Imortais, e Imortais somos todos nós!
1 KARDEC, Allan. Revista Espírita. jul. 1867.