Após anos ouvindo falar sobre o universo compartilhado de monstros da Universal Studios, mesmo com duas tentativas frustradas de colocar tal plano em prática, a mais recente sendo o terrível A Múmia (2017), com Tom Cruise, dando ao entender que tudo estava perdido, a reformulação das ideias do estúdio ainda teve fôlego para mais um esforço. Deixando de lado a ideia de interligar os filmes e dando liberdade autoral para o diretor, chega, um tanto desacreditado, O Homem Invisível.
Entregue nas mãos da produtora Blumhouse, responsável por vários bons filmes de suspense e terror atuais, o projeto dessa nova releitura do clássico conto do autor H. G. Wells tem como principal objetivo não só atualizar o enredo, mas mais que isso, tornar a simples história de suspense em algo relevante para discussões muito presentes na sociedade. Uma ótima forma de reviver um clássico dando a ele um bom argumento. E é isso que o diretor, e também roteirista, Leigh Whannell mostra estar disposto a fazer.
Distanciando-se do megalomaníaco O Homem sem Sombra, de 2000, Whannell opta por manter a história com os pés no chão. A ótima cena de abertura consegue dizer muita coisa sobre o relacionamento abusivo em que a protagonista Cecilia (Elisabeth Moss) tenta fugir, ao passo que também cria um clima extremamente tenso e desconfortável. Tudo isso sem diálogos. Poucos minutos são necessários para construir o escopo da trama e nos colocar diante do sofrimento da personagem, entregue com muita competência pela atriz. Além disso, a forma de filmar que o diretor utiliza é sempre intrigante, deixando a câmera pairar sobre locais vazios, onde a dúvida brota automaticamente nos espectadores sobre a existência de algo a mais. Já durante a ação, os planos são dinâmicos e procuram por ângulos inusitados, bem como movimentos diferenciados, já vislumbrados no trabalho anterior de Whannell, Upgrade (2018).
Um dos maiores trunfos do roteiro é, sem dúvidas, tirar o protagonismo do personagem-título, optando, inclusive, por escondê-lo do público por quase toda a projeção, evitando qualquer tipo de simpatia com o mesmo. Demonstrando, então, os efeitos de seu comportamento abusivo e controlador pelos olhos da vítima, o filme carrega um texto pesado sobre as consequências do abuso, deixando até mesmo o público, que acompanha tudo de perto, em dúvidas sobre a sanidade de Cecilia, emulando perfeitamente como a sociedade trata, normalmente, esse tipo de caso: com desconfiança. A produção, assim, consegue utilizar do maior trunfo do gênero, uma espécie de metáfora, que encontra na hipérbole, também típica da arte, uma maneira de escancarar os horrores de viver preso em seu próprio relacionamento.
Mesmo que traga tamanha relevância contextual e entregue ótimas características técnicas, como trilha sonora envolvente e montagem que ajuda muito a narrativa, não estamos diante de uma obra sem defeitos.
Para um melhor encadeamento dos fatos, algumas facilitações de roteiro são empregadas, gerando pequenos abalos na suspensão da descrença exigida do público. Além disso, outra opção da trama abre margem para interpretações. Com uma reviravolta um tanto contestável, o final acaba seguindo por caminhos que podem tanto ser catárticos para uma parcela dos espectadores, quanto parecer contraditório para outros.
Por Giuseppe Turchetti