• Rogério Miguez
O nosso processo evolutivo, seja em qual reino for, de modo geral, ocorre continuamente, contemplando a possibilidade de estacionamento temporário, todavia, nunca eterno. A natureza não dá saltos, esclarece a Doutrina Espírita; não há avanços bruscos, bem informa a lei do progresso contida em O livro dos Espíritos.
De ordinário, ao tomar conhecimento de biografias de pessoas ilustres, pode-se acompanhar a evolução gradativa do Espírito através dos marcos em sua vida, passo a passo, ou seja, construindo paulatinamente a sua melhoria em conhecimentos tanto quanto em sentimentos, culminando, ao término da existência, em uma personagem de nossa História com acentuado saber e realizações, um nome a ser lembrado.
Entretanto, há casos de Espíritos cuja trajetória nos faz refletir sobre este modelo divino de evolução, concluindo vez por outra, em função de nosso entendimento, por hora acanhado, pela possibilidade de um progresso extremamente acentuado em apenas uma vida, quando o Espírito aparentemente não se encontraria apto a realizar tal salto. Entre outros casos que nos intrigam, podemos citar o de Paulo de Tarso, Apóstolo dos gentios.
Um hebreu típico de seu meio e de seu tempo, perfeitamente integrado a sua comunidade. Sua vida continuaria inalterada, contudo, na famosa estrada para Damasco, quando se dirigia àquela cidade com cartas autorizando-o a prender cristãos, se deparou com o seu maior perseguido: Jesus o Cristo de Deus, e a partir deste inesquecível momento, teve a sua vida mudada por completo, passando de caçador de cristãos, ao maior divulgador da mensagem do Rei dos Reis.
No entanto, antes de Paulo se tornar a carta viva anunciando a Boa Nova aos quatro cantos, pergunta-se: quantos deslizes cometeu até a sua conversão ao Cordeiro de Deus? De quantos dramas participou, sendo em muitos o seu principal protagonista? Quantas lágrimas fez derramar pelos cristãos implacavelmente perseguidos? Qual sentimento nutriu pelos indefesos seguidores do Cristo?
Considerando esta vida pregressa, quando Saulo estava desorientado perseguindo cristãos, indaga-se: como explicar tamanha mudança de rumo? Não parece contradizer a lei da evolução regular e lenta? Como pôde dar tamanho testemunho: seja pregando o Evangelho, seja pelos seus continuados exemplos de vida, seja enviando cartas disseminando as máximas cristãs, se era contumaz pecador aos olhos de muitos?
Para penetrarmos no entendimento desta súbita e aparentemente inexplicável alteração de conduta, precisamos necessariamente considerar a existência de outra importantíssima lei de Deus – a reencarnação – caso contrário, poderíamos ser levados a supor a existência de alguma regalia concedida a este Espírito, bem como a outros de nossa História, quando igualmente deixaram uma vida de atos distanciados da moral, e subitamente abraçaram com fervor o caminho da retidão.
Através das encarnações, desenvolvem-se virtudes, o intelecto, bem como a sabedoria. Esta é a vontade do Pai ao determinar que se faça a evolução dos Espíritos pela continuada sucessão de vidas. Ora, em Saulo de Tarso, algumas destas conquistas eram evidentes, pois sabemos da rápida projeção na sociedade judaica, como ativo cumpridor e conhecedor da antiga lei.
E quais virtudes seriam estas? Paciência, pertinácia, constância, dedicação, determinação, disciplina, energia, aptidão a agir, coragem, afeição aos estudos, entre outras, certamente possuía também intelecto apurado, caso contrário, sem a reunião destes talentos, não poderia dar cumprimento à perseguição de cristãos como o fez, na intensidade em que viveu aquela sua primeira “missão” abraçada.
Porém, na estrada para Damasco, ao escutar a pergunta do Cristo: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” (Atos 9:4), começa a sua segunda e verdadeira missão.
Tudo indica Jesus ter falado ao coração de Saulo de modo perfeitamente compreensível, em profundidade, e Saulo, a partir de então, toma das virtudes e capacidades, já possuídas, construídas e conquistadas em muitas vidas através de seu esforço pessoal – e que estavam sendo utilizadas com propósito equivocado por ignorância -, e usa estas inclinações natas para viver intensa e plenamente a Boa Nova.
Não houve qualquer alteração na natureza do Espírito Saulo para justificar a transfiguração em Paulo. Bastou uma pergunta, uma simples indagação, feita com extremado amor. Não houve quebra de nenhuma lei divina; Deus não aquinhoou Paulo naquele instante com virtudes e conquistas não originalmente possuídas por Saulo.
Argumentar ainda ser Saulo um privilegiado ao ter aquele contato estreito com o Cristo, também não explica sua transformação, pois se assim fosse, qual a razão de não termos visto nascer muitos “Paulos” transformados, entre todos aqueles que não só tiveram encontros particulares com o Cristo, mas, principalmente, conviveram com Ele?
De modo a não nos distanciarmos daqueles tempos memoráveis, poderíamos trazer esta lição para o nosso cotidiano aproveitando esta maravilhosa lição e também indagar: quem sabe também estamos como Saulo nas estradas de Israel perseguindo Jesus? Quem sabe estamos matando e destruindo bons ideais e esperanças em nome de propostas falsas da cultura moderna? Quem sabe não estamos de posse de “Cartas para Damasco”, de modo a aprisionar todos aqueles buscando seguir o Cristo em sua maior simplicidade?
Terá Jesus também um encontro conosco nas estradas da vida, mais uma vez, para nos indagar por qual razão não vivemos como Ele nos exemplificou?
Eis o grande desafio de todos nós, vencermos o Bom Combate como Paulo o fez com maestria.