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domingo 22 dezembro 2024
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Coluna de Cinema – Enola Holmes

O sucesso literário de Sherlock Holmes transformou a obra de Arthur Conan Doyle em uma das mais adaptadas da história. Suas versões para cinema e TV somam mais de 200 vezes em que fomos capazes de assistir ao detetive nas telas. Valendo-se dessas informações, a Netflix não quis ficar atrás e decidiu apresentar sua própria releitura do personagem, porém com uma perspectiva inovadora que trouxesse mais originalidade para mais uma versão. Assim surge Enola Holmes, deixando Sherlock ligeiramente de lado para focar em sua irmã mais nova.

A premissa é boa e o filme já começa com um ritmo acelerado, bem dinâmico, que conversa bem com o público. Conversa essa que, a propósito, se faz realmente presente, já que Enola, em toda sua sabedoria, ainda que seja uma adolescente, se mostra onisciente ao quebrar a quarta parede, olhando para câmera enquanto conta sua história e interagindo com os expectadores durante o desenrolar da trama. Millie Bobby Brown constrói uma personagem leve e solta, que convence de seus propósitos e tem controle sobre a trama mesmo na companhia de sua mãe, Eudoria, vivida por Helena Bonham Carter e do Sherlock de Henry Cavill. Apesar da boa atuação, a jovem atriz carece, por hora, de pequenos detalhes e sarcasmos que enriqueceriam tais momentos pontuais em que olha diretamente para a câmera, para fortalecer essa troca com o público. Recurso visto com maestria, por exemplo, na série de TV Fleabag.

Uma comparação pertinente, uma vez que o diretor do filme, Harry Bradbeer, dirigiu quase todos os episódios de Fleabag.

Ao se colocar em um marcante período histórico, a direção de arte do longa se destaca ao emular a Inglaterra da época e não economiza em cenários e figurinos. Aliada a uma competente fotografia, o esmero estético do filme agrada e agrega ao valor da produção. E já que tais elementos são agradáveis o suficiente para embarcarmos nessa viagem, resta-nos focar na narrativa e, com isso, descobrir os deslizes da obra. O roteiro de Enola Holmes é perspicaz na escolha dos assuntos abordados, já que pega a áurea de um personagem tão conhecido como Sherlock e subverte para discutir o feminismo pela ótica de uma menina forte. Ao fazer isso e deixar claro, desde o início, que o futuro das mulheres pertence a elas mesmas, o discurso do filme ganha um potencial notável que parece, entretanto, desperdiçar ao longo de sua duração ao tentar pincelar tantas subtramas.

Tendo como fio condutor o sumiço da mãe, Enola ainda precisa lutar contra os esforços do irmão mais velho, Mycroft, vivido por Sam Claflin, que quer coloca-la em um internato, onde aprenderá a se comportar como uma verdadeira dama, digna de conseguir um bom casamento. Claflin que, a propósito, mesmo sendo mais novo que Cavill na vida real, consegue criar um Mycroft sisudo a ponto de gerar antipatia instantânea em tela, sendo um dos personagens mais marcantes. Discussões sobre aristocracia, revoluções, mudanças de hábitos e luta por direitos igualitários são alguns temas inseridos, mas nunca discutidos com profundidade. Além desses, uma subtrama romântica e desnecessária também rouba boa parte do filme. Tudo isso, claro, enquanto Enola, com a ajuda pontual de Sherlock, tenta desvendar o mistério principal.

Superando alguns obstáculos de forma mais simples e rápida, haja vista a quantidade de subtramas no roteiro, a aventura se mantém prazerosa. Embora perca o ritmo frenético do início e só retome em seu último ato, a direção de Bradbeer transforma a protagonista, bem como todo o filme, em uma experiência ágil, boa de ser assistida. Alguns maneirismos, como a quebra da quarta parede soam gratuitos em determinadas situações, tanto que são usados com exaustão no primeiro ato, mas parecem esquecidos no desenvolvimento, aparecendo novamente no final. Mirando em um público-alvo mais infanto-juvenil, Enola Holmes tem capacidade para angariar fãs e gerar sequências, correspondendo aos planos da Netflix.