O diretor Sam Mendes, já premiado como Melhor Diretor no Oscar de 2000 por Beleza Americana (também sagrado como melhor filme) e, como outro ápice da carreira, tendo dirigido o excelente 007 – Operação Skyfall (2012), chega em seu estágio de maturidade mais elevado no comando de “1917”. O apreço pela técnica envolvida na produção é tão evidente que deixa claro que a ideia sobre o longa veio antes da história em si. E com uma ideia tão boa na cabeça, Mendes não pensou duas vezes e decidiu, pela primeira vez em sua carreira como cineasta, escrever seu próprio roteiro, tendo o cuidadoso trabalho de criar um enredo que encaixasse milimetricamente em seu modelo de filmagem ousadíssimo, ainda mais se tratando de um campo de batalha.
1917 tem um roteiro simples. Não veremos aqui retratado na tela algum grande momento histórico, ou alguma batalha que tenha, necessariamente, mudado o curso da guerra. O que vemos é um dia normal sob a pele de dois cabos que ganham a difícil missão de atravessar o território inimigo até chegarem a outro batalhão aliado, avisando-os sobre uma emboscada que os espera, a fim de evitar cerca de 1600 mortes inglesas nas mãos dos alemães que planejaram a armadilha. Com essa premissa descomplicada, porém suficiente como fio condutor do espetáculo, o filme entrega uma experiência inovadora no gênero de guerra a partir da visão do diretor.
A grande sacada presente na obra é a opção pela montagem da produção como apenas um enorme plano sequência do início ao fim. Para ficar claro e, quem sabe até merecidamente redundante, isso quer dizer que, assistindo ao filme, a sensação que o público tem é a que a câmera foi ligada ao início da projeção e, a partir desse momento, segue os personagens principais, literalmente, por toda a extensão da trama, ininterruptamente, até o desfecho da história. Sem cortes. Agora imaginem e complexidade para isso acontecer meio a Primeira Guerra Mundial, passando por trincheiras, túneis, explosões, batalhas de grande porte, mortes, entre tantos outros desprazeres da guerra. E tudo soar orgânico, íntegro.
É sabido que a técnica utilizada na filmagem fez vários planos menores, de aproximadamente 8 minutos, para serem colocados precisamente em ordem na pós-produção. Ainda assim, o cuidado minucioso para que cada um dos planos encaixe perfeitamente em sua sequência, com tantos elementos em cena e tanta coisa em jogo, como a iluminação natural e a dedicação dos atores, é um mérito louvável do trabalho da equipe. A complexidade por trás de “1917” beira a insanidade quando pensamos em questões de praticidade. Além de muito ensaio e coreografia de cena, destaca-se a fotografia que esbanja a assinatura de Roger Deakins, capaz de encher os olhos do público com a podridão dos confrontos e ainda assim, criar enquadramentos lindos dignos de obra de arte. Tudo isso em planos sequência.
Por mais que não seja um filme perfeito em todos os quesitos, sacrificando elementos como o desenvolvimento de personagens em prol de sua estrutura diferenciada, “1917” passa longe de ser um exibicionismo barato de técnicas de um diretor extravagante. Todas as escolhas realizadas são calculadas com primor com a bem definida finalidade de transportar o expectador diretamente para a urgência e a frieza de uma trincheira, contando sua história muito além do roteiro e diálogos, mas com um design de produção riquíssimo que narra o cansaço e o desespero no olhar de cada soldado já nos anos finais do conflito.
Por Giuseppe Turchetti