Anselmo Ferreira Vasconcelos – São Paulo/SP
Uma das pérolas da sabedoria paulina, certamente digna de menção honrosa no estatutário celestial, é a 3ª carta aos Colossenses. Na referida epístola, um primor de espiritualidade, diga-se, o apóstolo da gentilidade emite uma série de recomendações aos cristãos de Colossas. O seu conteúdo, além de atualizado, é particularmente especial aos que já perceberam a relevância da construção do seu capital espiritual. Afinal, através dela Paulo destila conselhos, ponderações e advertências altamente providenciais. Paulo pode ser visto – cumpre ressaltar – como sinônimo de transformação humana. Aliás, muito raros, na história humana, foram os que empreenderam tão radical mudança interior como ele o fez. Paulo não apenas abraçou o ideal cristão, mas incorporou-o no imo da alma. Com efeito, ao perceber o clamoroso erro em que incorria, abandona os rotos pensamentos e valores interiores, e se dedica cabalmente à implantação da luz na Terra.
Como sabemos, tal mudança muito lhe custou pessoalmente em termos de sofrimento e abnegação. No entanto, o seu legado é indiscutivelmente referencial. Posto isto, nos dois primeiros versículos da citada epístola, ele observa: “Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus. Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da Terra”. Vemos aí neste trecho uma clara alusão à necessidade de meditação em torno das coisas espirituais. De fato, a criatura humana, apesar de aturdida pela volúpia dos acontecimentos e tragédias, ainda reluta em abraçar a responsabilidade de auto iluminar-se. Já até aceita a existência de algo além dos limites da matéria perecível, mas, por assustar-se diante do que pode estar embutido no “desconhecido”, teima em não agir. Falta-lhe, enfim, a necessária coragem para reformular os interesses de vida, não obstante a fragilidade ética e moral deles.
Tendo-se em vista o objetivo proposto, Paulo faz recomendações incisivas: “Mas agora, despojai-vos também de tudo: da ira, da cólera, da malícia, da maledicência, das palavras torpes da vossa boca. Não mintais uns aos outros, pois que já vos despistes do velho homem com os seus feitos, e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Colossenses 3, 8-9).
O sábio apóstolo traça aí um roteiro virtuoso, luminoso e desafiador. Na essência, implica uma profunda mudança íntima da criatura humana. Afinal de contas, despojar-se das sombras da personalidade, do desenfreado culto ao ego e do indesejável comportamento rude e negativo demanda esforço considerável. Mais ainda: eleger a luz como roteiro de vida é deveras desgastante e dificultoso. Mas, convenhamos, também não é impossível, desde que haja tal disposição. Por isso, a vida de Paulo é um raro exemplo de tal realização.
A sua luta interior e a coragem demonstrada ao enfrentar as trevas do seu tempo custaram-lhe muito. Mas ele não recuou, e nos instantes mais delicados da existência desafiou a morte nefanda – pela via da decapitação – com extrema dignidade. A sua recompensa, relatada na extraordinária obra Paulo e Estêvão, de autoria do Espírito Emmanuel (psicografia de Francisco Cândido Xavier), foi à altura de quem muito fez e conquistou no campo da espiritualidade.
Os versículos 12-14 são claros delineamentos a respeito do que nos compete realizar a fim de obtermos semelhante conquista: “Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de entranhas de misericórdia, de benignidade, humildade, mansidão, longanimidade; suportando-vos uns aos outros, e perdoando-vos uns aos outros, se alguém tiver queixa contra outro; assim como Cristo vos perdoou, assim fazei vós também. E sobretudo isto, revesti-vos de amor, que é o vínculo da perfeição”. Paulo não nos incita a imitá-lo. O Criador também não nos faz tal demanda. Mas a mensagem é transparente e objetiva: seja um ser melhor em todos os sentidos. Paulo tinha plena consciência a respeito do que nos recomendara. O amor, nesse contexto, é ressaltado como a principal meta humana a ser alcançada na esfera dos sentimentos. No entanto, é deveras decepcionante observar a escassez no uso de tão poderoso antídoto às maldades humanas, apesar de seu extraordinário valor intrínseco.
Os versículos 18-21 são endereçados à necessidade do equilíbrio familiar – instância central às grandes realizações humanas no campo do afeto e das relações. Os versículos 23-24 são um hino ao exercício da responsabilidade adornada pelo amor: “E tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor, e não aos homens, sabendo que recebereis do Senhor o galardão da herança, porque a Cristo, o Senhor, servis”.
Note uma vez mais que o amor está no centro de tudo. Diante de tão grave recomendação, não deveríamos abdicar de nos empenhar em sempre fazer o melhor. A advertência enfoca claramente que o nosso esforço e dedicação não serão em vão. Haveremos de receber o “galardão” (o prêmio) no momento oportuno. O apóstolo também não se refere à nossa ocupação, pois aos olhos de Deus todos nós somos importantes. O que conta efetivamente é o nosso comprometimento com a tarefa posta diante de nós.
Embora Paulo não use exatamente esses termos, mas podemos subentender que “o galardão da herança” simboliza o capital espiritual de cada um. Nessa perspectiva, portanto, Paulo colheu o seu de maneira justa, conforme relata a obra acima. Em outras palavras, Paulo deixou a vida corpórea vitimado por torpe vilania, mas, em contrapartida, absolutamente rico em espiritualidade. O seu capital espiritual é, por conseguinte, admirável. Desse modo, através do autoaperfeiçoamento e do amor podemos ampliar igualmente o nosso.