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domingo 22 dezembro 2024
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Ciência – Teoria da Terra Plana está cada vez mais popular

A ciência já comprovou que a Terra é redonda (seu formato é o de um esferoide oblato). Além disso, existem provas do formato esférico da Terra como experimentos físicos, fotos de satélites e viagens espaciais. Mas, ainda assim, algumas pessoas defendem que o nosso planeta é plano – algo parecido com o formato de uma pizza ou uma moeda.
O movimento terraplanista ganhou força a partir de 2014, tornando-se um fenômeno da internet. O assunto começou a ser discutido em vídeos do Youtube e em grupos de Facebook dos Estados Unidos. Um dos maiores propagadores do movimento é o norte-americano Eric Dubay, autor do livro 200 Provas de que a Terra não é uma Bola Giratória.

“O horizonte sempre se afigura perfeitamente plano 360 graus ao redor do observador independentemente de altitude.

Todas as filmagens amadoras de balão, foguete, avião e drones mostram um horizonte completamente plano acima de 20 milhas de altitude. Apenas a NASA e outras agências espaciais governamentais mostram curvatura em suas fotos e vídeos falsos”, escreve Dubay em sua prova número 1.

Os cientistas já refutaram essas evidências e as classificaram como pseudociência. Apesar de usar o raciocínio lógico, Dubay não chega a conclusões por métodos científicos. Perceber a Terra como plana não quer dizer que ela realmente deve ser plana.

Embora controversos, os questionamentos sobre consensos científicos começaram a se espalhar rapidamente para outros países. As explicações demonstram ter um forte potencial de persuasão, com um alcance sem precedentes. Ou seja, fazem sentido para muita gente. Existem grupos terraplanistas em redes sociais que já somam mais de 100 mil membros.

Atualmente as comunidades dedicadas ao tema realizam encontros, eventos e financiamentos coletivos para experimentos. Até uma viagem de cruzeiro está sendo organizada por representantes da Conferência Internacional da Terra Plana, que querem ver de perto o limite do planeta.

Os terraplanistas acreditam que o planeta terrestre é um disco achatado, coberto por uma redoma invisível (o domo). O Ártico ou Pólo Norte estaria no centro. Nas “bordas” estaria uma muralha de gelo – a Antártida. A região atuaria como uma barreira para a superfície terrestre, segurando a água dos oceanos.

O modelo de Sistema Solar aceito pela ciência situa o Sol no centro, onde a Terra circula ao redor da estrela. Os terraplanistas colocam a Terra no centro do Universo. Ela estaria imóvel- não giraria em torno de si mesma e em torno do astro-rei. O dia ocorreria porque o Sol se movimentaria em círculos sobre a superfície da Terra, iluminando diferentes regiões em sua passagem. Os planetas não existiriam – eles seriam apenas estrelas firmadas em uma abóbada.

Segundo as leis da física de Isaac Newton (1643-1727), o planeta é redondo por causa da ação da força da gravidade.
Essa força nos mantém sobre o chão, pois ela “puxa” tudo em direção ao centro do planeta, onde está o seu campo magnético. Quanto maior a massa de um corpo, maior é a força da gravidade. E vomo os planetas possuem uma enorme massa, a força moldou a superfície para formas arredondadas.

Mas para os terraplanistas, a gravidade também não existe. Uma das teorias usadas para explicar o fenômeno é que o objeto só fica preso ao chão porque a Terra acelera espaço adentro. Seria como um elevador gigante e isso criaria a sensação de gravidade.

Movidos pela conspiração
Quem são as pessoas que acreditam que a Terra é plana? Um estudo feito pela Universidade Texas Tech (EUA) demonstrou que a maioria dos terraplanistas busca informação por meio do YouTube. Os entrevistados disseram que começaram a acreditar na ideia depois de assistir a vídeos sobre teorias da conspiração – e acabaram sendo convencidos por eles.

“Acreditar que a Terra é plana não é necessariamente prejudicial, mas vem associado a uma desconfiança nas
instituições e na autoridade em geral. Queremos que as pessoas sejam consumidores críticos das informações que recebem, mas há um equilíbrio a ser obtido”, diz Asheley Landrum, coordenadora do estudo.

Teorias de conspiração podem ser definidas como crenças ou modelos explicativos utilizados para compreender as ações de grupos ou organizações que se unem em um acordo secreto e tentam atingir um objetivo oculto, sendo este percebido como ilegal ou malévolo.

Os terraplanistas acreditam que o homem nunca pisou na Lua e que as agências espaciais são parte de uma grande farsa, um complô mundial para esconder a verdade. Para eles, a ciência manipula a população para acreditar que a Terra é esférica. Isso seria feito a partir de montagens gráficas em programas de computadores. Muitas pessoas dizem que a NASA seria na verdade, uma agência de efeitos especiais.

Há quem afirme que a origem das falsificações teria sido durante a Guerra Fria. A corrida espacial ocorreu entre a União Soviética (URSS) e os Estados Unidos pela supremacia na tecnologia. Para os terraplanistas, as duas potências começaram a forjar suas conquistas espaciais pois estavam obcecados em derrotar um ao outro.

Segundo psicólogos, as pessoas acreditam em teorias da conspiração por vários motivos: elas teriam uma função causal para explicar eventos sociais complexos, ajudariam no processo de identidade e pertencimento a um grupo, justificariam o preconceito sobre certos grupos sociais, entre outros.

O psicólogo Sander van der Linden, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, diz que as teorias da conspiração tendem a provocar a desconfiança de princípios científicos bem estabelecidos. Na fronteira entre verdade e invenção, as teorias conspiratórias emergem como respostas para o esforço de interpretação e compreensão do mundo.

A crença na Terra Plana não significa necessariamente uma falta de acesso à informação ou à educação formal. Um estudo da Universidade de Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, mostrou que a crença em tópicos científicos considerados polêmicos era fortemente dependente do viés ideológico de cada um. Por exemplo, conservadodores norte-americanos têm maior dificuldade em acreditar no Big Bang como o evento que deu origem ao Universo. No Brasil, diversos terraplanistas associam provas de que a Terra é plana a partir da interpretação de textos bíblicos.
Muitos já falam na necessidade de uma “ciência cristã”. Por exemplo, a ideia de “firmamento” defendida pelos terraplanistas é um conceito parecido com o apresentado no Velho Testamento da Bíblia.

Em entrevista ao portal Terra, Samuel Trovão, o criador da página A Terra é Plana, explica que parte significativa dos terraplanistas é criacionista – acreditam que o planeta e os homens foram criados por Deus. Segundo Trovão, a descrição do nosso planeta na Bíblia condiz com outras cosmologias de povos antigos. “Estamos tentando reconstruir esses conhecimentos. Todo mundo que tenta provar que a Terra é um globo vira terraplanista, porque não tem prova. A única comprovação do globo seriam fotos da NASA. Isso é fé, você está acreditando na teoria deles. Seja sua própria autoridade”.

Um conceito firmado através dos tempos A ideia de que a Terra é plana prevalecia nas grandes civilizações do passado. Mas ainda na Grécia Antiga, os filósofos gregos Aristóteles (384 a.C. -322 a.C.) e Pitágoras (570 a.C. – 495 a.C.) defenderam que o nosso planeta é redondo. Mas eles também argumentavam que, caso a Terra se movesse, as nuvens, os pássaros no ar ou os objetos em queda livre seriam deixados para trás.

O matemático grego Eratóstenes (276 a.C. – 194 a.C.) fez a primeira determinação da circunferência terrestre a partir da comparação de ângulos de incidência da luz solar em dois postes de cidades distantes.

Durante a Idade Média, muitos cristãos defendiam o pensamento de que a Terra fosse plana com base nas escrituras sagradas. Mas também havia cristãos, como São Tomás de Aquino (1225 -1274), que acreditavam que vivessem em um globo.

Diversos estudos ajudaram a estabelecer os conhecimentos que temos hoje sobre o Universo.

O polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) publicou a obra “As Revoluções dos Orbes Celestes”, que chocou a sociedade da época ao afirmar que a Terra não estava no centro do Universo.

O modelo da Terra redonda inspirou as grandes navegações acontecidas a partir do século 15, que desbravaram novas rotas marítimas. A primeira circum-navegação (volta ao redor do globo terrestre) foi iniciada por Fernão de Magalhães e completada em 1522. A viagem mudou a história mundial.

Galileu Galilei (1564-1642) é considerado o pai da ciência moderna e defendia que a Terra gira em torno do Sol. Ele ajudou a popularizar um método de pesquisa baseado em experimentos, testes práticos e raciocínio lógico. Já Johannes Kepler (1571-1630) contribui para entender o movimento dos planetas no Sistema Solar.
Com o passar dos anos, toda a comunidade científica passou a atuar com a hipótese de que a Terra é um globo. No século 20, o fato pode ser comprovado por inúmeras experiências como rotas de navios e aviões, envio de satélites, sondas espaciais e viagens de astronautas.

Ressurgimento de uma teoria antiga No século 19, apareceu o primeiro movimento moderno a defender a Terra Plana. Em 1891, o inventor e escritor britânico Samuel Rowbotham publicou, sob o pseudônimo de ‘Parallax’, um panfleto intitulado “Astronomia Zetética: A Terra não é um globo”. Na obra, ele buscou revelar as “mentiras” da ciência, contestando conceitos científicos comprovados.

 

Segundo Rowbotham, muito do que a ciência provou também não passa de uma crença. O britânico acreditava no método zetético – uma alternativa à ciência que defende que observações sensoriais prevalecem sobre a teoria científica, através de dedução lógica. O refletir zetético liga-se as opiniões pela investigação e seu pressuposto principal é a dúvida.

“O Sistema de Copérnico admitiu pelo seu autor ser meramente uma dedução temporária e incapaz de demonstração”.

“Os sistemas e visões Newtonianos e todos os outros têm a mesma característica geral de hipótese do movimento terrestre elaborado por Copérnico. As bases ou premissas são sempre improváveis; nada foi provado ou testado; a necessidade disso é negada”, escreve o britânico.

As ideias de Rowbotham foram incorporadas pela Sociedade da Terra Plana (Flat Earth Society), um grupo fundado em 1956 pelo astrônomo inglês Samuel Shenton. Com uma atuação tímida, o grupo perdeu força nos anos seguintes. Em 2009, voltou a receber novos membros.

A ciência na Era da Pós-Verdade Passado mais de um século das teorias terraplanistas de Rowbotham, suas ideias ganham um terreno fértil na chamada era da pós-verdade. Em 2016, o dicionário de Oxford elegeu a palavra “pós-verdade” como o termo do ano.

A palavra se refere a uma época onde os fatos objetivos têm menos influência e importam menos que os apelos às emoções e às crenças pessoais – se me parece bom ou se está de acordo com minhas crenças, então é verdadeiro.
Com a internet, a criação de memes, boatos, montagens e fakes News disputam espaços de narrativas e influenciam todos os espectros do campo ideológico. Como consequência, o processo de desinformação aumenta, assim como a confusão entre fato e ficção – quando as mentiras se tornam verdades.

Quando uma pessoa apresenta um olhar cético e negacionista frente a algumas explicações e atribui um significado interpretativo diferente do acontecimento, mesmo o debate ou diálogo com especialistas no assunto pode ser inócuo, porque o argumento ou estudo científico não terá importância. As pessoas também podem estar envolvidas em “bolhas” de informação, em grupos que atacam aqueles que apresentem informação ou opinião contrária, o que diminui a troca de saberes e aumenta o radicalismo.

Em entrevista à BBC, Christine Garwood, autora do livro “Flat Earth: The History of an Infamous Idea” diz que o problema não é questionar, mas aceitar quando se está errado. “Sempre é bom questionar como nós sabemos o que sabemos.

Mas também é bom ter a habilidade de aceitar evidências convincentes, como as fotografias da Terra tiradas do espaço”.

Na era da pós-verdade, os governos, os grandes veículos de comunicação e as instituições (políticas e sociais)
vivenciam uma crise de credibilidade, onde as certezas dão lugar às dúvidas. A ciência também vive uma crise de autoridade e precisa enfrentar as fake news científicas. Por exemplo, é cada vez mais comum a desconfiança sobre temas como a eficiência das vacinas, a origem do vírus HIV, a evolução das espécies ou a negação do Aquecimento Global.